Entrevista: NTU estima que metade das empresas de ônibus do país vão falir

Retomada prevista para o setor deve ocorrer em no mínimo dois anos

O presidente da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), Otávio Vieira da Cunha Filho, estima que metade das empresas de ônibus do país vão falir por não ter condições de operar. As informações foram divulgadas em entrevista exclusiva ao Diário do Transporte.

O cenário é previsto por conta da pandemia do novo coronavírus e pelo fato de muitas viações acumularem dívidas antes deste período de crise. Contudo, o presidente não estima um prazo para que isso ocorra.

“Metade das empresas vai quebrar e vai ter que sair do sistema, por não ter condições de funcionar depois da pandemia. Isso porque elas já vêm acumulando dívidas ao longo do tempo e não vão ter como se recuperar”, afirmou o presidente da NTU.

Segundo Cunha, em alguns casos empresas são mal geridas, mas em outros, as redes de transporte são desequilibradas e o serviço opera sem muito planejamento, o que afeta as empresas de ônibus.

Ainda na visão do presidente da associação, o sistema de transporte público no país está estruturado com uma política tarifária que não sustenta um serviço de boa qualidade. Assim, há uma queda de demanda crescente nos últimos 20 anos, o que pode agravar a crise provocada pelo novo coronavírus no setor.

Empresas já suspenderam serviços

Cunha contou que algumas empresas de ônibus já encerraram as atividades no país. Outras têm perspectiva de fechar as portas das garagens em breve.

“Só em Maceió, tem cinco empresas que já suspenderam os serviços. A gente não sabe se vão continuar. Nos últimos levantamentos que fizemos, foram quase 11 empresas no país, entre elas uma já fechou definitivamente em Guarulhos, a Real Transportes, do Grupo Real do Rio de Janeiro, fechou as portas, garagem e dispensou todo mundo”, afirmou.


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“Muitos empresários já gostariam de ter saído, mas não têm nem como sair, porque não tem nem interessado em adquirir um serviço que não para em pé. Certamente essa pandemia vai fazer uma depuração grande no setor”, avaliou também Cunha.

Neste contexto, a Expresso Pégaso, que já foi uma das maiores empresas de ônibus do Rio de Janeiro, entrou na última segunda-feira, 11 de maio de 2020, com pedido de recuperação judicial para tentar escapar da falência. A ação foi distribuída nesta terça-feira, 12.

Retomada em dois anos

Ainda de acordo com Cunha, a retomada do setor de transportes no Brasil será muito “demorada e sofrida”.

“A retomada será de pelo menos dois anos para o setor se recuperar, a menos que haja mudança muito grande e estrutural dessa atividade. Essa será a grande discussão que precisará ser feita”, afirmou.

Esta retomada mais lenta ocorrerá principalmente se as condições não forem mudadas pelo poder público, segundo o executivo.

“O modelo de concessão e contrato que existe hoje não garante absolutamente que uma atividade econômica possa se sustentar. Esse modelo de concessão comum, apesar de a legislação garantir o equilíbrio econômico da atividade, isso não é cumprido, mesmo estando escrito no contrato“, afirmou.

Além disso, Cunha prevê que a redução do número de passageiros, seja por medidas de prevenção à Covid-19 ou ao isolamento social, vai resultar um aumento nas tarifas de ônibus de todo o país.

Entrevista

Confira a entrevista, na íntegra:

Diário do Transporte – Como a NTU avalia o atual auxílio do poder público às empresas de transporte coletivo do Brasil em meio à pandemia do novo coronavírus?

Otávio Vieira da Cunha Filho – Nesse momento o poder público poderia ajudar muito, mas está fazendo pouco. A demanda caiu, devido ao isolamento social e à redução da atividade econômica, estamos transportando apenas 20% dos passageiros em condições normais e estamos ofertando um serviço de em torno de 50% a 60%.

Como o transporte é mantido pela tarifa paga pelo usuário, o serviço já vinha desequilibrado e esse problema agravou substancialmente. O poder público, que tem a competência de gerenciar o transporte público, também teve queda de receita, estados e municípios também perderam.

O que poderia mudar neste aspecto e como essa relação entre empresários do setor e poder público poderia ser mais eficiente?

