FEM desenvolve liga metálica automotiva mais resistente

Material é usado em componente que sustenta e permite rotação de eixos

Na indústria automotiva, os mancais são componentes que sustentam eixos e permitem sua rotação. Sua fabricação exige a utilização de matérias que garantam coeficiente de fricção (atrito) e desgaste cada vez mais baixos face ao uso intensivo dos veículos hoje, além de possuírem alta resistência mecânica para o enfrentamento de terrenos acidentados. Tradicionalmente, na fabricação dos mancais, se emprega a liga bronze/chumbo, em que o bronze, por sua vez, resulta da adequada mistura de zinco e cobre. Com a proibição da utilização de chumbo, principalmente em países da Europa, por causa de seu caráter tóxico, ele tem sido progressivamente substituído por estanho.

Com o intuito de desenvolver outras ligas metálicas que ofereçam possibilidades de fabricação de mancais que permitam fricção mais baixa e capazes de sustentar maiores pressões dinâmicas do que as oferecidas pelas ligas bronze-chumbo e bronze-estanho, Maria Adrina Paixão de Souza da Silva dedicou-se ao estudo de micro-estruturas de ligas de chumbo (Pb), bismuto (Bi) e índio (In) dispersas na matriz de alumínio (Al). O trabalho foi desenvolvido no Grupo de Pesquisa em Solidificação (GPS), orientado pelo professor Amauri Garcia, do Departamento de Engenharia de Materiais da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.

As ligas de Al com Bi, Pb e In apresentam aplicações promissoras em componentes automotivos que precisam oferecer resistência ao desgaste. A dispersão desses três elementos, que apresentam em comum baixa temperatura de fusão, diminui a dureza da liga, o que atenua o desgaste, e facilita o escoamento deles em condições de deslizamento, conferindo ao material caráter autolubrificante, do que resulta um comportamento tribológico favorável, assim denominado tecnicamente aquele referente ao desgaste.

O trabalho adotou a solidificação em regime transitório, que é aquela em que não se tem controle de nenhum parâmetro do processo de solidificação, tais como velocidade e taxas de resfriamento. Durante o processo utilizado, ocorrem várias formas de transmissão de calor, como a condução e a convecção, que de certa forma tornam o regime turbulento e por isso denominado de transitório ou transiente, porque não apresenta estabilidade na solidificação. Esse regime é o que mais se aproxima das condições industriais de produção de ligas metálicas.

O GPS desenvolveu um dispositivo para o estudo da solidificação de materiais em regime transitório. Como o dispositivo não considera nenhum parâmetro específico, é a própria água, o ar ou qualquer outro meio usado na refrigeração que possibilita o controle do processo enquanto um computador faz os registros necessários.

A pesquisa deteve-se nos sistemas monotéticos Al-Bi, Al-Pb e Al-In, assim chamados certos tipos específicos de ligas obtidas a partir de metais praticamente imiscíveis já no estado líquido. Nesse caso específico, durante a solidificação, primeiramente a matriz é solidificada, formando “bolsões” do outro metal ainda no estado líquido, que se solidifica posteriormente. Nas três ligas estudadas, primeiro ocorre a solidificação da matriz de alumínio e posteriormente a solidificação de bismuto, chumbo e índio nos bolsões.

E aí está o diferencial da liga, esclarece a pesquisadora. Os três metais agregados ao alumínio, quando em posição de desgaste nos mancais atritados pelos eixos, são liberados dos respectivos bolsões e formam uma espécie de pasta que lubrifica as superfícies do mancal e do eixo. Com isso, o desgaste no alumínio do mancal é reduzido e praticamente ocorre apenas desgaste dos micro-bolsões, o que estende o tempo de duração da peça. Os filmes de Bi, ou Pb, ou In formados entre os dois componentes automotivos permanece no local e contribui para a diminuição do atrito.

Razões
A pesquisadora constatou que na literatura existem muitos estudos envolvendo ligas monotéticas solidificadas em regime com controle dos parâmetros operacionais, também chamado estacionário, a imensa maioria referente à liga Al-Pb. Mas devido ao efeito cancerígeno do Pb, há tendência em substituí-lo e em alguns países proíbe-se seu uso em quaisquer componentes. Na procura de alternativas para o Pb, ela chegou ao Bi e ao In. As pesquisas com base na matriz de alumínio incluíram o chumbo com o objetivo de permitir comparações com as ligas dos outros dois metais e a verificação da real possibilidade de suas utilizações em substituição a ele. O estudo levou em consideração inclusive a verificação da viabilidade econômica.

Com o objetivo de determinar qual dos metais adicionados ao alumínio ofereceria mais vantagens em termos de distribuição de partículas, no doutorado Maria Adrina se dedicou mais especificamente à análise microestrutural. O Bi e o In têm propriedades semelhantes ao Pb e vantagem de não serem tóxicos. Ela constatou que em relação aos dois metais alternativos, os estudos eram pouquíssimos e a maioria referia-se a sistemas estacionários, que não representam a realidade industrial.

Comparadas as ligas de alumínio com Bi, Pb e In, os resultados mostraram que a liga com Bi foi a que apresentou maiores vantagens, inclusive em relação à liga de Pb, que durante o processo de solidificação apresentou a formação de fibras na estrutura, que são menos indicadas para serem submetidas ao desgaste. Segundo ela, o ideal é que o metal se distribua amplamente na matriz: “Entre os três metais que utilizamos, o Bi teve o comportamento mais desejável, pois em todas as ligas que produzimos e em todas as condições de trabalho utilizadas obtivemos partículas irregulares distribuídas uniformemente na matriz. Seguiu-o o In. O Pb em termos de microestrutura apresentou os piores resultados para a aplicação pretendida”.

Entretanto, esbarra-se na questão do custo porque Pb e Sn são bem mais baratos que o bismuto. O quilo do Bi custa em média 120 reais, enquanto o do Pb e do Sn variam de 20 a 40 reais. Mas como a liga com Bi apresenta vantagens bastante superiores, a pesquisadora acredita que no futuro o aumento do tempo de vida útil dos componentes compense o preço maior, embora reconheça que hoje as empresas persigam um produto mais barato mesmo com vida útil menor. O preço inviabiliza o uso do In que foi estudado apenas para efeito comparativo. Há necessidade de importá-lo e 250 gramas do metal custam cerca de 500 euros.

A opção pela matriz de alumínio se deu por se tratar de metal barato, reciclável, com propriedades físicas e mecânicas que encontram utilizações variadas e apreciadas no setor automotivo em substituição a outros metais tradicionalmente utilizados, além de possibilitar as inclusões que determinam um comportamento tribológico totalmente favorável. Por isso tudo, diz ela, “a escolha do alumínio sugerida pelo meu orientador foi acertada”.

Além das análises micro-estruturais também desenvolvem-se no GPS outras composições dessas ligas e ensaios mecânicos das ligas já desenvolvidas. No grupo são orientadas ainda pesquisas que visam utilizar um agente corrosivo que ataca o material dos bolsões de forma a levar à formação de uma matriz porosa que encontra muitas aplicações. Os poros obtidos nesse processo são muito menores e de distribuição muito mais homogênea que os obtidos nos processos industriais dos metais que visam essas características.


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