Pressionadas por motivos ambientais e trabalhistas, as usinas sucroalcooleiras já conseguiram mecanizar 85% da colheita e 53% do plantio de cana da região Centro-Sul, responsável pela maior parte da produção brasileira de álcool e açúcar. O indicador é um alívio para dezenas de municípios que há até pouco anos sofriam com períodos anuais de queima da planta, que gera uma "neve negra" de cinzas prejudiciais à saúde, apesar das disputas pendentes na Justiça para a prorrogação dessa prática.
De acordo com dados do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o Mato Grosso do Sul detém a maior participação de máquinas na colheita de cana atualmente no país - 95% de tudo o que é colhido no Estado. Em Mato Grosso são 90%. Já Goiás, Minas Gerais e São Paulo apresentam 87% de mecanização.
Segundo representantes do setor, o Centro-Oeste lidera esse processo devido ao fato de a cultura da cana ser mais recente na região. "As usinas de lá foram planejadas para a mecanização. É natural que nascessem seguindo novas regras", diz Sérgio Prado, da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
Fernando Brod, pesquisador do CTC, estima que já foram investidos cerca de R$ 14 bilhões para a aquisição das "frentes de colheita" - o conjunto de máquinas que envolve desde colhedoras até tratores, transbordos e caminhões.
Brod afirma que uma usina de médio porte necessita de quatro a cinco dessas frentes. A dificuldade, no entanto, está nos produtores menores, menos capitalizados. "A compra de uma colhedora, por exemplo, chega a R$ 800 mil", diz.
Uma solução que vem sendo aplicada no Estado de São Paulo é a utilização desses equipamentos em sistema de cooperativa, onde o custo é rateado pelos produtores.
Em São Paulo, o uso das máquinas na colheita ganhou ímpeto com a assinatura de um protocolo agroambiental dos produtores com as autoridades ambientais em 2007. O documento determina que a queima é permitida em áreas mecanizáveis até 2014 e nas áreas não mecanizáveis (com alto declive) até 2017. Uma medida similar foi adotada também por Minas Gerais.
"As usinas tiveram de partir para a mecanização por pressão da sociedade, mesmo sem ter todas as conveniências. Houve um período de aprendizado para reduzir as perdas", diz Luiz Carlos Correa Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
Como toda transição, a passagem do corte humano para a máquina trouxe novidades e revezes às lavouras. No início, a mudança mais sentida foi uma perda de produtividade de 1% porque as facas das colhedoras deixavam para trás "tocos" de cana na terra - justamente a parte onde há a maior concentração de açúcar na planta. Somando isso a outras características internas das máquinas, a produtividade poderia ser reduzida em até 9% do total de cana colhida.
Isso acontecia sobretudo pela falta de nivelamento dos terrenos, que não eram preparados corretamente para entrada das máquinas. O problema foi resolvido com o desenvolvimento pela CTC - e a adoção pela indústria de máquinas - de um corte de base flutuante, pelo qual um circuito regula automaticamente o corte, acompanhando os desníveis dos terrenos.
Depois veio a proliferação de cigarrinhas e brocas. O desequilíbrio surgiu porque a palha da cana, antes queimada, passou a ficar no solo. Para especialistas, o ideal seria que até 30% permanecesse no campo como forma de manter a umidade do solo, e o resto fosse redirecionado à cogeração. Mas os preços pouco atraentes da geração de energia a partir de biomassa desencorajou os produtores de cana a entrar em um novo negócio.
De tudo isso, no entanto, a questão que mais preocupa ainda é o destino dos cortadores de cana. Cada máquina na colheita substituiu 60 homens. Sem detalhar os números, a Unica diz que parte deles voltou para a cidade natal, parte foi treinada para funções diferentes - na usina ou fora dela. Mas a maioria ficou sem o emprego.
Por Bettina Barros/ Valor Econômico