Fonte: FAPESP - 14/10/08
Em doutorado defendido no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Divina Aparecida Vilhalva descreveu
uma planta do Cerrado brasileiro que, além de ter alto potencial para limpar solos contaminados com metais pesados, é capaz de absorver o cádmio em grandes quantidades. O cádmio produz efeitos tóxicos aos organismos vivos mesmo em concentrações relativamente baixas.
A planta é a Galianthe grandifolia, uma herbácea da família do café. Segundo a autora, ainda não havia sido identificada nenhuma planta nativa no Brasil com poder de absorção de cádmio igual ao encontrado nessa espécie. “Existem poucas plantas hiperacumuladoras desse elemento químico no mundo e, aparentemente, essa é a primeira nativa descrita com tal característica no país”, disse a bióloga à Agência FAPESP.
“A importância dessa descoberta, no entanto, está no fato de ela ser uma planta nativa do Cerrado, um bioma que está acabando sem que se conheça todo o potencial da sua biodiversidade. Seria interessante recuperar áreas contaminadas com plantas naturalmente adaptadas às condições climáticas e de solo da região”, apontou.
Divina constatou que a Galianthe grandifolia conseguiu absorver, em média, 120 miligramas de cádmio por quilo de matéria seca nos tecidos da parte aérea da planta e 300 miligramas por quilo (mg/kg) na parte subterrânea (xilopódio).
“Essa elevada capacidade a insere entre as plantas hiperacumuladoras de cádmio, aquelas capazes de acumular acima de 100 mg/kg do metal na matéria seca da planta. A espécie acumulou acima desse valor tanto na parte aérea como na parte subterrânea, com poucos danos ao seu desenvolvimento natural”, explicou.
Por isso, a Galianthe grandifolia acaba beneficiando o solo não só por retirar o metal, mas também por manter uma cobertura vegetal capaz de diminuir a lixiviação do metal para outras áreas. Para efeito de comparação, uma das plantas também consideradas hiperacumuladoras do metal, a Thlaspi caerulescens, consegue absorver 175 miligramas de cádmio por quilo de matéria seca em sua parte aérea.
As plantas analisadas por Divina foram coletadas em áreas do Cerrado na cidade de Itirapina, no interior de São Paulo. O experimento foi conduzido em casa de vegetação (estufa) a partir de solo coletado no próprio Cerrado com altas concentrações de alumínio e de cádmio.
Em seguida vários testes foram realizados, desde a taxa de crescimento da planta até alterações morfológicas e anatômicas ocasionadas pelo excesso de cádmio. Foi investigada ainda a presença de fungos em associação com as raízes das plantas, além de análises químicas do teor do metal.
Segundo a pesquisadora, a probabilidade de a Galianthe grandifolia ser capaz de absorver quantidades significativas de outros metais pesados é grande, devido às particularidades da espécie.
“Além da resposta positiva para o cádmio, ela apresenta um sistema subterrâneo resistente e se desenvolve naturalmente em solos com alta concentração de alumínio, metal fitotóxico para muitas plantas. Entretanto, essa hipótese precisaria ser confirmada com novos experimentos”, disse Divina.
Testes in situ
Além da Galianthe grandifolia, o trabalho de Divina envolveu o estudo de outra espécie de planta do Cerrado que também é caracterizada por apresentar um sistema subterrâneo espesso. Trata-se da Campuloclinium chlorolepis, que acumulou 22 miligramas de cádmio por quilo de matéria seca da parte aérea e 8 miligramas por quilo na parte subterrânea (raízes tuberosas).
“Apesar de essa espécie não ser considerada uma planta hiperacumuladora de cádmio, os resultados foram significativos. Para várias outras espécies de planta esses valores de absorção encontrados seriam extremamente tóxicos”, explicou.
O próximo passo do trabalho será fazer testes com a Galianthe grandifolia em solos contaminados com cádmio e outros metais pesados. “Estamos buscando parcerias para isso. Somente com os testes in situ poderemos chegar à proposta de uma nova técnica de fitorremediação propriamente dita”, disse Divina.
A pesquisadora do Instituto de Biologia da Unicamp explica que atualmente no Brasil os processos de fitorremediação (descontaminação do solo com plantas) são realizados, na maioria das vezes, com plantas geneticamente modificadas originárias de outros países.
Isso ocorre, segundo Divina, porque a fitorremediação é uma técnica bastante recente no Brasil, o que naturalmente estimula o uso de procedimentos bem estabelecidos nos países com maior experiência na área, levando ao emprego de plantas não-nativas.
“Essa tendência deverá mudar conforme as técnicas de fitorremediação forem popularizadas no país. O que leva ao uso de plantas não-nativas ou geneticamente modificadas é o desconhecimento do potencial de espécies nativas para absorção de metais pesados”, lembrou.
Pesquisas científicas na área com plantas geneticamente modificadas têm sido realizadas principalmente para desenvolver ou adaptar plantas para a fitorremediação. “Esses estudos ocorrem principalmente nos Estados Unidos e na Europa, porém ultimamente outros países vêm pesquisando esta tecnologia, como Canadá, Coréia do Sul e Japão”, disse.
Segundo ela, um exemplo está no Laboratório Nacional de Pesquisa em Fitorremediação na Coréia do Sul, onde recentemente cientistas transferiram um gene da levedura Saccharomyces cerevisiae para o DNA da Arabidopsis thaliana, planta modelo em pesquisas genéticas. “O gene da levedura conferiu à Arabidopsis tolerância a metais pesados como chumbo e cádmio. O resultado é uma planta transgênica capaz de absorver esses dois metais do solo”, disse Divina.
A pesquisadora ressalta ainda os efeitos nocivos do cádmio para a saúde humana. “Além das conseqüências para o ambiente pela contaminação de vegetais e animais por meio do solo, água ou ar contaminados, o cádmio tem caráter cumulativo nos organismos vivos.”
O cádmio, gerado por baterias de telefones celulares, pilhas, ou resíduos de indústrias, como as de tecido e plástico, ao contaminar o corpo humano causa disfunções como distúrbios renais, enfisemas pulmonares, osteoporose e vários tipos de câncer.
“E é justamente por não apresentar nenhuma função biológica que o cádmio é uma grande ameaça à saúde humana”, disse a pesquisadora, que foi orientada pelo professor Angelo Luiz Cortelazzo, também do Instituto de Biologia da Unicamp, com bolsa de doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).