A conta-gotas, lobby industrial soma vitórias

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À primeira vista, a representação industrial no país exibe sinais de fraqueza. No comando da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e das federações estaduais, há vários empresários que vêm de companhias de pouca expressão ou até mesmo que não têm empresas. A reforma tributária, grande bandeira do setor nos últimos anos, continua um sonho distante, assim como a flexibilização das relações trabalhistas. No entanto, o segmento tem colhido algumas vitórias pontuais importantes nos últimos anos, e a análise dos projetos de interesse da indústria que tramitam no Congresso aponta para uma taxa de sucesso bastante expressiva do lobby empresarial, ainda que não se possa dizer que foram aprovados ou derrubados exclusivamente por causa da pressão do segmento. O fim da CPMF em 2007, a desoneração dos investimentos, a aprovação da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa são algumas das conquistas obtidas nos anos recentes.

Os sucessos, porém, não encobrem deficiências na representação do setor. Como reconhecem alguns líderes da indústria, as companhias de menor porte não estão devidamente representadas e a disparidade de interesses nas federações por vezes dificulta a obtenção de consensos - diferentemente do que ocorre nas associações nacionais, que defendem pautas de setores específicos, como Anfavea (veículos), Abimaq (máquinas e equipamentos) e Abinee (elétrica e eletrônica).

De 108 projetos que constavam da Agenda Legislativa da CNI entre 1996 e 2009 e se tornaram norma jurídica, a entidade era favorável a 79% deles, totalmente ou com algumas ressalvas. Fazem parte dessa agenda projetos que afetam os interesses da indústria, de modo positivo ou neegativo.

Autor de estudos sobre o lobby da indústria no Congresso, o professor de gestão de políticas públicas Wagner Pralon Mancuso, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), diz que suas pesquisas indicam que que o setor consegue uma taxa expressiva de sucesso tanto na aprovação de projetos que lhe interessam, como no bloqueio de propostas que lhe desagradam. "Isso vai contra o senso comum que aponta a debilidade política da indústria no país."

Um dos coordenadores do Núcleo de Estudos do Empresariado, Instituições e Capitalismo (Neic) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Renato Boschi vê uma atuação mais moderna do empresariado, com um acompanhamento detalhado do que se passa no Congresso. Desde 1996, a CNI passou a publicar a sua Agenda Legislativa, que define a posição do setor sobre propostas em tramitação no parlamento. O presidente da CNI, deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE), diz que "parlamentares de diversos partidos usam a agenda como uma referência para as suas posições". "É uma ação, transparente e pública de defesa dos interesses da indústria."

Ele aponta a adoção da não cumulatividade no PIS e Cofins, a desoneração do investimentos - ainda que não total - e a entrada em vigor da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa como vitórias importantes obtidas nos últimos anos no campo tributário. "São conquistas pontuais, mas a experiência mostra que assim é que é possível fazer mudanças no sistema tributário. Uma reforma ampla esbarra nas contradições da federação. Há dificuldade de um acordo porque pode colocar em risco o financiamento do Estado", diz ele.

"A reforma tributária mexe com interesses gigantescos e envolve cálculos e projeções sobre o futuro da arrecadação que são complexos", acrescenta Mancuso. Segundo ele, definir se o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) será cobrado na origem ou no destino e os mecanismos de compensação para eventuais perdas são muito complicados. Com isso, seria um erro apontar a não aprovação da reforma como um sinal de fraqueza da representação da indústria.

Para ele, o fato de os líderes da indústria virem de empresas pouco expressivas - Monteiro é diretor superintendente da Noraço Indústria e Comércio de Laminados - ou não terem empresas - Paulo Skaf, da Fiesp, é hoje apenas vice-presidente do conselho da empresa têxtil Paramount Lansul, da qual não é o controlador - não é um sinal de debilidade do segmento. O sucesso do lobby empresarial no Congresso indicaria que esse não é um problema, segundo ele. Boschi também não considera que o fato de um líder não ter empresa implique debilidade da representação empresarial.

