Aumento de tarifa pressiona indústria


Às vésperas de inaugurar uma nova fábrica de beneficiamento de vidro em Campinas, o empresário Fabrício Mohallem foi surpreendido com o aumento de cerca de 20% na tarifa de energia elétrica da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), distribuidora que abastece a cidade.

"Vai ser difícil repassar, acho que vamos ter de engolir esse aumento de custos", diz Mohallem, que já vem sofrendo com inadimplência e queda nas vendas de sua antiga unidade, que será desativada.

Autorizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no início do mês, as novas tarifas da CPFL têm índices de reajuste que variam entre 20,19% e 24,80%, recorde na história pós-privatização da companhia. Seguem tendência já apontada por reajustes aprovados anteriormente este ano, todos fortemente impactados pela valorização do dólar e pelo maior uso de térmicas no ano passado, medida adotada para evitar o risco de racionamento.

Segundo especialistas, a tendência será mantida em todos os reajustes que serão discutidos pela Aneel, principalmente no primeiro semestre.

As próximas distribuidoras a passarem pelo processo de recomposição tarifária são as nordestinas Coelba (BA), Cosern (RN), Coelce (CE) e Energisa (SE), todas com índices já propostos pela agência, variando entre 5,58% e 15,22%, dependendo da região e do porte do consumidor.

Antes, Cemig (MG) e Cemat (MT) já haviam sido autorizadas a aumentar de forma expressiva a tarifa, em índices de até 20,40%. "Em meio a essa crise, o governo está jogando nas costas do consumidor um aumento que não temos como pagar", reclama o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Ricardo Lima.

O impacto será maior para empresas de pequeno e médio portes, uma vez que grandes indústrias costumam comprar diretamente dos geradores, além de não sofrerem, como os consumidores cativos, com o reajuste da energia de Itaipu, que divide com as térmicas o papel de vilão das tarifas este ano.

Sem tanto poder de barganha, Mohallem calcula que a conta de sua nova empresa, a Tembrás, subirá dos R$ 20 mil estimados inicialmente para algo em torno de R$ 24 mil.

O empresário diz que não é possível buscar outros combustíveis, já que o forno foi desenvolvido para consumir esse tipo de energia - o gás natural, por exemplo, mancha o vidro.

A conta de luz está entre os quatro maiores itens de custo do projeto, que vai empregar 40 pessoas.

"Não podemos ter preços acima do mercado, senão não vendemos nada", argumenta Mohallem.

No início do ano, segundo ele, as vendas caíram 30%, mais por conta da inadimplência de clientes tradicionais.

Assim como todos os clientes das distribuidoras que já tiveram aumento, Mohallem está pagando sua parcela pelo aumento nos níveis de segurança do setor elétrico, medida adotada no ano passado após um verão com poucas chuvas e quase nenhum gás disponível.

O governo levou um susto no fim de 2007, ao perceber que não havia combustível suficiente para acionar as térmicas, enquanto os reservatórios das hidrelétricas diminuíam sensivelmente.

A solução foi apelar para usinas emergenciais, no início do ano, e depois manter as usinas a gás operando de forma mais constante.

Segundo dados preliminares do Balanço Nacional de Energia, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a geração térmica aumentou 37,9% no ano passado, enquanto as usinas hidrelétricas, mais baratas, geraram 2,7% a menos. Houve alta em todas as fontes termoelétricas: gás (92,8%), derivados de petróleo (13,4%) e carvão (6,3%).

"Estamos pagando pela falta de planejamento do governo", diz Lima, da Abrace, ao criticar a ausência de projetos hidrelétricos nos últimos leilões de energia nova.

Segundo ele, a conta do combustível usado nas térmicas em 2008, que é pago sob a forma do Encargo de Serviço do Sistema (ESS), chega a R$ 2,4 bilhões. Esse encargo é rateado em todas as faturas de energia do Brasil e pago também pelos clientes livres.

Para o presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Luiz Carlos Guimarães, embora o aumento deste ano tenha sido atípico, o uso maior de térmicas é uma tendência, uma vez que as novas hidrelétricas têm reservatórios cada vez menores.

Por isso, a entidade pede alternativas para evitar "saltos" na geração térmica que penalizem o consumidor no ano seguinte.

Lima, porém, acredita que houve excesso de zelo do governo, que, na opinião dele, manteve as térmicas funcionando por mais tempo do que o necessário.

É consenso no mercado que evitar o risco de um racionamento, como o que abalou a administração de Fernando Henrique Cardoso, tem sido uma das preocupações do governo Luiz Inácio Lula da Silva. "Mas deve-se ponderar bem o risco, porque a conta sempre acaba caindo nas mãos do consumidor", diz o presidente da Abrace.

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