Em 1961, um imberbe Emerson Fittipaldi ainda não exibia as esvoaçantes costeletas que adotou na década seguinte, quando fez fama mundial com os dois títulos da Fórmula 1. O Fittipaldi de 1961 tinha em comum com o atual, talvez, o esboço do sorriso largo, moldado em décadas de exposição e papéis de garoto-propaganda. É verdade que resquícios da setentista costeleta ainda emolduram seu rosto, mas, antes dela, o Emerson de 1961, aos 14 anos, tinha em comum com o atual, de 61, o etanol.
Na condição de campeão da Fórmula Indy uma vez e vencedor em duas oportunidades da mítica prova das 500 milhas de Indianápolis, mas também de empresário do setor, Fittipaldi acabou se transformando em uma espécie de defensor extra-oficial do etanol brasileiro nos Estados Unidos.
Guiou um Corvette movido a etanol na abertura das 500 milhas do último domingo, construído especialmente para a oportunidade. No dia 25 de junho, a convite do governo da Flórida, falará sobre o tema em uma conferência sobre clima e energia limpa em Miami - o palestrante do evento em 2007 foi o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger. Em defesa do etanol, voltará a guiar um carro-madrinha na Indy em agosto, na prova de Detroit.
A verve de garoto-propaganda - que já promoveu de pneus a redes de fast-food -, como se vê, permanece, e agora em defesa de um tema que o acompanha há quase meio século. Naquele 1961, disputou com uma italiana Mondial, movida a álcool por iniciativa dele próprio, o campeonato paulista de motociclismo para iniciantes.
Era piloto e mecânico de sua própria moto. Punha mãos à obra também nos carros de competição guiados por seu irmão mais velho, Wilson Fittipaldi Júnior, e de José Carlos Pace, piloto de Fórmula 1 falecido em 1977 e que atualmente empresta seu nome ao autódromo de Interlagos, em São Paulo.
Foi para tentar melhorar o desempenho de sua Mondial que Emerson resolveu injetar etanol no tanque. O etanol nem era etanol, nome hoje mais difundido e que soa como futuro da humanidade para seus entusiastas e, para seus detratores, responsável pela inflação da Tailândia, pelo desmatamento da Amazônia brasileira e a fome em Burundi. Era álcool etílico.
A obtenção do álcool etílico exigia encomenda antecipada, feita ao grupo Herzog. O combustível vinha em latas quadradas de cinco litros, parecidas com galões de tinta. Como a moto e os carros de Wilson e Pace não eram flex - o termo sequer existia na indústria automobilística e é possível que soasse como uma variante Flash Gordon, o herói dos quadrinhos -, foram necessários ajustes nos motores. Mudou-se a regulagem do carburador, aumentou-se a compressão, apertou-se a rebimboca e soltou-se a parafuseta.
"Comecei a ganhar corridas sem parar. Depois disso, proibiram o uso do álcool", garante.
É comum associar o início da relação de Fittipaldi com o setor sucroalcooleiro à criação da equipe Copersucar. A escuderia, nascida em 1975, encerrou as atividades em 1982 sem vitórias, mas com três pódios e feitos como ter superado Williams, Renault e McLaren no mundial de construtores de 1978 e a Ferrari no campeonato de 1980.
Em paralelo com a empreitada da Copersucar, o piloto passou a investir em laranjais. Mantém uma área de quase 2 mil hectares na região de Araraquara (SP). "Vencedores bebem leite", diz o lema das 500 milhas de Indianápolis. Pois Fittipaldi, antes do leite, bebeu suco de laranja em sua segunda vitória no circuito, em 1993.
Se ainda participasse da Indy, em uma eventual nova vitória, poderia soltar um "vencedores usam etanol", combustível adotado por todas as equipes desde a temporada de 2007. Falaria pelo motor de sua Mondial da adolescência, pela equipe que montou na Fórmula 1 na década de 70 e por seus próprios negócios.
Fittipaldi pretende inaugurar em 2010 uma usina de etanol em Maracaju (MS), um projeto de US$ 395 milhões que tem como sócios Bertin, BVA e o pecuarista José Carlos Bunlai. Em Minas Gerais, o plano anunciado em 2006 era de três usinas, mas Fittipaldi afirma que os esforços serão concentrados na unidade de Uberlândia, sobre a qual o foco crescerá quando a de Maracaju for concluída. O protocolo de investimento assinado com o governo mineiro previa desembolso de R$ 200 milhões em cada usina.
"Queremos expandir esse mercado nos Estados Unidos. Existe potencial para isso", avalia o empresário. Ainda que com barreiras tarifárias, os americanos compraram cerca de metade dos 3,5 bilhões de litros de etanol que o Brasil exportou em 2007. Os EUA, que usam o milho como matéria-prima, já produzem mais etanol que o Brasil, mas o número de postos que oferecem o produto, na casa das centenas, ainda é uma ínfima parte do universo total, em torno de 150 mil. Enquanto os usineiros brasileiros trabalham para explicar que a Amazônia não fica em São Paulo, pólo sucroalcooleiro do país, e o governo se desdobra para provar que o etanol é alternativa efetivamente viável de combustível, Emerson Fittipaldi fala do tema como sempre fez: acelerando. Desde 1961.
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