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Ser cientista é viver catarses criativas e constantes ensaios científicos que ultrapassam os limites de uma jornada profissional padrão. A necessidade de dedicação integral à pesquisa, aliada a discrepâncias sociais e dificuldades para conciliar rotinas doméstica e familiar, tornam a missão ainda mais desafiadora para mulheres. Apesar disso, nos últimos 11 anos, a presença feminina em cursos superiores científicos no Brasil aumentou exponencialmente.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 2010 e 2021, o número de alunas que concluíram cursos superiores nas áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, na sigla em inglês) aumentou 96%, com um salto de 37.005 para 72.791. No mesmo período, o total de ingressantes também cresceu, indo de 108.522 para 242.275, o que significa um crescimento de 132%.
Para dar mais visibilidade ao papel e às contribuições fundamentais das mulheres nas áreas de pesquisa científica e tecnológica, o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência é comemorado todo dia 11 de fevereiro, desde 2015, quando foi instituído pela Assembleia das Nações Unidas.
No Brasil, ainda que estejam em vantagem em relação ao acesso ao ensino superior de forma geral, como também aponta a edição de 2022 do Estatísticas de Gênero - Indicadores sociais das mulheres no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), as mulheres enfrentam barreiras em determinadas áreas do conhecimento, notadamente as mais ligadas às ciências exatas e à esfera da produção.
Um caminho percorrido pela engenheira de produção Monalisa Cristina Moura dos Santos, de 27 anos e, desde 2021, pesquisadora industrial assistente do Instituto SENAI de Inovação em Tecnologias da Informação e Comunicação, de Pernambuco. A formação acadêmica da doutoranda pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) possibilita atuações em projetos ligados, por exemplo, a modelos de Inteligência Artificial de baixos custos e confiabilidade de sistemas, com foco na indústria.
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“Desde o Ensino Médio tive vontade de ter experiência na área de inovação e pesquisa, e sempre contei com apoio familiar, especialmente da minha mãe, para ser uma profissional que transitasse em vários ambientes. Na faculdade fui orientada por uma mulher cientista e isso me deu ainda mais motivação para seguir na especialização”, conta Monalisa.
Mesmo com predomínio masculino nas áreas científicas, entre 2010 e 2021, as mulheres foram maioria no ingresso (88%) e se igualaram aos homens na conclusão (35%) de curso de formação superior, como aponta a análise Evolução das Mulheres no Ensino Superior, realizada pela Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Também compete às mulheres a maior taxa de permanência na graduação em STEM, com média feminina de 77,5 % frente a 73% de média masculina.
O Censo da Educação Superior de 2021 revelou que as mulheres correspondiam a apenas 13,3% das matrículas nos cursos presenciais de graduação na área de Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação, e 21,6% na área de Engenharia e profissões similares. Já nas áreas relacionadas ao cuidado, a participação feminina é muito maior. Na área de Bem-Estar, que inclui cursos como Serviço Social, a participação feminina nas matrículas foi de 88,3% em 2019.
Nas áreas de Ciências Exatas, Engenharias e Computação a desigualdade é maior. Os homens assinam 75% dos artigos nas áreas de Computação e de Matemática. Esse resultado se deve a diversos obstáculos, em especial nas áreas de STEM para o acesso, permanência e ascensão de mulheres nas carreiras científicas e tecnológicas.
Maria Fernanda Torres Lins Faiçal tem 43 anos, nasceu e mora em Salvador e é graduada em Engenharia Civil e em Engenharia de Segurança do Trabalho. Ela atua há 17 anos no Departamento Regional do SESI na Bahia e atualmente ocupa o cargo de Gerente de Negócio da área de Segurança do Trabalho. O que mais gosta na profissão que escolheu, conta, é a possibilidade de fazer parte de um movimento, um processo de transformação.
“Eu sempre gostei muito de modificar, e acho que a Engenharia me dá isso. Não quero fazer o mesmo de sempre, quero transformar para melhorar, quero deixar um legado”.
O trabalho de Maria Fernanda tem impactos sociais e econômicos, como a redução dos riscos de acidentes de trabalho, a redução de contenciosos legais e a melhoria da produtividade.
Na avaliação da diretora de Inovação da CNI, Gianna Sagazio, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que sejam estabelecidos patamares equivalentes para homens e mulheres em termos de acesso, oportunidades, direitos e reconhecimento.
“Há muitas razões para que se invista na promoção da igualdade de gêneros e no empoderamento das mulheres, combatendo a discriminação, os preconceitos e as barreiras enraizadas na sociedade por meio de ações que abranjam a forma de criação de meninas e meninos, os estímulos e oportunidades nos diversos níveis educacionais e as possibilidades profissionais oferecidas pelo mercado de trabalho”, destaca a diretora de Inovação da CNI.
Com o envolvimento de líderes empresariais de todas as regiões brasileiras, a MEI une forças para garantir mais engajamento de mulheres e, assim, dar mais diversidade em lideranças de negócios da indústria brasileira. Atualmente, 30 empresárias atuam no movimento como conselheiras com um objetivo central: investir na promoção da igualdade de gênero.
Levantamento da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Previdência, indica que a participação das mulheres no acumulado de empregos na indústria aumentou menos de 1%, no comparativo de 2010 (23,4%) a 2020 (24,2%).
Ao analisar por setor industrial, nas áreas de eletricidade, gás e outras utilidades as mulheres respondem por 18,3% dos postos de trabalho em 2020. O crescimento acumulado de vagas ocupadas por mulheres em uma década foi de 6,9%, indo de 22.424, em 2010, para 23.977, em 2020.
