por Roberta Volpato Hanoff    |   07/10/2016

A recuperação judicial é um rápido caminho à falência da empresa?

Com o advento da Lei n º 11.101/2005, conhecida como “Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial”, esta pergunta reverbera dentre os empresários dos mais variados segmentos – principalmente nos dias de hoje, em que a conjuntura econômica-financeira é de crise profunda.

Muitos se questionam acerca dos principais sintomas da necessidade de buscar a Recuperação Judicial e do momento certo de fazê-lo. Outros, ainda, buscam compreender a diferença entre o instituto falimentar e o da Recuperação, temendo que a opção pelo requerimento da intervenção do Estado Juiz nas relações da empresa com os credores possa acabar provocando a quebra, ao invés do tão esperado soerguimento do negócio.

Esse receio, aliás, é bastante compreensível se levados em conta os mais recentes dados da Serasa Experian: Os pedidos de recuperação judicial aumentaram 87,6% de janeiro a junho deste ano, ante igual intervalo de 2015, e atingiram o nível recorde de 923 ocorrências. Considerando apenas o mês de junho, houve alta de 60% na comparação anual, para 168 pedidos. Aí, acresça-se o dado assustador de que, desde a entrada em vigor da nova lei, pouquíssimas empresas efetivamente conseguiram se recuperar (menos de 10%), tendo, a maioria, falido.

Os precedentes, divulgados com certa periodicidade na imprensa nacional, parecem acenar mais riscos que vantagens. Em razão disto, não surpreende que muitas das empresas em crise, malgrado disponham de grande potencial de mercado para se manterem competitivas em seus respectivos setores, sintam-se desencorajadas a requererem a Recuperação Judicial.

O que nenhum dos veículos de comunicação em massa explica e que, se adequadamente explicado, impactaria sobremaneira nas decisões estratégicas dos gestores e assessores jurídicos, modificando, inclusive, a triste estatística formada – é que a Recuperação Judicial só é bem sucedida se a atividade empresarial é viável.


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Antes de qualquer coisa, é importante lembrar que as crises se originam dos mais variados fatores: problemas financeiros, dificuldades comerciais, conflitos pessoais ou de gestão. Além de diferentes causas, as crises possuem complexidades distintas, a depender do nível da dificuldade a ser superada para que o negócio reconquiste seus habituais êxitos.

Para situações de crises temporárias ou pontuais, consideradas mais simples de debelar, basta às empresas que se utilizem de prerrogativas legais, ou, das chamadas soluções de livre mercado – como, por exemplo, alterações societárias, trespasses, alienações de filiais, redução do quadro funcional, busca de recursos externos (provenientes de investidores ou de empréstimos bancários), etc.

Há, no entanto, crises para as quais as soluções legais ou de livre mercado já não se mostram suficientes.

É quando o empresário, mesmo depois de testadas algumas parcerias, operações bancárias, negociações (individuais ou em rodadas coletivas) e programas de parcelamento, se depara com um negócio desprovido do fôlego necessário à continuidade: contas a pagar em atraso contínuo e crescente; débitos tributários em estágio avançado de cobrança; contas a receber em descompasso com o fluxo de caixa; inadimplência de um ou mais clientes importantes; desordem operacional e/ou administrativa; alta imobilização com baixíssima liquidez; graves problemas de moral, ânimo interno e dedicação da equipe; ausência de liderança; conflito familiar grave, afetando a direção e os rumos da empresa; dentre outros.

Justamente neste contexto jaz a diferença entre uma empresa passível de ser recuperada e uma empresa a falir.

Se, a despeito das dificuldades, a atividade é viável e representa função socialmente relevante, a Recuperação Judicial se encarregará de reinseri-la no mercado e devolver-lhe o fôlego, em benefício da economia no âmbito municipal, estadual e federal.

Porém, se constatada a inviabilidade da empresa, a quebra deverá ser o seu destino, para que, também em prol da utilidade pública, todos os recursos a ela aplicados (mão de obra, insumos, tecnologia e inteligência estratégica) sejam redirecionados a novos negócios, cuja produtividade mostre-se mais auspiciosa.

Viabilidade, portanto, é a palavra de ordem. Para diagnosticá-la, não basta um olhar apaixonado do negócio por seus “donos”, que ainda o enxergam como aquela idéia promissora dos tempos de constituição da sociedade e definição de seu objeto.

A análise de viabilidade, principalmente em períodos de crise, deve ser feita de maneira objetiva, conduzida por consultores especialistas.

O negócio deve ser criteriosamente avaliado, a fim de ponderar se ainda existem soluções de livre mercado pendentes de serem experimentadas. Após, é preciso apurar se os produtos ou serviços oferecidos ainda despertam o interesse do público alvo; se são capazes de garantir a rentabilidade necessária ao cumprimento dos contratos mantidos com fornecedores e parceiros; e, finalmente, se os resultados fomentam a economia local, gerando e mantendo empregos e assegurando o recolhimento de tributos.

E mais: nunca se deve esperar que a empresa esteja demasiadamente endividada para, aí, cogitar-se a busca de uma assessoria, seja ela administrativa ou jurídica.

Infelizmente, a maciça maioria das empresas que já ingressaram com pedidos de Recuperação Judicial, ou estão em vias de protocolizá-los, cometeram o erro de acreditar que, ao invés de reconhecerem a autofalência, caberia apostar no tênue  feixe de luz ao fim do túnel.

Num estágio avançado de crise, é absolutamente inviável o resgate do negócio através da Recuperação Judicial, e esta é a verdade que já passou da hora de ser dita.

A insistência no pedido de Recuperação, sem um prévio parecer elaborado de maneira interdisciplinar – ou isto é, com a comunhão de conhecimentos contábeis, administrativos e jurídicos – , dificultará a prova da viabilidade da empresa.

Por sua vez, os credores e o Estado Juiz, igualmente interessados no fim útil do processo, não estarão suficientemente convencidos da eficácia do Plano de Recuperação Judicial proposto. Para esta hipótese, a Lei nº 11.101/2005 orienta a que a falência seja decretada, frustrando as expectativas de quem ainda acreditava na perpetuidade do negócio e, também, as de todos os que aguardavam ansiosos o recebimento de seus créditos.

A Recuperação Judicial, portanto, não foi concebida para acelerar a Falência de uma empresa.

As estatísticas negativas refletem tão somente os insucessos daqueles que mal empregaram o instituto, ou, daqueles que decidiram se valer dele tarde demais.

Conquanto seja escolhida a assessoria correta e elaborado um Plano de Recuperação minucioso, consistente e factível, muitos negócios hão de superar situações de crise econômico-financeira, mantendo a fonte produtora, os empregos dos trabalhadores e preservando os interesses e as relações com os credores, além da credibilidade junto aos órgãos fazendários.

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.

Roberta Volpato Hanoff

Perfil do autor

A autora é advogada integrante do "Studio Estratégia - Advocacia e Governança Corporativa", especialista em Direito Empresarial com ênfase em Falência, Recuperação Judicial e Administração de Crises.

Studio Estratégia