Mudança climática: Lula quer flexibilidade dos ricos

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O mundo industrializado terá de cumprir o Protocolo de Kyoto e ser flexível nas negociações comerciais para que a humanidade possa enfrentar com êxito a mudança climática e “os pobres não continuem pobres” por muito tempo, disse ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao discursar no Fórum de Legisladores do G8+5 (países ricos e emergentes), Lula fez uma forte defesa dos biocombustíveis como uma alternativa que combina mitigação da mudança climática e também da pobreza.

Entre os 50 países mais pobres, 38 são importadores de petróleo e, portanto, sofrerão mais gravemente a alta dos preços internacionais do produto, ressaltou o Presidente. A energia gerada por produtos agrícolas é uma “oportunidade histórica” nesta fase de transição para novas fontes, além de “melhorar a distribuição da riqueza mundial” ao somar segurança energética a benefícios sociais e aumento da renda e do emprego entre os pobres dos países em desenvolvimento, acrescentou. Mas, é “uma revolução que somente se concretizará se os países ricos abrirem seus mercados, reduzindo seus subsídios agrícolas”, alertou Lula em seu discurso no fórum de dois dias encerrado ontem.

Essa é uma reclamação dos países em desenvolvimento que, ao não terem respostas satisfatórias dos Estados Unidos, da União Européia e do Japão, bloqueia as negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio, para uma maior liberalização comercial global. Lula respondeu às acusações de que os biocombustíveis tiram terras da produção de alimentos dizendo que o Brasil conta com 60 milhões de hectares de pastagens abandonadas, desmatadas, que já não servem ao gado e que podem ser recuperadas plantando cana-de-açúcar e oleaginosas destinadas ao biodiesel.

O Brasil produz etanol que responde a um terço do combustível consumido por automóveis no País, além de exportar mais de três bilhões de litros por ano, tudo isso com uma plantação que representa menos de quatro milhões de hectares. Além disso, seu rendimento foi multiplicado por quatro desde 1975, quando o Brasil iniciou o plano nacional de substituição da gasolina pelo álcool, e continua crescendo, disse Lula. A “inflação dos alimentos” que ocorre em todo o mundo se deve mais ao aumento do consumo por parte de populações, como na China, Índia e em outros países menos povoados que ampliaram sua renda, disse diante das críticas à alta de preços agrícolas atribuída ao uso de grãos para fabricar etanol e biodiesel.

Grande parte das críticas que caem sobre os biocombustíveis se deve ao uso nos Estados Unidos e na União Européia do milho, outros grãos e da beterraba para produzir etanol e biodiesel, com alta proteção tarifária e subsídios. Essa situação estaria dificultando o desenvolvimento dos biocombustíveis e, por conseqüência, o combate contra a pobreza em países tropicais, como os africanos e centro-americanos. Tanto Lula quanto a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aproveitaram o Fórum para explicar as medidas de redução do desmatamento amazônico e defender a proposta que apresentaram, de um fundo para remunerar o serviço ambiental que é a preservação das florestas tropicais.

O Fórum reuniu legisladores do G8+5 (O Grupo dos Oito países mais ricos e poderosos do mundo e os cinco emergentes: Brasil, China, Índia, México e África do sul). O encontro foi promovido pela Organização Global de Legisladores por um Ambiente Balanceado (Globe, sigla em inglês) e pela Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (COM+). Esta última congrega organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, e entidades dedicadas à comunicação, como a IPS (Inter Press Service) e a rede de rádio e televisão britânica BBC.

Biocombustíveis e florestas foram os temas centrais do Fórum que aprovou recomendações que serão apresentadas na Cúpula do G8, em julho, no Japão. Mas, não houve acordo sobre um assunto mais amplo como o Contexto Regulatório sobre Mudança Climática Pós-2012, cuja discussão continuará às vésperas dessa reunião de países poderosos. O primeiro tema foi o mais polêmico pela presença dos governantes brasileiros e representantes de empresas produtoras, como a Petrobras, que ampliou suas atividades no campo energético em geral, e a União da Indústria da Cana de São Paulo (Unica), todos interessados em abrir os grandes mercados para um produto que, no curto prazo, somente o Brasil tem condições de exportar em grande escala.

O esforço brasileiro em convencer os parlamentares não evitou que o documento aprovado fosse menos afirmativo do que o proposto. Reconhece a liderança do Brasil no campo da produção de etanol, mas condiciona a certificações internacionais uma expansão de seu comércio. O debate destacou dúvidas sobre a validade dos biocombustíveis para mitigar a mudança climática, bem como os riscos que implica essa produção na segurança alimentar em muitos países, ao tirar terras de cultivo alimentar e desviar grãos para o setor dos combustíveis.

Foi essa discussão que motivou a longa argumentação de Lula e outros delegados brasileiros em favor do etanol de cana-de-açúcar, mais eficiente do que matérias-primas usadas nos Estados Unidos e na Europa e estimuladas com subsídios e proteção do mercado. Os representantes brasileiros insistem que em países tropicais pobres, como os africanos, também há muita terra disponível e que a produção agroenergética contribuiria muito com o combate à pobreza, principal causa da fome.

A existência de leis reguladoras e certificações reconhecidas de produtos florestais permitiu um consenso menos difícil nas recomendações dos parlamentares sobre o modo de corrigir a extração ilegal de madeiras. As propostas a serem apresentadas ao G8 compreendem desde a criação de um sistema global que reconheça mecanismos nacionais de controle de madeiras produzidas legalmente, até o esforço de mercados legítimos e sustentáveis para esse setor e financiamentos de atividades com manejo florestal. A idéia é que medidas do G8 seriam decisivas para promover uma exploração legal, transparente e sustentável de madeiras no mundo.

A ministra Marina Silva destacou que o Brasil reduziu em 59% o desmatamento amazônico nos três últimos anos e confia em reverter a tendência de aumento registrado nos últimos meses com medidas de repressão e também em infra-estruturas, que podem tornar mais vantajoso manter “as florestas em pé” do que cortá-la para agricultura e pecuária. Durante os debates, muitos parlamentares aproveitaram para defender seus países. O chefe da delegação chinesa, Chão Baochung, se queixou de “informações incorretas”, dizendo que 30% das emissões de gases causadores do efeito estufa atribuídos ao seu país são gerados fora, na produção de componentes montados na China.

O norte-americano Edward Markey destacou as últimas medidas implementadas por Washington, como a que exige aumento da eficiência energética dos veículos e altos investimentos em pesquisas para produção de biocombustível de celulose, a chamada segunda geração. Mas Lula, que na verdade deveria falar na abertura do Fórum, preferiu ter a última palavra e por isso só compareceu à penúltima sessão para acusar os países industrializados de descumprirem compromissos assumidos no Protocolo de Kyoto. Também atribuiu ao mundo rico o fato de por obstáculos a iniciativas como a do biocombustível, que, segundo o Presidente, contribui para a segurança energética, a mitigação da mudança climática e a redução da pobreza, isto é, para um mundo menos desequilibrado.