Após quatro anos de contínua valorização do real, a indústria brasileira vive seu segundo choque cambial em duas décadas. Entre julho de 2004 e a mesma etapa de 2008, o real se valorizou frente ao dólar 58,26%. Se por um lado essa situação ainda é alvo de reclamações pelo desestímulo às exportações, principalmente dos setores não produtores de commodities, por outro, tornou barata a importação de bens de capital que vão modernizar os parques fabris. “A indústria está tendo como solução aproveitar o processo para se modernizar, além de aprender a conviver com essa situação”, afirma Antônio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
Levantamento feito pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) mostra que, em valores nominais, as compras desses produtos somam US$ 16,26 bilhões nos primeiros seis meses deste ano, valor próximo aos US$ 18,92 bilhões registrados em todo o ano de 2006. Em 2007, o volume de importações de bens de capital chegou a US$ 25,12 bilhões. A participação no geral importado, entretanto, se mantém constante em torno de 20% desde 2005. Houve leve queda entre o ano passado e este de 20,82% para 20,57%.
José Augusto de Castro, vice-presidente da entidade, faz uma leitura mais específica e considera a rubrica maquinaria industrial como a que apresenta melhor noção dos investimentos industriais. Nesse item, a fatia da totalidade das compras apresenta crescimento modesto. Em 2004, primeiro ano em que o movimento de desvalorização do dólar frente ao real teve início, o percentual foi de 5,2%, subiu para 5,8% no ano seguinte, manteve-se no mesmo patamar em 2006. Passou para 6,1% em 2007 e está em 6,3% até junho passado.
A participação desses desembarques já foi bem maior: em 2001 era de 8,7%, chegaram a 9,2% em 2002, recuando para 7,1% em 2003. “Pela lógica, há muito estímulo para que essas importações ocorram, como o câmbio, prazos de financiamento mais longos, juros externos menores e maior tecnologia”, diz José Augusto. “No entanto, a participação de maquinaria industrial no total das importações não explode como era esperado”.
Júlio Gomes de Almeida, consultor do consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), contemporiza explicando que essa fatia apresenta expansão modesta porque o total das compras externas tem aumentado em todos os outros itens. O volume de importações na média diária vem crescendo a um ritmo que chega ao dobro do apurado nas exportações.
Problemas de dosagem
“A valorização não é ruim para o País porque proporciona a importação mais barata de bens de capital e a modernização dos parques industriais. Mas aí é ponto. O problema está na dosagem dessa valorização”, diz Almeida.
Pelos seus cálculos, no ano passado houve aumento acumulado do valor do real frente ao dólar de 17% e, só neste ano, já chega a 10%. “Com o excesso de apreciação não há competitividade que resista”.
Para o consultor, se a relação entre real e dólar chegasse a R$ 1,80 seria possível continuar importando, uma vez que a indústria não consegue produzir o necessário para atender a toda demanda atual e não desestimula-ria tanto. “A indústria nacional não está caída, mas está perdendo oportunidades”.
Lacerda diz acreditar que a situação cambial não vai mudar radicalmente e nem por agora, assim, no curto prazo, o dólar deverá continuar custando algo em torno de R$ 1,60. Segundo o economista, esse patamar deve ser corrigido em algum momento, principalmente com o aprofundamento do déficit em transações correntes. “Esse câmbio incentiva a importação de bugigangas”, afirma.
Insensibilidade cambial
Apesar de a questão cambial trazer consigo, não só o lado positivo de barateamento de preços para a modernização, mas também a maior concorrência interna em vários segmentos, nesses últimos cinco anos, a produção física da maior parte da indústria cresceu a um ritmo de dois dígitos (ver tabela acima). Na ponta de maior evolução está a produção de máquinas para escritório e equipamentos de informática, com expansão de 148% no período, seguida pelo setor de veículos (91%). O setor de máquinas e equipamentos também desponta, com 54,8% de alta acumulada.
O gerente do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), André Rebelo, ressalta que os setores de madeira, calçados e vestuário mais têm amargado retração. No acumulado desde 2004, madeira apresenta recuo de 11,2%, calçados, 8,3%. Já vestuário cresce, mas apenas 2,9%.Porém, ele admite que esses são os setores mais sensíveis às variações cambiais.
Gostou? Então compartilhe:
Últimas notícias de Mercado