Nessa hora, o que poderia ser feito é: as empresas precisariam de um auxílio mínimo para que pudesse manter essa operação. Algumas atividades não foram suspensas, como farmácias, supermercado, cargas, saúde em geral. Todo esse pessoal que se desloca usando o transporte público continua precisando desse serviço essencial, que não paralisou, mas as empresas não têm condição de atuar.

São cerca de 2.900 municípios com transporte público organizado. Até o momento, mais de cinco tomaram a iniciativa de manter a oferta.

O restante do serviço vai entrar em colapso por já estar funcionando de maneira precária. A gente esperava um pouco mais de auxílio da parte dos poderes executivos municipais e estaduais, de que esse socorro tivesse vindo.

Pelo Projeto de Lei 39, a União está repassando R$ 60 bilhões a estados e municípios, sendo R$ 10 bilhões para saúde. Dos outros R$ 50 bi, R$ 30 bi vai para os estados e R$ 20 bi para os municípios. Sobre esse recurso, já fizemos contato com secretário da Frente Nacional de Prefeitos, que integra 400 cidades.

A palavra é o seguinte: ‘esse recurso não vai chegar ao transporte público’, apesar de que o governo federal, ao disponibilizá-lo, disse que o município poderia utilizar onde quiser. O ministro Paulo Guedes chegou a citar transporte público, merenda e segurança.

Pelas conversas que já tivemos com o secretário executivo da Frente de Prefeitos, esse recurso mal dá para a folha de pagamentos. Então, o setor está muito desassistido.

Algumas iniciativas do governo federal deram alívio para a gente, como suspender contratos, reduzir salários, postergar o pagamento de impostos, sinalizaram até capital de giro, mas o setor está tão endividado que não há essa disposição e muitas empresas não têm nem capacidade financeira ou condições para tomar porque os bancos não vão emprestar.

Todas essas medidas tomadas que já auxiliaram são auxílios indiretos, porque o contrato suspenso depois de três meses terá que ser pago de novo. Então, o problema é até para a retomada lá na frente. A situação é crítica e o auxílio até o momento é insuficiente.

O que poderia ser feito para evitar um colapso?

O que a gente quer é equilibrar a operação mínima: folha de pagamento e combustível, exclusivamente isso.

Os municípios que tomaram iniciativa foram Belo Horizonte, Curitiba e Brasília, que Justiça bloqueou este auxílio.

O serviço é público, então quando há ajuda financeira para manter o mínimo, estão ajudando a população. Há muito desconhecimento da realidade do que é o transporte público. Esses poucos municípios estão ajudando no mínimo essencial para poder funcionar.

Estamos nesse momento querendo apenas continuar operando para atender a população. O problema das outras contas que estão acumulando vai ser para depois, na retomada, e ninguém sabe quanto tempo isso vai durar.

A pouca ajuda que está sendo dada em alguns municípios é bem-vinda por estar permitindo que o serviço não pare. A maioria do setor tem esse grau de consciência, fazer um esforço maior para manter a atividade e esperar o futuro, que é incerto, mas a retomada terá que ser em outro patamar, com outras regras.

Essa crise vai modificar o comportamento das pessoas e naturalmente exigir de muitos setores da economia de repensar sua atividade.

O transporte público sofrerá grandes mudanças para buscar a qualidade tão exigida pelas pessoas hoje. Nesse momento, temos que nos preocupar com isso, não existe a possibilidade de lucro, estamos acumulando compromissos futuros sem garantia de que a receita futura vai vir na mesma proporção do que era antes. O tempo de recuperação não é nem imaginado hoje.

Em Curitiba, o primeiro prefeito que fez uma declaração de que ia ajudar no serviço de transporte para manter o mínimo em operação, ele teve a preocupação de fazer uma ressalva na linha de ‘não venham me dizer que eu estou ajudando o empresário de transporte, estou ajudando a população’.

Como está sendo feito o diálogo com o poder público?

Começamos as conversas com o Ministério da Economia em meados de março. Conversamos na Secretaria de Desenvolvimento e Infraestrutura e conversamos também com o secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, com Pedro Capeluppi, entre outros. Fizemos algumas videoconferências.

