* Duzentos anos se passaram desde a vinda da família real portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos às nações amigas. De colônia a matriz de empresas multinacionais, mudanças ocorreram no país, não só na economia, mas na mentalidade do povo brasileiro.
Em 1808, Portugal estava dividido entre a lealdade e os compromissos com a Inglaterra e o medo da França e da invasão napoleônica; era um país pobre, econômica, cultural e politicamente. Lisboa constituía mero entreposto colonial, pois as riquezas que vinham das colônias, principalmente do Brasil, ali sequer paravam e iam direto para a Inglaterra.
O Brasil Colônia era um amontoado de regiões, mais ou menos autônomas, algumas mais desenvolvidas, outras menos, com uma população pobre e analfabeta. Em São Paulo, menciona Laurentino Gomes, apenas 2,5% dos homens livres, em idade escolar, eram alfabetizados. A existência de uma pequena elite intelectual, como os mineiros da Inconfidência, era verdadeira proeza pois tudo se proibia e censurava.
O livro de Laurentino faz várias conjecturas sobre o que seria do país se D. João não tivesse transferido a Corte para o Brasil; provavelmente um mosaico de países vizinhos, unidos apenas pelo idioma.
Conjecturas à parte, hoje temos um país que, com todas as suas contradições, é uma economia emergente, player importante no cenário internacional. Um país cujas empresas estão se internacionalizando, tardiamente, como ocorre no grupo dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), aprendendo a ser multinacionais, depois de um século de conviverem e competirem com as multinacionais americanas, européias e japonesas no território brasileiro.
Em 2006, pela primeira vez, o fluxo de investimentos para o exterior superou a recepção de investimentos diretos no país e as multinacionais verde-amarelas ocuparam espaço crescente na mídia nacional e internacional.
Do lado financeiro diversos são os fatores apontados como favoráveis a este boom, como o real valorizado contribuindo para a expansão das companhias, a liquidez internacional e a captação de recursos expressivos por meio da abertura de capital em bolsa de valores.
Mas do lado da gestão destas empresas, como por exemplo, da relação da matriz com a subsidiária, da gestão das pessoas que vão do Brasil para o exterior, ou de lá para cá, será que esta aprendizagem está acontecendo?
Fui estudante na célebre geração 68, época em que que bradávamos nas ruas contra o governo militar e também contra o poderio das multinacionais americanas no país.
Mais tarde, como pesquisadora, procurei saber realmente o que acontecia e em que medida as subsidiárias brasileiras eram importantes no jogo político corporativo.
Em meus estudos, encontrei um quadro bastante diversificado, com subsidiárias de empresas estrangeiras desenvolvidas tecnologicamente, exemplos na gestão de pessoas, "benchmark" para as empresas nacionais e, por outro lado, empresas que se aproximavam do modelo "maquila", gerenciadas por executivos sem qualquer respeito ou sensibilidade cultural pelo País, tratando os brasileiros como nativos ignorantes.
Se as nossas empresas aprenderam com a competição acirrada das multinacionais americanas, européias, japonesas, coreanas, em nosso país, será que aprenderam também com os exemplos positivos e negativos de como gerenciar em terra alheia?
Em uma pesquisa realizada na FEA e na Poli/USP, entre as empresas multinacionais brasileiras (30 empresas) e suas subsidiárias (65) observamos que as empresas aprenderam sim a competir e desenvolver competências tecnológicas, de produção, logística, para concorrer e sobreviver no mercado doméstico, principalmente após a década de 90, com a segunda abertura dos portos às nações amigas. Ao se internacionalizarem, estas competências são também importantes.
Mas, em termos de gestão, de aprender a se tornar matriz e lidar com as suas subsidiárias o quadro se mostrou diverso. As multinacionais verde-amarelas querem controlar e pouco concedem às subsidiárias em termos de autonomia e iniciativa; apenas 7% das empresas subsidiárias pesquisadas afirmaram que têm iniciativa para desenvolver novos produtos, assumir responsabilidades, desenvolver novos negócios, atividades.
É claro que existem exceções, ou de empresas com mais tradição e experiência e que aprenderam na carne que precisam autonomizar sua subsidiária, ou empresas que justamente compraram subsidiárias em países desenvolvidos, para aprender tecnologicamente com elas.
E há também o caso das subsidiárias "rebeldes" que vão tomando iniciativas, sendo empreendedoras, independente da matriz (mal comparando, são as subsidiárias inconfidentes).
Para as nossas empresas se desenvolverem, ascenderem na curva de valor e atuarem nos países que as recebem de forma positiva, precisam aprender a gerenciar suas subsidiárias.
Desenvolver novos modelos de gestão, aprender a gerenciar de forma integrada, aproveitar as oportunidades que as subsidiárias identificam, são caminhos para as empresas brasileiras se posicionarem neste novo cenário globalizado e turbulento.
kicker: As multinacionais brasileiras ainda precisam aprender a agir como matrizes.
*Maria Tereza Leme Fleury - Professora titular da FEA/USP e da FIA.
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