Boschi observa que há uma "miríade de incentivos" fiscais que se acumularam ao longo dos anos, o que dificulta uma ação coletiva, Para alguns segmentos da indústria, o atual sistema tem pontos positivos, como as vantagens fiscais para quem produz na Zona Franca de Manaus.

Entre os próprios líderes da indústria, porém, há quem se ressinta da dificuldade em se conseguir avanços no front tributário. O presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Victor Ventin, mostra frustração com a incapacidade da indústria em obter a redução da carga tributária. "O governo Fernando Henrique e o governo Lula nos venderam redução e simplificação de impostos, mas nos entregaram o contrário", afirma ele.

Ventin lembra da medida que em 2003 criou o recolhimento não cumulativo na arrecadação da Cofins. Para que não houvesse perdas de receitas, a alíquota do imposto subiu de 3% para 7,6%, um nível muito alto, que se traduziu em aumento da carga. Ele também critica as medidas de substituição tributária adotadas por alguns Estados, que levam à antecipação do pagamento do imposto no começo da cadeia produtiva.

O presidente da Federações das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, aponta como um obstáculo grande à aprovação da reforma tributária o fato de o país ter eleições de dois anos em dois anos. "Com esse calendário político, os líderes ficam reféns da voz populista e as coisas ficam amarradas", diz ele. Para Sérgio Marcolino Longen, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Mato Grosso do Sul (Fiems), falta vontade política para aprovar a reforma tributária. "O setor industrial continua unido, mas não temos a mesma disposição na esfera política."

Mancuso observa, porém, que muitos benefícios tributários foram concedidos nos últimos anos, aliviando o peso fiscal para setores empresariais específicos. Em estudo feito com Maetê Pedroso Gonçalves e Fabrizio Mencarini, ele levanta 80 dispositivos legais que concederam benefícios relativos a três contribuições (PIS, Cofins e CSLL) entre 1988 e 2006, como a redução da base de cálculo, a diminuição de alíquota, a isenção e a definição de crédito fiscal.

Esses números evidenciam a força das associações nacionais. Representando interesses de setores específicos, elas são bem sucedidas em obter benefícios tributários. A redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos, eletrodomésticos da linha branca e material de construção, adotada no ano passado como resposta à crise, também pode ser vista como um sinal da influência das associações. Mancuso diz que a concessão de benefícios tributários para setores específicos indica, de fato, a força das entidades que defendem interesses setoriais, mas não vê aí um sinal de debilidade das federações da indústria ou da CNI. "Elas não se opõem à concessão desses benefícios. A diferença é que as federações e as confederações atuam em temáticas mais gerais, onde as questões são mais complexas e é mais difícil obter consensos."

Ventim observa que as associações setoriais têm a facilidade de defenderem uma bandeira única, enquanto nas federações e confederações há interesses que por vezes são conflitantes. "O setor de embalagens pode discutir com o sindicato das indústrias que torram café. Nas associações, esse tipo de conflito não existe."

Mesmo quem vê conquistas da representação da indústria nos últimos anos, como Mancuso, diz que não há como atribuir diretamente as conquistas ao lobby empresarial. E a análise de algumas vitórias mostra que outros fatores poderosos tiveram um peso decisivo. No caso do fim da CPMF, a oposição usou a votação para impor uma derrota política ao governo, num momento de fragilidade política no Senado, um ponto mais importante para o desfecho do que a mobilização da Fiesp contra o imposto. A desoneração dos investimentos também ganhou mais terreno depois do agravamento da crise, fazendo parte da estratégia fiscal anticíclica do governo. Atribuir aí um papel muito grande ao lobby industrial pode ser um exagero.

Há líderes de federações que apontam problemas na representatividade da indústria, como o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Rodrigo Rocha Loures. Para ele, um dos problemas da estrutura sindical da indústria é o fato de que empresas de menor porte não estão devidamente representadas. Incorporá-las é um desafio que o setor tem que enfrentar, diz, considerando necessário fazer o mesmo com empresas da "economia do conhecimento", que sequer existiam quando a atual estrutura sindical da indústria foi montada.


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