Foto: Envolverde
Na busca por negócios mais sustentáveis, as instituições financeiras aparecem na linha de frente para acelerar as transformações do setor privado. A lógica é simples: se elas detêm o poder de conceder créditos, poderiam, de alguma forma, vincular a liberação dos recursos a indicadores de responsabilidade socioambiental das empresas solicitantes.
A questão foi colocada durante o primeiro Diálogos Temáticos, série de encontros realizada pelo Instituto Ethos, com o objetivo de ampliar as discussões sobre assuntos emergentes e a disseminação de conhecimento. Com o tema A preocupação ambiental como indutora de finanças sustentáveis, o evento se tornou um espaço em que representantes de organizações não-governamentais e empresas apontaram caminhos possíveis para as instituições financeiras se tomarem a liderança no processo.
Para o gerente de produtos de risco socioambiental da Serasa, Franklin Thame, os bancos e agências de crédito têm um papel fundamental. “A sustentabilidade não ocorrerá sem financiamento”, acredita.
No entanto, ele alega que as instituições que avalizam riscos e créditos precisam de ferramentas para mensurar o que as empresas fazem - ou não – para minimizar os impactos que causam. ”Trata-se de uma análise ampliada dos riscos, que considera a degradação dos recursos ambientais ou do capital humano nos processos de produção”, argumenta.
“Ecocídio”
O fato de não se ter o custo socioambiental nas avaliações de risco, elaboradas para balizar os negócios, tem um efeito perverso, na opinião do diretor da ONG SOS Mata Atlântica, Mario Mantonvani. “Um verdadeiro ecocídio (sic). E a pior agência de financiamento é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), cujos investimentos estão descolados até do bom senso”, critica.
Embora bastante enfático em suas opiniões, Mantovani levantou um ponto crucial na discussão: se o crédito dado a determinada organização levará efetivamente a uma melhoria econômica ou social, sem ônus ao meio ambiente. De forma didática, ele usou o exemplo do arrolamento da dívida agrícola, que chegou a mais de R$70 bilhões em 2007.
“Essas dívidas provêm de uma sucessão de erros (por parte dos fazendeiros). E seu pagamento é postergado indefinidamente, graças a acordos políticos e a lobistas de bancos. Apenas para dados comparativos, o custo total do Bolsa-Família é de R$ 11 bilhões”. Para Mantovani, trata-se de uma ação que só traz prejuízos para o Brasil.
Crédito Aprovado
Entender como é utilizado o crédito concedido foi uma das preocupações impostas à superintendente de produtos socioambientais do ABN Amro Real, Linda Murasawa. No início desta década, segundo ela, o presidente executivo do banco, Fábio Barbosa, teria dito: “Não adianta ir bem, em um país que vai mal. O que o banco pode fazer para colaborar em uma transformação social?”
“Foi um grande desafio. Os bancos nunca mudaram sua forma de trabalhar. Os Derivativos (contratos financeiros que fornecem um seguro contra perdas relativas às operações de crédito) foram último produto bancário criado, em isso ocorreu na década de 1970. Mudar as regras seria um caminho difícil”, lembrou.
Um dos primeiros passos da equipe foi identificar a destinação dos recursos concedidos pelo banco a empresários. “Um plantador de soja, por exemplo. Será que ele plantou soja mesmo? Usou mão-de-obra escrava ou infantil? Desmatou floresta nativa na plantação? Poluiu o rio? Enfim, a questão não era apenas conceder o empréstimo”, acredita.
No entanto, em vez de negar créditos a agricultores ou empresários com pendências, como é o caso de passivos ambientais, os empréstimos foram condicionados a financiamentos para a correção dos problemas. “Se ele não tivesse o empréstimo, o passivo se manteria, a empresa poderia falir e haveria mais desemprego. Ao vincular o empréstimo a formas de correção dos problemas, todos ganham”, acredita.
Ética
Iniciativas como a do ABN Amro Real foram analisadas pelo sócio da Fábrica Éthica Brasil (consultoria em sustentabilidade), Giovanni Barontini. Segundo ele, devem haver critérios mais rígidos para bancos que se considerem sustentáveis. “A sustentabilidade provém do core business da organização. A do banco é financeira. Assim, na conta devem entrar as negociações com os clientes”, afirmou.
Ele alega que muitas instituições fazem propaganda de políticas de microcrédito, patrocínios de eventos sociais e carbono neutro em seus balanços sociais. “Mas isso é a periferia das ações socioambientais. A responsabilidade está na concessão de créditos. Para quem, como”.
Para dar um exemplo claro, Barontini levou uma carta que recebeu de um banco, do qual não é correntista. Na correspondência, foi garantido a ele um crédito já aprovado de R$ 21 mil, que poderia ser pago em 36 vezes. O custo total depois de três anos de pagamento do débito seria superior a R$ 48 mil.
“O problema não é pagar mais que o dobro, mas são as letras miúdas no final da carta, que advertiam ao possível cliente de que o banco poderia alterar as taxas de juros a qualquer momento e sem qualquer aviso prévio. Isso não é ético. E o banco em questão se vangloria de ser um dos participantes da criação dos Princípios do Equador”, argumentou.
Cadastro
Ferramenta já consolidada para avaliação de risco de crédito, o Credit Rating da Serasa fornece informações econômico-financeiras das principais companhias no Brasil. A novidade é que um produto similar foi lançado pela empresa, desta vez para análise do risco ambiental.
“Trata-se de um instrumento a mais para tomada de decisão na concessão de empréstimos”, conta Franklin Thame. O produto, chamado Relatório de Responsabilidade Ambiental (RRA), permite avaliação das empresas segundo quatro critérios: política e gestão ambiental; forma de uso dos recursos naturais; medidas adotadas para evitar, diminuir ou remediar impactos; e cumprimento das disposições legais.
O atendimento a esses parâmetros resulta numa nota, enquanto o não-atendimento pontua negativamente. Um dos benchmarks utilizados na construção do questionário foi o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa (ISE).