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Quando a economia brasileira deu sinais de recessão, a indústria de manufaturados já pedia socorro há mais de uma década. A contribuição do setor para o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu nos últimos quinze anos, de 15,1% em 2000 para 9% em 2015.
A supervalorização do real em relação ao dólar durante o boom das commodities causou um aumento no consumo de produtos importados, desestabilizando a balança comercial. Os custos de produção, que já eram altos ficaram ainda maiores. Os produtos brasileiros perderam competitividade e os especialistas começaram a falar em desindustrialização.
Com a crise econômica e a situação internacional desfavorável, houve desvalorização significativa do real, o que deu à indústria algum espaço para respirar. Mas o cenário negativo afetou os investimentos e causou uma queda na demanda por produtos industrializados. A crise política tornou mais grave a situação, gerando incerteza sobre a capacidade das lideranças de colocar a economia nos eixos. “A indústria, já abatida, teve que se adaptar da pior forma possível: cortou gastos e demitiu funcionários”, diz Luiz Fernando Furlan, ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio no governo Lula.
A taxa de desemprego atingiu 10,9% no primeiro trimestre deste ano, um aumento de 3% em relação ao mesmo período do ano passado. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, a indústria manufatureira demitiu mais de 600 mil pessoas em 2015. Em segundo ficou o setor da construção (416 mil demissões), seguido pelo setor de serviços (276 mil demissões).
Em fevereiro, a produção industrial caiu 9,8% em relação ao mesmo período do ano passado, a 23ª queda consecutiva. O diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes, diz que a maioria dos setores industriais foram afetados pela crise, com destaque para os setores de veículos, bens de capital, computadores e produtos eletrônicos. A indústria de máquinas e equipamentos, parte fundamental do setor de bens de capital, opera com apenas 65% da capacidade, o menor nível desde 1999.
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Em 2015, 16,6% mais empresas foram à falência no Brasil em comparação ao ano anterior, incluindo a indústria, o comércio e o setor de serviços. Este é o maior aumento desde 2005, quando mudanças foram introduzidas na Lei de Falências. A previsão para este ano é ainda pior: pesquisadores do Serasa Experian calculam que cerca de 1,8 mil firmas fecharão as portas este ano, um aumento de 39% em relação ao ano passado.
Dados da CNI mostram que a confiança do empresariado caiu para 36,2 em abril, bem abaixo da média histórica de 54,4 pontos. Para Fernandes, enquanto não houver clareza sobre as políticas econômicas a serem adotadas pelo governo, a situação não vai melhorar.
Furlan enfatiza que problemas históricos têm atrapalhado o crescimento da economia brasileira e não são segredo para ninguém. “São questões debatidas há décadas”, diz. A redução da burocracia no ambiente de negócios e a reforma do sistema tributário estão entre as prioridades na agenda do setor produtivo, que todos os anos encaminha para o Congresso Nacional um documento com as pautas importantes para o desenvolvimento do país.
Na última edição do relatório global Doing Business, publicado pelo Banco Mundial, o Brasil aparece na posição 116 de 183 países analisados, o que significa que está entre os piores do mundo para se fazer negócios. Abrir uma empresa no Brasil requer 11 procedimentos diferentes e pode levar até três meses. De acordo com o relatório, companhias gastam em média 2.600 horas por ano – 10 horas por dia útil – preenchendo formulários, preparando papéis e pagando impostos, que podem chegar a mais de 69% dos lucros.
Outra grande barreira para a competitividade dos produtos brasileiros é a infraestrutura. “Se produz grãos em Mato Grosso, você perde de 30% a 40% do que ganharia apenas para levar a mercadoria ao porto”, diz Furlan. Mais de 60% da produção de grãos no Brasil são transportadas por caminhões e as más condições das rodovias contribuem para encarecer o frete.
