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Folha - O sr. acha que essa inclinação dos republicanos à "esquerda" no tema mudança climática foi uma conseqüência acidental da administração Bush?
Gore - Bem, se aconteceu, certamente foi acidental! (Risos) Em política sempre há um pêndulo balançando da esquerda para a direita, e sempre que as pessoas percebem que o pêndulo foi longe demais para a direita elas o puxam de volta. E eu acho que muitos republicanos estão sentindo esse puxão agora. E, daqui a três semanas, os democratas provavelmente retomarão o controle da Câmara de Representantes.
Folha - Em 1998, a administração Clinton-Gore assinou o acordo de Kyoto, mas nunca conseguiu fazer o Senado ratificá-lo. O que nos leva a crer que, caso o sr. tivesse ganho a Casa Branca em 2000, os EUA teriam ratificado Kyoto?
Gore - Eu gosto de pensar que, ao eleger o tema a prioridade máxima, eu teria persuadido o Senado a ratificar. Mas a verdade é que teria sido difícil para mim ou para qualquer presidente, numa época em que a imprensa ainda dizia em metade de suas reportagens que o problema poderia nem ser real.
Folha - A ministra Marina Silva apresentou hoje ao sr. a proposta brasileira de um fundo voluntário para combater as emissões do desmatamento tropical. O sr. apóia a proposta? Haveria dinheiro para um fundo desses?
Gore - Acho que a proposta é muito imaginativa e interessante. Prometi a ela que iria estudá-la com cuidado e dar a ela uma resposta sobre se a proposta conseguiria ou não apoio suficiente nos países industrializados. Vou estudá-la. Eu acho que há um desejo crescente de países e corporações para adotar medidas significativas, incluindo o apoio a medidas para reduzir desmatamento.
Folha - Os países pobres, como o Brasil e a China, devem adotar metas obrigatórias de redução de emissões?
Gore - Desde o fim da 2ª Guerra, todo tratado global tem a mesma arquitetura: os países ricos vão primeiro, demonstram seu compromisso e abrem o caminho. Num segundo estágio, os países em desenvolvimento se juntam e aceitam obrigações. Hoje estamos ainda na primeira fase, portanto acho prematuro alguém nos EUA dizer que os países em desenvolvimento deveriam aceitar metas e obrigações.
Folha - O sr. escreveu uma vez numa introdução a "Silent Spring", de Rachel Carson [livro de 1962 que levou ao banimento do DDT e outros pesticidas nos EUA], que aquele era um dos raros livros que mudaram a sociedade. O sr. tinha esse objetivo na cabeça quando produziu "Uma Verdade Inconveniente"?
Gore - Não era um objetivo no sentido abstrato. Eu venho tentando comunicar essa mensagem há 30 anos, e minha ambição era cumprir essa meta. Não quero que as pessoas coloquem o livro e o filme num pedestal por eles mesmos, mas porque eu tentei várias vezes comunicar essa mensagem, e se eu conseguir quebrar a barreira, é isso o que importa.
Folha - Por que foi preciso um político para comunicar uma mensagem que os ambientalistas tentam comunicar há mais de duas décadas? O ambientalismo falhou aqui?
Gore - Não. Acho que eles tinham um papel diferente. Não poderia se esperar de nenhum dos ambientalistas comunicar esse assunto num nível global. Mesmo assim, alguns deles o fizeram, e com eficácia. Muito do material que eu incluí no filme foi desenvolvido por grupos ambientalistas.
Folha - É mais fácil em 2006 espalhar a mensagem através da resistência de empresas e do Congresso dos EUA do que era na década de 1960?
Gore - Rachel Carson enfrentou uma oposição e uma resistência enormes. Em alguns aspectos, ela teve muito mais dificuldades que nós, que temos acesso a todo tipo de meio de comunicação. Acho que não estamos nem perto de onde precisamos estar, mas se tive algum sucesso, eu o atribuo ao fato de que tenho um aliado poderoso: a realidade.
Folha - O sr. já foi chamado para testemunhar perante o Senado Americano, como fez o escritor Michael Crichton [cujo romance "Estado de Medo" nega o aquecimento global]?
Gore - Não. Fui convidado a testemunhar perante a Câmara dos Representantes há seis meses, mas não pude ir. Michael Crichton... (pausa) O conselheiro de Bush. A única coisa que é preciso saber sobre Michael é que ele é um escritor de ficção científica. Seu último livro é sobre conferencistas homicidas. Assunto até agora não-reconhecido como uma crise.
Folha - O sr. fala que é neutro em carbono. Sua família vendeu as ações que tinha da empresa de petróleo Occidental?
Gore - Eu nunca tive ações da Occodental Petroleum. Meu pai tinha, porque ele foi diretor da empresa depois de deixar a política. Quando ele morreu, pedi ao executor de seu inventário que vendesse as ações. Isso aconteceu há seis anos.
Folha - As empresas de petróleo pregam hoje o fim da dependência do óleo e o investimento em energias alternativas --mas, na prática, ainda se travam guerras pelo óleo do Oriente Médio. O que é preciso para acelerar essa transição?
Gore - A Idade da Pedra não acabou por falta de pedras. E a Era do Petróleo não vai acabar por falta de petróleo. Acabará quando nós decidimos mudar para algo melhor, mais eficiente, mais lucrativo, mais limpo e mais sustentável. E isso é conservação de energia, energia solar, eólica, de ondas e tudo o que está sendo desenvolvido. A escolha não é deles, é nossa. E os EUA deveriam seguir o exemplo do Brasil e desenvolver o etanol.
Folha - Não estamos empurrando rápido demais o andor do etanol? Ele produziu um desastre ambiental na mata atlântica...
Gore - A mata atlântica foi destruída muito antes do programa do álcool. Mas é verdade que houve conseqüências ambientais, como é verdade também que novas pesquisas apontam uma promessa do etanol de celulose, que não tem o mesmo impacto. De qualquer forma, a principal crise que devemos administrar é a climática. Substituir os combustíveis fósseis deve ser a prioridade máxima da civilização.
Folha - Como o sr. vê a cena eleitoral de 2008 nos EUA. Quem será o candidato liberal? Schwarzenegger?
Gore - (risos) É cedo para dizer. Tenho certeza de que muitos americanos gostariam que ele não fosse inelegível [por ser nascido na Áustria], mas uma das razões para sua popularidade cada vez maior é que ele, mesmo sendo republicano, está atacando o aquecimento global. Isso me dá esperança de que outros republicanos farão o mesmo.
Folha - O sr. tem conversado com Schwarzenegger sobre o assunto?
Gore - Sim. Arnold viu meu filme em junho, e disse: (Gore imita o sotaque do governador) "Acho que vou me livrar do meu Hummer" [picape]. Depois, numa noite de autógrafos, ele comentou o impacto que o filme tivera sobre ele e sobre as mudanças que ele começou a fazer na Califórnia. Fico grato, porque algumas vezes a Califórnia sinaliza uma mudança na esfera dos Estados à qual o governo federal não consegue resistir.
Folha - E ele vendeu o Hummer?
Gore - Acho que sim!
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