Desde o primeiro momento que a gente vem conversando, a gente vem colocando que o setor já tinha um problema estrutural sério, que mais de 50% do setor hoje atravessa dificuldades de equilíbrio econômico-financeiro.

Algumas empresas não vão conseguir chegar ao final do isolamento, estão em regime de pré-falência. Alertamos o governo, mas tivemos o cuidado de dizer que o setor tem consciência da responsabilidade desse serviço e não tinha nenhuma iniciativa de paralisação, mas disse que se não houvesse ajuda o setor poderia entrar em colapso. Não dá para dimensionar quando isso vai acontecer.

Mais de 30 cidades, incluindo 10 capitais, começaram a ter movimentos de paralisação. Em relação a redução salarial, atraso de pagamento de salário, suspensão de contratos, alertamos o governo.

É possível prever quando as empresas entrariam em colapso?

Não vai ser de uma só vez, as empresas não vão ter condições e as empresas vão parar as atividades. Algumas empresas já entregaram, já pararam o serviço. A gente não pode dizer que dia esse colapso pode acontecer porque cada cidade tem uma realidade diferente.

O esforço que está sendo feito pelas empresas, algumas estão conseguindo tomar empréstimos, mobilizar ativos de outras áreas para injetar dinheiro e pagar folha de pagamento, comprar combustível, estão mantendo o serviço. Estamos à beira de um colapso se não houver recurso, certamente.

É possível afirmar que as empresas bem geridas vão sobreviver e as mal geridas vão falir neste período?

Já ouvi isso de que a pandemia, de certa forma, vai fazer uma purificação no setor. Acho uma irresponsabilidade enorme afirmar isso, porque que fala isso desconhece como o transporte público se sustenta e como ele é gerido e como ele é organizado no Brasil.

Atribui-se às empresas todos os ônus da má qualidade do transporte. Não vamos dizer que não haja empresas mal geridas, mas as redes de transporte são desequilibradas, o serviço não tem muito planejamento, as cidades que se organizaram têm sustentabilidade do serviço, mas são poucos bons exemplos de cidades que fizeram dever de casa nos últimos 30 anos.

Onde o governo investiu e deu alguma prioridade na circulação. O transporte foi organizado de forma a dar alguma sustentabilidade para ele. Agora, de fato, da forma como o serviço está estruturado hoje, com uma política tarifária que não sustenta um serviço de boa qualidade e que gerou com a queda de demanda dos últimos 20 anos a 50% de queda nos anos 90, eu diria que certamente vai haver uma grande purificação mesmo.

Metade das empresas vão quebrar e vão ter que sair do sistema, por não ter condições de funcionar depois da pandemia, pois já vêm acumulando dívidas ao longo do tempo e não vão ter como se recuperar. Muito provável.

Só em Maceió, tem cinco empresas que já suspenderam os serviços. A gente não sabe se vão continuar. Nos últimos levantamentos que fizemos, foram quase 11 empresas no país, sendo que uma já fechou definitivamente em Guarulhos, a Real Transportes, do Grupo Real no Rio de Janeiro, fechou as portas, garagem e dispensou todo mundo.

Outras empresas deverão paralisar no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, entre outras localidades. Muitos empresários já gostariam de ter saído, mas não têm nem como sair porque não tem nem interessado em adquirir um serviço que não para em pé. Certamente essa pandemia vai fazer uma depuração grande no setor.

Os outros municípios em que a coisa anda muito solta, esse serviço vai estar certamente paralisado. Com certeza e infelizmente vai ter uma grande depuração.

Durante 20 anos em que o setor vem sofrendo, com redução da atividade econômica na área do transporte e desequilíbrios, o comportamento dos empresários é de preservação da atividade deles.

O que poderia mudar nessas gestões?

As empresas estão tomando uma atitude errada. Porque falta recurso para folha de pagamento, o empresário paga o pessoal e sacrifica a renovação de frota, utiliza o fundo de depreciação para renovação de frota, que está embutido na tarifa, para pagar conta corrente.