Furlan observa que a desvalorização do real em relação ao dólar ajuda a reduzir o impacto dos altos custos de produção e é fundamental para garantir a recuperação da economia. “Muitas multinacionais que deixaram o Brasil estão voltando a olhar para o país como uma possível base exportadora na América Latina”, observa. Embora a exportação de produtos manufaturados ainda não tenha apresentado melhora significativa, ele acredita que uma reação da indústria deve acontecer até o fim do ano.
Furlan acrescenta que, para a economia funcionar, é importante restaurar o diálogo entre o governo e o empresariado que, segundo ele, foi perdido durante o governo de Dilma Rousseff. “Alguns instrumentos que estavam disponíveis há anos, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, foram deixados de lado neste período e não havia muita vontade do governo de interagir com o setor produtivo.”
Para o ex-diretor do Banco Mundial e professor adjunto da Fundação Dom Cabral, Carlos Primo Braga, a economia deve reagir positivamente assim que o país retomar a estabilidade política. Mas se o Brasil quiser alcançar um crescimento sustentado, diz ele, terá que promover as reformas adiadas há décadas. “Temos que qualificar a nossa mão de obra para as necessidades de uma economia moderna. Criar incentivos para que as indústrias possam investir em pesquisa e desenvolvimento e precisamos de um ambiente de negócios que valorize a competitividade, com menos burocracia, menos custos e melhor condições de infraestrutura.”
Criatividade para superar a crise
Em tempos de recessão e desemprego, os brasileiros perderam a confiança na economia e pararam de gastar dinheiro. Depois de anos em alta, o consumo das famílias foi atingido pela crise e caiu 4% em 2015, afetando os negócios em todo o país, de grandes indústrias a pequenos empreendimentos. A fisioterapeuta Caroline Oliveira, 37 anos, viu o número de clientes diminuir em 30% nos últimos 12 meses. “Muitos dos meus clientes desistiram dos tratamentos porque o custo de vida subiu muito”, diz.
Para conseguir pagar as contas, a fisioterapeuta decidiu diversificar: quando não está atendendo, faz caixas e outros produtos de artesanato para aniversários, casamentos e ocasiões especiais. Embora a demanda para estes produtos também seja pequena, ela conta que dá para fazer um dinheiro extra que ajuda a equilibrar o orçamento no fim do mês.
Assim como Caroline, milhares de brasileiros estão usando a criatividade para lutar contra a crise. De acordo com pesquisadores do Serasa Experian, muitas pessoas que perderam o emprego por causa da recessão estão se tornando pequenos empreendedores. Quase 2 milhões de novas empresas foram abertas no Brasil no ano passado, 5,3% a mais que em 2014. Cerca de 76% delas são constituídas por microempreendedores individuais. São profissionais como manicure, cabeleireiro, mecânico ou costureiro que formalizaram seus negócios por meio de um esquema que oferece menos burocracia e impostos reduzidos.
Há também o empreendedor que vê na crise uma oportunidade. É o caso de Marcelo Ciampolini, que não teve medo de lançar, em julho, a plataforma de empréstimos pessoais Lendico no Brasil. “Quando as pessoas estão endividadas a tendência é que busquem um empréstimo para pagá-las. A gente veio para oferecer uma alternativa melhor para essas pessoas e a demanda não para de crescer”, diz.
A plataforma oferece empréstimos online a taxas de juros que podem chegar a menos da metade das cobradas pelos bancos brasileiros. Em menos de um ano de funcionamento, a Lendico recebeu pedidos totalizando R$ 1,8 bilhão, mas aprovou apenas R$ 10 milhões em empréstimos. “Somos muito restritivos na aprovação dos pedidos”, diz Ciampolini.
O diretor da Lendico no Brasil está otimista com o futuro da companhia, que tem apresentado taxas de crescimento mensais de dois dígitos. “A ideia agora é estabilizar o negócio e a partir da metade do ano que vem começar um processo de expansão, plugando novos parceiros.”
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