É possível ser sustentável visando o lucro

O biólogo Glenn Croston defende que é possível ser uma empresa sustentável visando o lucro

Nos últimos anos, o biólogo americano Glenn Croston se dedicou à tarefa de promover a chamada economia verde. Fez isso por meio de seminários em entidades empresariais e palestras em universidades, além da prestação de serviços de consultoria para centenas de empresas dos Estados Unidos.

Seu livro 75 green businesses you can start to make money and make a difference (algo como 75 negócios verdes que você pode montar para ganhar dinheiro e fazer a diferença), lançado em 2008, se tornou uma espécie de bíblia da sustentabilidade. 
 
De sua casa em San Diego, na Califórnia, Croston falou sobre sua cruzada. Elogiou o programa brasileiro de etanol e colocou em dúvida o futuro das empresas que insistem em não aderir às práticas sustentáveis: “Em uma economia cada vez mais competitiva, isso será uma questão de sobrevivência.”

DINHEIRO – Desde o Protocolo de Kyoto, em 1998, o tema sustentabilidade ganha cada vez mais espaço na agenda das empresas. Pode-se dizer que esse interesse é genuíno ou uma jogada de marketing?
GLENN CROSTON – Acredito que muitos dos esforços corporativos nessa área são sinceros. Empresas de diversos segmentos econômicos e de variados portes vêm tentando se ajustar a uma nova realidade. A busca para se tornar verde causa um grande impacto na companhia. Isso tem efeito direto na abertura de novos mercados, em uma menor exposição ao risco, na atração de talentos e também na lucratividade final do negócio.

DINHEIRO – Apesar disso, ainda vemos muitas empresas apelando mais para o marketing do que para ações concretas.
CROSTON – Esse tipo de postura vem se tornando cada vez menos comum. Os consumidores estão ficando cada vez mais informados sobre os preceitos da sustentabilidade e, por conta disso, as empresas são obrigadas a confirmar seu discurso com atitudes práticas.
 
DINHEIRO – O Greenpeace mantém um ranking que mostra quais empresas usam menos substâncias tóxicas. O GoodGuide, por sua vez, informa, por meio do código de barras, se determinado produto foi feito de forma sustentável. Esse tipo de instrumento pode ser um guia para os consumidores?
CROSTON – Sem dúvida. A informação é importante porque permite às pessoas optarem por produtos feitos por companhias realmente comprometidas com a causa verde. Além disso, tem a função de ajudar na promoção dos chamados produtos ecologicamente corretos nos diversos segmentos.

DINHEIRO – Um grupo de empresas, capitaneado por Levi Strauss & Co., Timberland e Nike, lançou o Eco Index, uma ferramenta destinada a medir o impacto causado pela atividade econômica. Isso mostra o comprometimento dessas empresas?                 
CROSTON – Certamente. Na minha visão, os esforços para reduzir as emissões de dióxido de carbono devem ser quantificados ao longo de toda a cadeia produtiva. Isso serve como uma forma de o mercado comparar em qual estágio determinada empresa se encontra.
 
DINHEIRO – Como o sr. analisa as empresas que se dizem sustentáveis, mas têm parte de sua produção gerada em fábricas na Ásia, que mantêm trabalho escravo ou pagam baixíssimos salários?
CROSTON – A postura verde não inclui apenas o jeito como nós lidamos com o planeta, mas também a nossa relação com as pessoas em todos os níveis. As corporações verdadeiramente sustentáveis são dirigidas por gestores com uma visão global. E isso inclui a qualidade ambiental do processo produtivo, a atuação de sua cadeia de fornecedores e a política de recursos humanos.

DINHEIRO – O sr. acredita que mesmo as empresas da velha economia, como as petrolíferas e companhias aéreas, podem atingir um nível elevado de sustentabilidade?
CROSTON – Elas podem fazer mais agora e, de certa forma, compensar o passado. No caso das petrolíferas, o fim da queima do gás extraído das plataformas de petróleo já seria um avanço significativo. Outra contribuição do setor seria o desenvolvimento de combustíveis renováveis, por exemplo. Já as empresas aéreas podem optar pela aquisição de aeronaves mais eficientes. No limite, reconheço que é muito difícil para uma empresa petrolífera se tornar 100% ecologicamente correta, quando comparada a outra que gera energia obtida em um parque eólico. No entanto, não podemos deixar de reconhecer os esforços feitos pelo setor.

DINHEIRO – Em um artigo escrito recentemente, o sr. se mostrou bastante otimista com relação à conversão das pessoas a um estilo de vida mais verde. Essa não seria uma visão ingênua do mundo?
CROSTON – De forma alguma. Trata-se, na verdade, de uma conclusão inevitável, baseada em uma avaliação realista. Muitos consumidores e empresários vêm sendo bastante influenciados pelo impacto que suas ações causam no planeta. O crescimento da população desencadeará uma forte pressão de consumo, fazendo com que o preço de commodities, como o petróleo, suba. Por conta disso, a tendência natural é que as pessoas passem a consumir determinados itens com mais parcimônia. A elevação do preço do petróleo e de outros produtos deverá impulsionar pesquisas beneficiando novos produtos e materiais.
 