Depois falta um dinheirinho para o combustível ou a manutenção da folha e ele deixa de pagar o imposto. Ele vai criando um endividamento para manter a atividade funcionando, na esperança de que as coisas vão melhorar e o prefeito vai fazer algo melhor para o transporte.

Que atitudes das empresas foram boas para a saúde financeira?

Nesse período, as empresas andaram tomando algumas atitudes que ajudaram o transporte a se manter, que foram os consórcios operacionais. Eles permitiram e facilitaram para o próprio poder público a organizar melhor a rede. Viraram solidários na mesma atividade.

As licitações dos últimos 15 anos todas foram feitas considerando determinadas áreas da cidade. Formou-se consórcio com empresas daquela determinada área para poder participar dos processos licitatórios. Hoje, tem muita empresa pequena sobrevivendo dentro desse manto do consórcio, até mesmo empresas pequenas cujo dono cuida muito bem.

A visão dos que acham que entendem um pouco de transporte é errada no sentido de que ele é muito fragmentado e precisa de concentração para ser melhor atendido. O problema é estrutural, são outros assuntos a serem discutidos.

E quando será possível falar em uma retomada do setor?

A retomada será de pelo menos dois anos para o setor se recuperar, a menos que haja mudança muito grande e estrutural dessa atividade. Essa será a grande discussão que precisará ser feita: tentar colocar na pauta dos prefeitos a discussão da mobilidade urbana.

Esses projetos estão esperando a retomada para a gente voltar a discutir. A retomada, nas condições em que o transporte vinha atuando, será muito demorada e muito sofrida.

Metade do setor deve deixar de atuar durante a retomada, que vai levar no mínimo dois anos, a menos que se repense a restruturação do transporte público em outras bases.

O modelo de concessão e contrato que existe hoje não garante absolutamente uma atividade econômica se sustentar. Esse modelo da concessão comum, apesar de a legislação garantir o equilíbrio econômico da atividade, isso não é cumprido, mesmo estando escrito no contrato.

A retomada deverá ser em outras bases, para se reconstruir essa atividade e melhorá-la bastante. Buscar os níveis de qualidade tão exigidos pela população, o que é possível ter, não precisamos nem inventar, ele já existe fora do Brasil, seria copiar os bons exemplos de fora e copiar aqui.

Essa pandemia está mostrando que temos um inimigo microscópico e gigante, que é a questão do vírus. Cada dia aparece um novo. Vamos ter que nos adaptar a essas novas exigências que tudo isso está trazendo. Vamos viver eternamente com esse espectro de que vai vir um novo vírus. Vamos ter que nos acostumar a viver com isso.

Isso é muito ruim do ponto de vista de quem nunca viu uma coisa dessa ordem, mas daqui para a frente poderá ser uma coisa natural. Acredito que todas as pessoas e atividades econômicas, entre elas o transporte público, terão que se adaptar aos novos tempos que virão.

O que vai mudar no transporte coletivo após essa pandemia?

As taxas de ocupação dos ônibus devem ser reduzidas drasticamente, até por recusa do usuário de entrar em um ônibus lotado. Com toda certeza isso obrigará as autoridades públicas que controlam, regulam e são responsáveis pelo serviço público de transporte.

Enquanto ele for um serviço público, o poder público deverá organizá-la. A iniciativa privada pode ajudar a reduzir esse tempo de adaptação, incorporando algumas funções que hoje são exclusivas do poder público.

A iniciativa privada poderá a tomar para si algumas responsabilidades do poder público. A questão da infraestrutura de transporte, que hoje a gente espera que o prefeito faça corredor de BRT, faixa seletiva, política específica para mobilidade urbana.

Eventualmente, a iniciativa privada poderá ter interesse em operar e fazer investimentos em infraestrutura, para agilizar a retomada em outras condições e outro patamar, tornando-o melhor. Esses recursos podem ser aplicados com respostas mais rápidas de adaptação a essa realidade.

Assim, se houver novas bases de sustentabilidade desse serviço, empresas podem ser atraídas para esse tipo de investimento, mas do jeito que está não há interesse das empresas em continuar operando um serviço em que não se sabe se haverá retorno financeiro.

