Investir em tecnologia é a saída para a indústria

O Brasil investe 1,3% do PIB (produto interno bruto) em inovação, e o montante em linhas de crédito para os investimentos em tecnologia quadruplicou na última década. A política industrial brasileira deu um salto qualitativo se comparado aos anos 80, e há avanços conceituais muito claros. A indústria nacional é heterogênea e autossuficiente, com presença em toda a cadeia produtiva, desde insumos até bens finais. Este retrato do Brasil, pintado pelo economista e doutor em relações internacionais Ricardo Sennes, seria perfeito se algumas análises pudessem ser ignoradas. Mas não podem. “Em geral, os países têm indústrias muito segmentadas, o que não é o nosso caso. Temos um desenvolvimento fabril muito amplo, e essa é uma característica bastante positiva. O problema é que falta homogeneidade. Há áreas muito capacitadas, com total condição de competir com grandes potências mundiais, e outras ainda muito deficitárias”, explica.

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o setor pretende investir cerca de R$ 4,8 bilhões em 2011. Um crescimento de 18,6% em relação ao volume aplicado no ano passado, embora ainda insuficiente para trazer grande modernização ao segmento, que enfrenta um cenário mundial extremamente competitivo.

Para as indústrias que ainda não se atualizaram, não investiram em tecnologia e não se prepararam, a notícia não é das melhores. “Nesses casos, inevitavelmente, perderão mercado para os produtos importados ou para multinacionais que se instalaram no Brasil,” diz Sennes. Um exemplo é o setor têxtil – dados da Abimaq mostram que, há alguns anos, 6% das máquinas eram importadas e, hoje, são 20% – e o de autopeças, que estão quase integralmente nas mãos de multinacionais. Um estudo da associação mostra que, em 2007, o Brasil importou US$ 1,6 bilhão em máquinas da Europa. Em 2008, US$ 1,9 bilhão. Em 2009, com a crise, voltou para US$ 1,6 bilhão. Em 2010, saltou para US$ 6,8 bilhões. De 2005 a 2010, o déficit acumulado da balança comercial de máquinas e equipamentos soma US$ 45 bilhões.

No setor de máquinas e equipamentos, entre os casos com melhor desempenho estão empresas dedicadas à agroindústria, avalia Ricardo Sennes, destacando também os fabricantes de motores, compressores e equipamentos odontológicos, médicos e para siderúrgicas.

“Há empresas que serão rapidamente descartadas, outras que vão enfrentar uma competição acirrada para se manter no mercado e há ainda um grupo com padrão internacional, que vai sobreviver a isso tudo”, pondera o economista e coordenador do Grupo de Análise de Conjunturas Internacionais (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP).

Mudança de cultura
Organizador do livro “Inovações Tecnológicas no Brasil: Desempenho, Políticas e Potencial”, Ricardo Sennes diz que a reação da iniciativa privada à necessidade de investimentos em tecnologia e inovação é lenta e que a mudança na cultura empresarial brasileira é algo de médio a longo prazo. “Infelizmente, a indústria nacional não investe na mesma proporção que as indústrias de outros países emergentes. Por aqui, as empresas destinam apenas 0,4% do PIB em inovação.”

No Brasil, só 20% dos cientistas e pesquisadores trabalham em companhias privadas. Os outros 80% estão em instituições públicas. Prova de que as empresas ainda não valorizam, como deveriam, a pesquisa e a produção científica. Nos países desenvolvidos, esses números são inversos.“A inovação implica cálculos econômicos e, por isso, muitas indústrias esticam a corda. Infelizmente, por aqui, há empresas que investem mais em compra do que em desenvolvimento de máquinas e novas tecnologias”, diz Sennes, sócio-diretor da Prospectiva Consultoria Internacional.

Segundo levantamento feito pelo Abimaq, as importações representam hoje quase 60% do consumo de máquinas e equipamentos no Brasil. Em 2005, essa relação entre importação e exportação era inversa, com 40% de máquinas importadas.

O economista condena a falta de reação do setor privado e diz que, apesar dos recursos públicos oferecidos serem razoáveis, é preciso mais critério para a alocação das verbas. “Há um número crescente de instituições que oferecem linhas de crédito. O problema é como esses recursos são distribuídos. As políticas públicas, apesar do bom volume de verbas, são bem-sucedidas apenas parcialmente”, explica Sennes.

Para ele, em muitos casos o governo desperdiça recursos com empresas sem condições de recuperação, quando deveria investir em quem está no caminho certo, em quem já investe seu próprio dinheiro em tecnologia e inovação. “É errado usar dinheiro público para salvar empresas que não fazem a lição de casa”, dispara.

Para o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Antônio Barros de Castro, o Brasil precisa assumir grandes projetos. “Pré-sal, etanol e investimentos auxiliam na industrialização, mas é preciso ter técnicos e profissionais, infraestrutura, cultura industrial e uma política de inovação voltada para os reais objetivos do país”, disse, em sua palestra na Expogestão – evento que reuniu líderes empresariais recentemente em Joinville.

Sobre o atual momento vivido pela indústria brasileira, o ex-embaixador do Brasil na China, Luiz Augusto Castro Neves, que também participou do congresso, diz que o país deve perder mercado em alguns segmentos e ganhar em outros. “Um exemplo são os Estados Unidos: no século 20, ao mesmo tempo em que a indústria siderúrgica diminuiu, o segmento de tecnologia se fortaleceu, com o Vale do Silício”.

Desindustrialização
“No mundo, não há países industrializados que não passaram pelo processo de desindustrialização. Se você perde algumas indústrias, ganha em outros setores. Eu acredito na capacidade de desenvolvimento do Brasil.” O otimismo do ex-embaixador Castro Neves parece compartilhado pelo economista Ricardo Sennes. Segundo ele, a desindustrialização (a perda de participação da indústria nacional na produção total do país) tende a ser menos cruel para as empresas que já têm um padrão tecnológico avançado, de nível internacional. Em maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial brasileira cresceu 1,3% em relação a abril, o que fez o setor alcançar o maior nível desde o início da série histórica, em 1991.Mesmo que o Custo Brasil não possa ser desconsiderado e os efeitos negativos da alta carga tributária e dos juros, além da valorização do câmbio, sejam sentidos por todos os setores da indústria brasileira, há uma luz no fim do túnel.

“Os problemas só serão fatais para aquelas empresas que não inovam e que já estão debilitadas e endividadas. Nestes casos, a situação é grave. Já aquelas que se ajustaram e até se internacionalizaram vão superar as dificuldades com todas as condições de se manter competitivas”, avisa, dizendo que a desindustrialização não vai causar um efeito homogêneo, com resultados iguais em todos os setores da indústria.