DINHEIRO – Se tomarmos por base as vendas de carros elétricos e híbridos, fica evidente que eles ainda não caíram nas graças dos consumidores. Ainda assim podemos dizer que esses veículos representam o futuro do mercado automotivo dos EUA?
CROSTON – Creio que sim. Com o progressivo aumento da cotação do petróleo, a tendência é de que o preço de venda dos automóveis elétricos reduza significativamente. A partir daí, será uma questão de tempo para que os consumidores optem por esses modelos. Quando a cotação do petróleo atingiu o pico, em 2008, a Toyota registrou uma longa fila de espera para a compra de seu modelo híbrido, o Prius. Isso deve se repetir agora com os carros elétricos. O Leaf, da Nissan, foi bem recebido pelo consumidor americano. Estamos no período ideal para fazer uma mudança na forma como os americanos se relacionam com os automóveis.
 
DINHEIRO – O sr. acredita que o programa de etanol brasileiro, baseado na cana-de-açúcar, pode ser uma opção viável para substituir a gasolina e o diesel?
CROSTON – O etanol brasileiro tem nítidas vantagens em relação aos similares produzidos em outros países. Além disso, o Brasil vem fazendo um bom trabalho nessa área. Todas as pesquisas mostram que o uso da cana é mais eficiente, do ponto de vista energético e ambiental, em relação ao etanol de milho, usado nos EUA. Infelizmente, a produção da cana depende de uma série de pré-requisitos, que nem sempre é possível reproduzir nos EUA, por exemplo.
 
DINHEIRO – Isso faz do etanol brasileiro um combustível competitivo em nível global?
CROSTON – Acredito que, no futuro, estaremos diante de uma grande variedade de opções para o segmento de transporte, ao contrário do cenário atual. Os veículos elétricos farão parte dessa história, assim como os combustíveis renováveis, o gás natural e até mesmo as células de combustível. Não existem razões objetivas e técnicas para que todos os veículos do planeta continuem, no futuro, sendo movidos apenas por gasolina e óleo diesel.
 
DINHEIRO – Em seu livro, o sr. afirma que é possível ser verde e ainda ganhar dinheiro. Isso vale para empresas de todos os portes?
CROSTON – Sem dúvida. Indepen-dentemente do tamanho da receita, existem inúmeras oportunidades para os empresários desenvolverem soluções criativas, que nos ajudem a utilizar os recursos naturais de uma forma mais eficiente, e ainda ganhar dinheiro com isso. É um erro imaginar que para se tornar uma empresa sustentável é necessário investir grandes somas de recursos. Em uma economia cada vez mais competitiva, isso será uma questão de sobrevivência para todas as empresas. Até mesmo as pequenas. 
 
DINHEIRO – E como podemos combinar as necessidades de consumo de países emergentes como Brasil, China e Índia com a sustentabilidade global?
CROSTON – A Terra já conta com uma população de sete bilhões de pessoas e o crescimento econômico desses países está criando uma classe média emergente com sede de consumo. A lista inclui desde automóveis, casas e tevês de LCD até roupas mais bonitas. O mercado é que vai ditar a solução para o desafio de suprir uma demanda cada vez mais crescente. Não só os emergentes, mas a população de todos os países terá de abraçar a sustentabilidade como um item essencial para o seu bem-estar.
 
DINHEIRO – O sr. acredita que é possível convencer os americanos, especialmente os mais radicais, a mudar seu estilo de vida em nome da sustentabilidade?
CROSTON – A crise econômica causou enormes estragos na renda dos americanos e muitos perderam o emprego. Se eles enxergarem a sustentabilidade como mais um fardo a ser carregado, en-tão, não haverá adesão. Contudo, se isso for encarado como uma forma de economizar dinheiro e re-cursos naturais, eles certamente irão em-barcar nessa onda.
 
DINHEIRO – O sr. está preparando algum novo livro sobre esse tema?
CROSTON – No momento, estou trabalhando no lado psicológico que envolve as decisões relacionadas à sustentabilidade na produção e no consumo. Em muitos casos, mesmo quando nosso cérebro nos diz para agir de forma correta, deixamos nos levar pela emoção. Isso faz com que optemos por ações baseadas apenas em uma avaliação de curto prazo. O meu temor é de que esse tipo de comportamento faça com que posterguemos a adoção de ações necessárias, em relação às mudanças climáticas, por exemplo, até que um dia seja tarde demais.


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