Em uma situação futura, acho que o setor empresarial, privado, responde muito rapidamente a essas coisas. Se houver efetivamente interesse de fazer uma nova proposta de restruturação do serviço, as empresas vão poder corresponder a isso.

Algumas medidas, como maior higienização dos ônibus, são coisas pontuais e importantes, mas essas poderão ser tomadas dentro da estrutura que já está aqui. Nada impede de que esses hábitos mudem.

A questão da limpeza certamente vai ser incorporada rapidamente e isso já está sendo feito pelas empresas, assim como o uso de máscara e ventilação dos veículos.

A taxa de ocupação será alterada, vamos andar com uma ocupação mais republicana, digamos assim. Mas para isso acontecer, as regras de organização desse serviço têm que ser mudadas.

Que mudanças a menor taxa de ocupação pode trazer para o setor?

Hoje, são seis passageiros por metro quadrado por determinação do poder público. Se ele colocar uma taxa de ocupação muito baixa, a tarifa fica muito alta e o passageiro não consegue pagar.

A taxa de ocupação que vai ser reduzida vai implicar em aumento de custo do serviço, mais ônibus para menor ocupação interna. Essa adaptação vai exigir outra estruturação dessa atividade.

A tarifa vai aumentar porque se pega o custo do ônibus, do serviço, da garagem, soma tudo e divide pelo número de pessoas transportadas. Quando se tem menos gente andando dentro do ônibus e o custo fica mantido, a tarifa aumenta.

O que poderia evitar o aumento na tarifa?

Uma parte tem que ser a tarifa e o outro complemento pago por uma fonte extra tarifária, como subsídio, criação de uma fonte pelo poder público, imposto pela gasolina que o transporte individual pode pagar para manter a qualidade do coletivo, cobrança de pedágio, taxas sobre estacionamentos.

São várias soluções que países desenvolvidos fazem hoje que permitem que a tarifa caiba no bolso do usuário e ter um serviço de altíssima qualidade porque a outra parte do custo está sendo paga pelo governo. Se deixar do jeito que está em que só a tarifa financia o serviço de transporte, quando se reduz a ocupação do ônibus a tarifa sobe na proporção direta.

Atendimento sob demanda pode ser uma solução para a crise causada pela pandemia de Covid-19? De que maneira?

O transporte sob demanda pode ser uma solução. Estamos na era da inovação e tecnologia, vamos colocar as ferramentas à disposição da melhoria da mobilidade urbana.

São soluções novas e diferentes, utilizando-se da tecnologia e inovação para ofertar serviços diferenciados. Mas para acontecer isso vai ser preciso haver flexibilização na legislação.

Se não houver flexibilização, o poder público normalmente demora muito na tomada de decisões. Muita coisa não avançou na oferta de transporte público porque ele é controlado e gerido pelo poder público, que tem que ter cuidado.

No caso dos novos serviços, se tem níveis de renda na sociedade. A pessoa que anda de automóvel dá preferência a ele porque de fato é bastante confortável utilizar o carro, porque ele sai a hora que quer de casa, calcula o tempo para chegar ao trabalho, mas se pode ter um transporte público de excelente qualidade que atraia esse usuário de automóvel, que pode passar a usar o transporte público, desde que seja de boa qualidade ou tenha várias alternativas que ele possa utilizar.

Precisaria ser flexibilizada a legislação para que as empresas pudessem oferecer esse serviço dentro da rede pública de transporte.

Essa proteção precisa existir, porque imagino uma rede pública de boa qualidade, com preço justo para a população poder pagar e o serviço básico ser acessível à pessoa que não tem outra alternativa a não ser essa.

Mas para retirar os veículos da rua, o serviço sob demanda vem nessa direção, ofertar comodidade para quem utiliza o transporte individual de viajar em um veículo sentado, com ar-condicionado, que passe muito perto da residência dele e o deixe perto do trabalho, mas esse serviço vai custar mais caro e integra a rede pública de transporte.

Assim, para diferentes níveis de renda podem ser ofertados diferentes tipos de serviço de transporte coletivo. Nenhuma cidade resolveu problema de mobilidade urbana via transporte individual, a solução é o transporte coletivo.

