Hyundai enfrenta as "donas" do carro popular

O engenheiro mecânico Seong Bae Kim tem motivos para entusiasmar-se com o futebol. Primeiro, porque seu time, o Jeonbuk, é líder isolado no campeonato coreano. Há dois meses, Kim assumiu a presidência da Hyundai no Brasil. A montadora é patrocinadora da Fifa e espera ganhar projeção no mercado de fanáticos por futebol não só por conta da Copa de 2014. Antes disso, em novembro de 2012, começará a vender, só no Brasil, um carro projetado por coreanos especialmente para brasileiros. Se bem-sucedida, a ação marcará o primeiro grande enfrentamento às empresas que dominam o mercado de carros populares com um novo concorrente.

A construção da Hyundai segue ritmo mais acelerado do que as obras nos estádios que vão hospedar a Copa do Mundo. O empreendimento, que surge em meio de um canavial à beira da rodovia Luiz de Queiroz, em Piracicaba (SP), impressiona. É bem maior do que instalações de outras montadoras que começaram a produzir no Brasil nos últimos anos. Sinaliza o tamanho da ambição do grupo coreano no país.

Em escritório improvisado no canteiro de obras, Seong Bae Kim explica que 80% da construção civil está concluída. Em breve, começarão a chegar as máquinas, diz. Dentro do complexo, de 69 mil metros quadrados de área construída em terreno de 1,390 milhão de metros quadrados, prédios que tipicamente formam uma fábrica de automóveis completa (estamparia, solda, pintura e montagem) são interligados por enormes pontes, por onde os componentes serão deslocados sobre esteiras.

O elo serve também para unir a linha de produção dos veículos com a de fornecedores, como a Hysco, uma empresa do grupo Hyundai, que se ocupará do corte da chapa de aço.

No início do aprendizado da língua portuguesa, o executivo de 56 anos de idade que vai comandar essa operação conversa com recato, numa característica típica do povo asiático. Essa é a primeira vez que ele fala a um jornal brasileiro. Kim solicitou algumas perguntas com antecedência para preparar-se. Ao mesmo tempo em que demonstra cautela nas respostas a novas questões, ele não esconde o entusiasmo com o desafio que tem em mãos e que representa uma peça-chave da estratégia do grupo coreano, quinto maior fabricante de veículos, para crescer no cenário global.

"Se considerarmos quantos países no mundo têm, simultaneamente, uma área maior do que 3 milhões de quilômetros quadrados, uma população de mais de 100 milhões de pessoas e um Produto Interno Bruto superior a US$ 500 bilhões, você obterá apenas cinco países: Estados Unidos, Rússia, China, Índia e Brasil", explica Samuel.

"Samuel"? É costume coreano adotar nomes locais. Kim escolheu esse depois de consultar os amigos que já fez no Brasil. Ele explica detalhes de manufatura, como a decisão, tomada antes de o governo brasileiro elevar o IPI para carros importados, de construir o projeto que consumirá US$ 600 milhões, com base num elevado grau de nacionalização. Nove empresas coreanas estão construindo em Piracicaba especialmente para atender à Hyundai, incluindo a Glovis, de logística. Segundo Kim, o aço, principal matéria-prima, será comprado no Brasil e também importado da Hyundai Steel, do próprio grupo.

A exportação dos carros, porém, ficará fora dos planos da montadora pelo menos nos próximos cinco anos. Nem mesmo para os vizinhos, como Argentina. Segundo Kim, o grupo considera o mercado brasileiro suficiente para sustentar os planos da empresa, que espera ver a participação no Brasil aumentar dos atuais 3% para 10% a partir da produção de um único modelo de veículo.

O maior diferencial da estratégia da Hyundai em relação a outros que se instalaram no Brasil foi criar um carro para brasileiros sem basear-se em modelos já concebidos. O carro "brasileiro" que os coreanos desenharam surgiu com muita pesquisa e "clínicas" (nome dos testes com o público). Kim explica que as pesquisas revelaram o desejo do brasileiro por algo novo.

Isso é também novidade na companhia, que investe em regiões, como a China, onde as vendas da marca - de 553 mil veículos de janeiro a setembro - superaram a própria Coreia, com 510 mil. A fábrica da Índia, por exemplo, começou a produzir um carro baseado em modelo coreano.

O veículo de Piracicaba também será o primeiro com motor flex da marca. Terá opção de motor 1.0 e 1.6 e vai custar entre R$ 30 mil e R$ 40 mil. Não estará, portanto, no segmento dos mais baratos, mas vai abranger a maior parte das vendas de automóveis no Brasil, concentrada hoje nas versões menos simples de modelos como Fiesta, Corsa, Gol, Palio, Fox, Peugeot 207, C3 e Sandero.

Isso significa que a coreana atuará em metade do mercado de veículos leves, que de janeiro a outubro somou mais de 2 milhões de unidades. Um grupo de operários já seguiu para a Coreia para treinamento no protótipo do carro que está na matriz. Outro grupo seguirá em dezembro.

A primeira fase do projeto em Piracicaba - com capacidade anual de 150 mil veículos e 2 mil empregados na montadora e outros 3 mil nos fornecedores - colocará no mercado versões hatch, sedã e um utilitário esportivo. A etapa seguinte de investimentos é mantida em segredo.

"Precisamos antes saber se vamos vender o carro que já projetamos", diz Kim, com um sorriso que não esconde a quase certeza de que a sua criação vai incomodar principalmente Volkswagen, General Motors e Ford , empresas que, como a Hyundai - com 47% das vendas já fora da Coreia -, almejam estar entre os maiores fabricantes de veículos do mundo.

O grupo Hyundai, que fundou a divisão automóveis em 1967, ganhou força na última década, quando também adquiriu a Kia Motors, outra coreana, que no Brasil enfrenta uma disputa judicial por conta de dívida de impostos com a Receita Federal, deixada por uma antiga coligada, a Asia Motors. Os representantes da Hyundai não se pronunciam sobre esse problema.

Fazem questão, também, de deixar clara a diferença entre o projeto em Piracicaba, erguido com investimento coreano, e a fábrica da marca que já existe em Anápolis (GO). A operação em Goiás é resultado de investimento do grupo brasileiro CAOA, que monta veículos, como o utilitário Tucson, sob licença da matriz na Coreia.

Antes de encerrar, Kim - ou Samuel - quer saber do diretor de comunicação, Kyong Hwan Min - um dos 45 coreanos que se mudaram para Piracicaba - se ficou claro que o carro será totalmente novo e feito para o Brasil. Está mais do que claro. Resta saber se o marketing esportivo da Hyundai pode elevar as vendas em véspera de Copa. "O custo do patrocínio da Fifa é enorme e de longo prazo; mas vincular carro com futebol será um sucesso no Brasil", diz.


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