Fonte: Portal Exame – 18/11/08
Fotos: Portal Exame
Nas últimas semanas, uma coleção de más notícias elevou ainda mais o grau de apreensão entre as empresas sobre os já alarmantes impactos da crise financeira global. O PIB dos Estados Unidos já enfrenta uma retração de 0,3% e 240 mil postos de trabalho foram ceifados no país. O índice de desemprego americano foi de 6,5% em outubro, o pior desde 1994. Uma pesquisa divulgada pelo banco Goldman Sachs no dia 10 de novembro aponta que a crise provocará perdas de 1,4 trilhão de dólares em todo o mundo, dos quais 800 bilhões já foram contabilizados.
No Brasil, as empresas já sentem o aperto da redução do crédito e muitas delas começam a fazer prognósticos pessimistas quanto ao futuro. Em um cenário cheio de incertezas como esse, chamam a atenção iniciativas como a do presidente da subsidiária brasileira da Danone, o argentino Gustavo Valle. No mês passado, a multinacional francesa iniciou uma ofensiva agressiva para lançar um novo produto no mercado brasileiro. Trata-se de uma água mineral, produto completamente novo para a Danone no país, onde enfrentará concorrentes já estabelecidos, como Coca-Cola e Nestlé. Ao mesmo tempo, Valle aumentou em 10% seu orçamento de marketing e publicidade para todos os produtos da marca.
Essa não é uma experiência nova para o executivo da Danone. No início da década, quando era diretor de uma das divisões da multinacional francesa na Argentina em meio à violenta crise econômica que assolava o país, Valle apostou na criação de novos produtos (entre eles uma água mineral) e aumentou em 30% os investimentos em publicidade e marketing. Em poucos meses, a Danone passou da décima para a primeira posição no ranking de anunciantes do país e a água lançada pela empresa, levemente gaseificada e aromatizada, tornou-se, em apenas um ano e meio de mercado, responsável por 25% de todo o faturamento da multinacional na Argentina. No Brasil, Valle pretende seguir a mesma estratégia e já prepara outros lançamentos para 2009, um ano que, segundo oráculos da economia, deve ser marcado por uma forte desaceleração na economia global. As vendas da Danone no mercado brasileiro em setembro e outubro, meses que formaram o epicentro da eclosão da crise financeira, cresceram cerca de 15%. Segundo Valle, o investimento em publicidade em momentos de crise fortalece a marca perante os consumidores.
O fenômeno que Valle comprovou na prática não é um caso isolado, uma característica específica de uma indústria ou setor. Diversos estudos realizados por escolas de negócios, consultorias internacionais e pesquisadores independentes tentam, com dados mensuráveis, responder a uma pergunta que a maior parte dos altos executivos se faz em tempos de crise: qual o melhor caminho - continuar a anunciar ou cortar esse investimento? Esses estudos avaliaram o comportamento de marketing de uma série de empresas durante retrações econômicas e suas conseqüências no ciclo posterior, quando há a retomada. Os resultados são eloqüentes. Em um estudo realizado em 2002, a consultoria McKinsey analisou a atuação de mil empresas durante o período entre 1982 e 1999, que compreendeu três grandes crises - o segundo choque do petróleo com a revolução dos aiatolás no Irã, uma recessão americana no final da década de 80 e as crises da Ásia e da Rússia no final dos anos 90. A constatação foi que apenas as empresas que mantiveram ou aumentaram os investimentos em marketing nos anos difíceis tiveram aumento nos lucros na posterior fase de retomada econômica.
Em um estudo semelhante, feito pela prestigiada London Business School, o resultado foi semelhante. De acordo com o levantamento, as companhias que realizaram cortes em verbas publicitárias levaram mais tempo para recuperar as vendas e a lucratividade ao fim da recessão. Mas o mais profundo trabalho sobre o tema foi desenvolvido pelo consultor Tony Hillier. Durante a crise que se iniciou em 1991, Hillier avaliou as estratégias de marketing de mil empresas. De acordo com o estudo, as companhias que aumentaram os investimentos em propaganda tiveram, em média, lucratividade 4,3% maior do que antes da recessão. Além disso, as empresas que aumentaram os orçamentos de marketing em períodos de recessão ganharam participação de mercado quase três vezes mais rápido do que as empresas que cortaram verbas.
Resultado no longo prazo
Foi justamente durante a recessão de 1991 que a montadora francesa Renault decidiu lançar com pesados investimentos de marketing o Clio, um modelo de automóvel radicalmente novo para a empresa e que se transformou em um de seus maiores sucessos. A divulgação
pesada do novo modelo em um momento em que a queda nas vendas dos carros novos no mercado europeu chegava a 18% levou as vendas a atingir patamares que surpreenderam a montadora. Em dois anos, a Renault subiu do nono para o quarto lugar no ranking da categoria de carros compactos na Europa. Foi também durante a recessão de 1991 que Sam Walton, fundador do Wal-Mart, cunhou a frase que se tornaria uma espécie de mantra para períodos semelhantes em sua empresa. "Perguntaram-me o que eu achava da recessão. Pensei a respeito e decidi que não participaria dela", disse Walton.
Se há hoje uma empresa que resolveu tomar a crise como oportunidade é o Wal-Mart, maior rede de varejo do mundo. Assim que a atual crise financeira eclodiu, em setembro, a empresa passou a veicular anúncios que procuram estimular os consumidores a economizar em suas lojas com o mote "Save money. Live Better" (em português "Economize. Viva melhor"). Além de aumentar o volume de anúncios veiculados, o Wal-Mart adotou promoções agressivas. Em outubro, a rede foi a única empresa do varejo americano a registrar crescimento de vendas. O faturamento em suas lojas aumentou 2,4%, enquanto outras cadeias, como Target, Gap e Macy’s, registraram queda. Ao todo, as vendas do varejo nos Estados Unidos caíram 0,9% no mês de outubro - se o Wal-Mart for excluído do cálculo, a queda atinge 4,2%.
O impacto da propaganda
Períodos de crise costumam trazer algumas circunstâncias que beneficiam as empresas que escolhem investir mais em publicidade. Uma delas pode ser a própria timidez dos principais concorrentes. Os consumidores, por sua vez, tendem a manter a fidelidade a marcas que continuam em evidência, mesmo que isso signifique pagar um pouco mais por um produto, desde que ele reconheça e valorize os benefícios que receberá em troca. O consultor Tony Cram, da Ashridge Business School, na Inglaterra diz que, ao invés de cortar os investimentos em propaganda e marketing, as empresas poderiam reduzir seus custos em áreas operacionais que não são tão decisivas em momentos de crise.
É exatamente essa a receita que tem sido seguida pela Pepsico nos Estados Unidos. A companhia está investindo 1,2 bilhão de dólares em um programa de reposicionamento de seus refrigerantes, que inclui, entre outras iniciativas, a renovação de seu logotipo e uma grande campanha publicitária em 2009. O objetivo é garantir mais fôlego à Pepsi na duríssima concorrência com a Coca-Cola em um cenário de queda nas vendas de refrigerante - fenômeno que já acontece há alguns anos nos Estados Unidos e que deve se intensificar com a atual desaceleração econômica. O investimento, que envolve desde uma nova pintura dos caminhões de entrega até uma reforma dos pontos-de-venda da marca, será financiado por um programa de aumento da produtividade operacional que inclui o fechamento de seis fábricas. Para a Pepsico, ficar longe do consumidor neste momento não é a estratégia mais inteligente a ser seguida - e os estudos sobre o tema dão razão aos argumentos de seus executivos.