Esses novos serviços ofertados, como Goiânia, Fortaleza, Campinas, que já introduziram esse serviço sob demanda, coletivo, são alternativas que podem ajudar a qualidade do serviço e ajudar a sustentabilidade da rede pública e o serviço essencial ser mantido por essas rendas que estejam à margem do serviço de transporte mas pertençam a eles.

São serviços que custam mais caro, mas com gente que pode pagar por isso. Esse é um dos caminhos e uma boa alternativa para melhorar a qualidade do transporte e dar opção para quem busca maior conforto.

Como é possível melhorar a qualidade do transporte coletivo no país?

Em um documento chamado Construindo Hoje o Novo Amanhã, a gente está indicando caminhos para um transporte público de qualidade.

Há também um compromisso e responsabilidade grande de quem vai operar. Melhorar a qualidade do serviço, de colaborar para que esse serviço seja prestado de excelente qualidade, com profissionais bem treinados, veículos de maior qualidade.

O transporte coletivo é um serviço público, é o que o coloca diferente de qualquer atividade econômica. Portanto, é de competência do poder público.

No Brasil, mais de 90% desse serviço é feito pela iniciativa privada, é concedido à iniciativa privada. O serviço continua sendo público, portanto, é ele que define a regra de um certame, ele que define a oferta de veículo, a frequência desse serviço e o preço.

Isso continuará sendo de competência do poder público. Ele poderá ser flexibilizado, por exemplo, permitir que a iniciativa privada faça a sugestão de como a rede de transporte deva funcionar e o poder público examina aquela sugestão e incorpora ou não dentro da visão pública.

O serviço é para atender às necessidades de deslocamento da população. O transporte público tem que ser disponibilizado para todas as áreas da cidade, é um serviço universal. Quem define isso é o poder público.

Se fosse deixar para a iniciativa privada operar transporte, o que acontece é que só vão ofertar serviço onde tiver demanda, então só serão operadas linhas boas.

Por isso que o serviço, quando é pensado ser universal, tem que ser ofertado onde tem demanda e onde não tem. Mas onde há pouca demanda, ele é socialmente necessário. Por isso que a rede é equilibrada: um serviço é superavitário, outro serviço é deficitário e ambos se equilibram.

A universalidade é uma das características do transporte público, isso não cabe na iniciativa privada. Outra questão é a continuidade, ele não pode ser paralisado, é contra a lei se a empresa não quiser operar um dia. O serviço tem que ser contínuo, tem que existir todo dia. É obrigação ter uma oferta já definida e ela tem que acontecer dia útil e fim de semana.

A terceira característica é o preço ter que caber no bolso das pessoas. Deixar para a iniciativa privada fazer isso é impossível acontecer, porque serviço de boa qualidade custa muito caro, por isso tem que ser controlado pelo poder público.

Como se fazer um serviço com preço módico ser de boa qualidade? Aí entra a política tarifária. É preciso a presença do estado para garantir que o transporte coletivo chegue em todos os lugares.

É viável criar um serviço exclusivo para atender apenas profissionais de serviços essenciais nesta pandemia?

A gente tem algumas cidades com serviços especiais para pessoas com deficiência. Outras cidades têm serviços de vans adaptadas onde o passageiro liga para uma central que pode ser. Serviço de ter atendimento exclusivo é possível sim.

Encaminhamos um projeto ao governo em que o poder público poderia adquirir créditos eletrônicos e distribuir para pessoas cadastradas nos programas de assistência cadastrados nos programas do governo.

Para todas essas pessoas, o governo poderia comprar créditos eletrônicos e a gente emitiria esses cartões. Em cada cidade emitir o cartão já com crédito e distribuir para o cadastrado.

Neste caso, esse crédito poderia ser direcionado a profissionais de saúde, por exemplo, e a gente criar um serviço especial para eles, ou para pessoas da área de segurança, por exemplo.

O setor responderia rapidamente a esse tipo de alternativa, que facilitaria e teria uma ocupação menor para evitar que haja contaminação. É perfeitamente possível de ser feita. Infelizmente, a solução que demos ao governo não prosperou, mas não desisti dela.

Para ler a proposta na íntegra, acesse: Programa Transporte Social.