O francês Bernard Charlès abre o laptop e mostra uma versão virtual de sua imagem. Na tela, um boneco digital com seu rosto - bem mais acabado que os avatares que habitam a rede social Second Life - fala sobre projetos de tecnologia a clientes e parceiros. Mas Charlès logo adianta: "Isso é uma ferramenta de trabalho, não o mundo virtual do Second Life, algo em que não acredito. As pessoas querem saber é da 'First Life', é o que realmente importa".
Charlès fala com conhecimento de causa. É ele o executivo que, desde 1995, está à frente das operações globais da francesa Dassault Systèmes, uma das maiores do mundo no setor de sistemas 3D, usados para criar e testar uma infinidade de produtos por meio de imagens geradas em computador. A virtualização, aqui, tem aplicação prática. Os programas da companhia estão presentes no desenho da embalagem - e até do espaguete - da italiana Barilla. Em outro extremo, seus sistemas ajudam engenheiros de companhias como Volkswagen a desenhar e testar veículos. Antes de ir ao ar, aviões da Boeing e Embraer também são testados por seus sistemas.
Estar por trás de projetos tão distintos faz com que a Dassault (pronuncia-se "dassô") seja uma daquelas companhias presentes no cotidiano de muita gente, mas pouco conhecida da maioria delas. Na América Latina, essa discrição é ainda mais forte devido à parceria que a companhia detém com a IBM, que representa seus sistemas na região. Essa falta de exposição, porém, está para acabar.
Há oito meses, a Dassault decidiu encerrar a exclusividade dada à IBM e entrou diretamente no mercado. "Decidimos trabalhar de forma independente. Há um mercado enorme pela frente e nós queremos crescer rápido; temos que tomar conta do próprio destino", disse Bernard Charlès.
Nesta semana, o executivo viaja por países da América Latina, região onde, há apenas alguns meses, a empresa não tinha sequer um parceiro de distribuição além da IBM. Hoje são 29 companhias treinadas e preparadas para distribuir seus sistemas. "No Brasil, já temos oito redes de canais e logo chegaremos a dez parceiros espalhados pelo país", comenta Marcelo Lemos, presidente da companhia para a América Latina. Os acordos também vêm sendo amarrados com o meio acadêmico. Ao todo, 61 universidades da região tem convênio para usar os sistemas de CAD (sigla em inglês para desenho auxiliado por computador) em seus cursos de engenharia.
A Dassault, explica Charlès, mantém sua parceria com a IBM, que continuará a trabalhar com os produtos da companhia para atender clientes de grande porte. Os novos canais de distribuição tendem a se voltar para companhias menores.
Também faz parte do plano diversificar as fontes de receita. A Dassault Systèmes, que nasceu como um braço da companhia Dassault Aviation, tem hoje a maior parte de sua receita atrelada a projetos das indústrias aeroespacial e automobilística. Seus sistemas, no entanto, estão divididos em 11 setores. "Quando falamos de sistemas 3D vemos que, hoje, a indústria em geral está cerca de um quarto de século atrás do setor aeroespacial", comenta Charlès. "Há um mercado muito grande pela frente, em áreas como bens de consumo, por exemplo."
Segundo o executivo, estima-se que o mercado mundial de software 3D movimenta cerca de US$ 60 bilhões por ano. As motivações para se gastar tanto dinheiro com software variam conforme a indústria. Charlès cita o exemplo da gigante Procter & Gamble, que nos últimos três anos economizou mais de US$ 1 bilhão em aquisição de material de pesquisa a partir do uso dos sistemas. "Numa montadora como a Volkswagen, por exemplo, a motivação não é economia, exatamente, mas a criação do design e a rapidez em colocar um modelo novo no mercado."
Ontem, a Dassault divulgou seus resultados financeiros do primeiro trimestre. A companhia, que conta com mais de 100 clientes em todo o mundo, registrou lucro de 40,6 milhões de euros, ante 32,9 milhões de euros no mesmo período de 2007. A receita saltou de 290,9 milhões de euros para 307,4 milhões de euros. No ano passado, empresa cresceu 15%, com faturamento total de 1,2 bilhão de euros.
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