Fonte: Portal Exame - 29/10/08
Fotos: Divulgação
O executivo brasileiro
Carlos Ghosn, de 54 anos, ganhou fama mundial como uma espécie de midas do setor automotivo. Ao longo dos últimos 30 anos, Ghosn acumulou uma série de feitos notáveis na indústria automobilística. O status de celebridade veio depois que ele fez o que parecia impossível - salvar a montadora japonesa Nissan da bancarrota em 1999. Naquela época, Ghosn havia feito uma aposta ousada: reverter os resultados da empresa em apenas um ano ou pedir demissão. Depois de fechar fábricas e demitir mais de 20 000 funcionários, transformou um prejuízo de 6,1 bilhões de dólares num lucro de 2,7 bilhões de dólares no ano seguinte.
O feito acabou lhe rendendo o apelido de "matador de custos" e um convite para presidir a aliança Renault-Nissan em 2005. À frente da combalida montadora francesa, Ghosn comprometeu-se a aumentar a rentabilidade do grupo de 2,6% para 6% até 2009 ou "sofrer as conseqüências" - o que, traduzido do jargão corporativo para o português, significa entregar o cargo. A pouco mais de um ano do término do prazo estabelecido, porém, a fama de midas de Ghosn passa por seu maior teste até hoje. A meta que ele traçou há pouco mais de dois anos está ficando cada vez mais distante: a margem operacional da Renault permanece em 4,1%, e não há perspectivas de melhora daqui para a frente. Pela primeira vez em sua carreira, Carlos Ghosn encontra-se diante da real possibilidade de perder o emprego por não cumprir suas metas.
A maior ameaça aos planos de Ghosn na Renault vem justamente de seu mercado mais importante: a Europa, responsável por dois terços das vendas da montadora. Estima-se que, para que a Renault atingisse as metas de rentabilidade, seria preciso um crescimento de pelo menos 10% em suas vendas no continente. Mas, como reflexo da crise financeira que tem tragado grandes bancos e reduzido o crédito no mundo todo, alguns dos principais mercados da Renault na Europa já começam a apresentar fortes sinais de retração (veja quadro). Segundo dados da Associação Européia dos Fabricantes de Veículos, as vendas de carros em países como Itália, Reino Unido e Espanha vêm despencando em relação ao ano passado. E poucas montadoras sofreram esse impacto de forma tão brutal quanto a Renault de Ghosn. As vendas mensais da empresa na Europa caíram 33% de janeiro para cá, para apenas 89 117 veículos vendidos em agosto - o menor patamar dos últimos cinco anos. Para piorar, as vendas de automóveis em mercados emergentes, como Romênia, Hungria e Rússia, as maiores apostas de crescimento da Renault, também têm dado mostras de desaceleração. Diante de um cenário tão desolador, nem o aumento de 6,6% nas vendas de automóveis na França conseguiu aplacar a fúria de analistas de mercado e investidores.
A crise, claro, afeta as vendas de todas as montadoras. A União Européia, que vinha crescendo estáveis 2% ao ano, deve entrar em recessão em 2008, e ninguém é capaz de dizer quando sairá dela. A agravante, para Carlos Ghosn, é que a deterioração do mercado europeu ocorre em meio a um dos momentos mais cruciais da reestruturação engendrada por ele quando assumiu a Renault. Trata-se do lançamento do novo Mégane, que responde por cerca de um terço dos resultados da montadora. De acordo com os cálculos iniciais do executivo, o modelo deveria injetar fôlego às vendas da Renault na Europa, melhorando as margens de lucro da companhia. Mas a crise do mercado europeu vai atrapalhar os planos. O novo Mégane deve chegar ao mercado europeu em novembro, apenas um mês após o lançamento da nova versão do Golf, o carro de maior sucesso da Volkswagen. Com um detalhe: o modelo da montadora alemã vai sair de fábrica com um preço 10% menor. Para ganhar essa disputa, estima-se que a Renault inicie uma série de promoções em seus revendedores, comprometendo até 30% da margem do novo carro, ou cerca de 200 euros por veículo. Além disso, outros lançamentos recentes, como os novos Twingo e Laguna, foram ultrapassados por seus concorrentes diretos -, o 500, da Fiat, e o Citroën C5, da PSA, de acordo com a consultoria americana JD Power & Associates.
As recentes dificuldades enfrentadas por Ghosn à frente da Renault acabaram acendendo a luz amarela entre analistas e especialistas de mercado, cada vez menos confiantes no cumprimento das metas estabelecidas em 2006. Em um e-mail enviado a investidores no mês passado, o banco de investimento Goldman Sachs recomendou a venda das ações da montadora, ao mesmo tempo que manteve a recomendação de compra para a rival PSA, holding que controla as montadoras Peugeot e Citroën. O movimento foi acompanhado pelo banco de investimento Credit Suisse, que também rebaixou o status dos papéis da companhia, prevendo desvalorização de 8% no valor das ações até o final do ano. No relatório divulgado pelo Credit Suisse, a estimativa é que a Renault encerre 2008 com margem operacional de 3,8%, ante os 4,1% registrados no primeiro semestre. Diante de tais projeções, já se começa a especular sobre a permanência de Ghosn no cargo.
Está difícil crescer
Com tantas más notícias, até a participação de 44,4% que a Renault mantém na Nissan começou a pesar contra. Isso porque, no último trimestre, a Nissan apresentou queda nos lucros da ordem de 40%, para 520 milhões de dólares. As vendas da montadora japonesa vêm caindo em seus dois principais mercados, Estados Unidos e Japão. No mercado americano, a retração em setembro foi de 36% em comparação com o mesmo período do ano passado. No Japão, a queda foi de 5,3% nos últimos seis meses, a maior entre as montadoras japonesas. Para tentar garantir o aumento das margens, Carlos Ghosn decidiu aplicar uma de suas especialidades - aprofundar os cortes nos custos no grupo. Até o final do ano, mais de 4 000 funcionários devem ser demitidos na Europa. Além disso, segundo executivos próximos à empresa, não está descartado o fechamento de uma das fábricas no país (a empresa nega que esteja considerando tal opção). Em pouco mais de um ano, Carlos Ghosn pode perder seu status de celebridade da indústria automotiva - ou salvá-la com mais um milagre.