Com mais de 20 anos de carreira, Zenilde das Graças Guimarães é doutora em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem trajetória de destaque em órgãos ambientais do estado e, desde 2014, atua no Centro de Inovação e Tecnologia do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), de MG. Atualmente, ela é responsável por uma equipe de 225 profissionais, desde auxiliares de laboratório a analistas de pesquisa.
“A Química está presente em todos os meus projetos, desde muito cedo. Decidi me dedicar integralmente ao SENAI pela identificação com o trabalho, de atuar no operacional e estar em contato rotineiro com os laboratórios. E ainda conseguir seguir atuando em pesquisas na área ambiental”, ressalta a gerente de Metrologia, Serviços Tecnológicos, Consultoria e Treinamento do CIT SENAI/MG.
Na formação profissional, o SENAI tem um volume de capacitação de mulheres (37%) maior do que a participação de mulheres no mercado de trabalho (24,2%). Na outra ponta, na rede de Institutos SENAI de Inovação, pesquisadoras mulheres representam 35,7% do quadro de docentes responsáveis por projetos com abrangência em todo território nacional.
Em 2018, quando entrou no Instituto SENAI de Inovação em Sistemas Avançados de Saúde, na Bahia, a pesquisadora líder Milena Botelho Soares já era uma referência em pesquisa avançada sobre imunologia no Brasil. Ela participou da criação da Associação Brasileira de Terapia Celular e Gênica (ABTCel-Gen), concluiu doutorado sanduíche na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade Harvard (EUA), além de ter participado de estudo pioneiro, no país, sobre o uso de células tronco como tratamento para doenças crônicas e lesões traumáticas.
Para Milena, a abdicação faz parte da ciência, principalmente quando se trabalha com ciências biológicas. “E mais do que isso. Quem tem envolvimento com a ciência nunca desliga, e sempre tem que estar à disposição por ser um trabalho criativo. A ciência é dinâmica e muito gratificante, sobretudo, quando alcançamos resultados que beneficia diretamente a vida de pessoas”, ressalta.
A estruturação do Instituto SENAI de Inovação em Biomassa, em Mato Grosso do Sul, contou com a expertise da mestre em Química Ambiental Layssa Aline Okamura, de 35 anos, que, desde 2015, atuou em 80% de todos os projetos desenvolvidos pela unidade. A pesquisadora chefe lidera cerca de 50 pessoas, entre eles nove pesquisadores, cinco analistas e toda a rede de bolsistas em atuação no ISI. “Eu tenho uma equipe bem diversificada e vejo que as mulheres são mais multitarefas e detalhistas. E no SENAI você trabalha de forma transversal, com o estímulo a capacidades técnicas e de gestão”, avalia.
O espaço das mulheres nas áreas de STEM é conquistado dia após dia. Levantamento feito pelo projeto Open Box da Ciência, vinculado à associação Gênero e Número, apontou que, no Brasil, 40,3% dos pesquisadores que declararam ter doutorado na Plataforma Lattes - canal criado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - são mulheres.
Os números exemplificam o amplo interesse científico de milhares de brasileiras. No caso de Marla Dias, essa paixão surgiu na adolescência, quando a catarata atingiu a avó e o pai da jovem de 18 anos, ex-aluna do Serviço Social da Indústria (SESI) José Carvalho em Feira de Santana (BA). A doença é responsável por 51% dos casos de cegueira no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Diante da limitação dos tratamentos, a jovem começou a pesquisar soluções, em 2021, e descobriu o brócolis como um antioxidante que pode retardar em mais de 20 anos os efeitos da catarata. O projeto foi finalista da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) e do 12º Encontro de Jovens Cientistas (EJC), realizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente, o colírio passa pelos processos de extração dos antioxidantes - já tendo extraído com êxito um dos quatro – e testes in vitro (fora do organismo vivo).
A pesquisadora planeja dar continuidade ao projeto na faculdade. A jovem cursará biomedicina e pretende trabalhar com desenvolvimento de vacinas.
“Me aprofundar nesses estudos foi muito importante, pois foi a partir disso que me apaixonei por pesquisa e encontrei o meu maior objetivo: mudar a vida das pessoas a partir da inovação científica. Por isso, mesmo com dificuldades, é importante que meninas que querem ser cientistas confiem em seu potencial e continuem derrubando as barreiras impostas pela sociedade”, declara a futura biomédica.
A última edição do relatório Progresso no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Panorama de Gênero 2022, da ONU Mulheres - entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres, retrata um cenário global preocupante: somente 19,9% dos profissionais da Ciência e da Engenharia são do gênero feminino.
No mundo, mulheres também são minoria entre estudantes de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, com 35%. E em cursos relacionados à Tecnologia, apenas 3%. Em todos os países, o retrato social desestimula meninas a seguirem carreiras científicas e matemáticas. Uma das conclusões do estudo indica que professores e pais, intencionalmente ou não, perpetuam preconceitos em torno de áreas de educação e trabalho mais “adequados” a mulheres e homens.
Em mensagem mundial divulgada para marcar a efeméride do dia 11 de fevereiro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, enfatizou que mulheres e meninas trazem diversidade para a pesquisa, expandem o grupo de profissionais da ciência e fornecem novas perspectivas para ciência e tecnologia, beneficiando a todos. Mesmo assim, “apenas um em cada cinco profissionais que trabalham com Inteligência Artificial é mulher”. “Todos nós podemos fazer nossa parte para liberar o enorme talento inexplorado de nosso mundo – começando por encher salas de aula, laboratórios e salas de diretoria com mulheres cientistas”, enfatiza Guterres.
*Imagem de capa: Depositphotos
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