Fonte: Envolverde - 07/11/07
A mudança climática pode representar, mais do que qualquer outro fenômeno, “um dos maiores desafios para a política externa e a segurança nacional” dos Estados Unidos, segundo dois influentes grupos de estudo deste país. “A era das conseqüências: implicações da mudança climática para a política externa e a segurança nacional” é o título de um informe de 119 paginas publicado pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais e pelo Centro para uma Nova Segurança Norte-americana (CNAS).
Entre as conseqüências da mudança climática, o pior que pode ocorrer, “verossímil” devido às últimas estimativas, é que se registre um “desequilíbrio virtual em todos os aspectos da vida moderna”, de acordo com a conclusão das duas instituições. “A única experiência comparável para muitos dos pesquisadores seria considerar as conseqüências de uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética em plena Guerra Fria”, diz o estudo, divulgado na segunda-feira.
O aumento da temperatura e do nível do mar em razão da mudança climática provavelmente determine “migrações humanas em grande escala, tanto dentro dos países quanto de uma nação a outra’, mesmo nos melhores cenários. As conseqüências da seca e o derretimento dos gelos em algumas partes provavelmente também causem grandes deslocamentos populacionais. “As situações mais graves trazem consigo a possibilidade de, talvez, milhares de milhões de pessoas terem de ser reassentadas no médio e longo prazos”, segundo o informe.
Toda migração maciça desencadearia, quase com certeza, grandes tensões regionais e exigiria esforços cada vez mais draconianos por parte dos países ricos para evitar a entrada de imigrantes em seus territórios. “O aquecimento do planeta pode desestabilizar o mundo”, afirmou o presidente do CNAS, Kurt Campbell, que foi subsecretário da Defesa no governo do presidente Bill Clinton (1993-2001). “Considero que isto rapidamente se transformará em um assunto determinante de nossa época”, acrescentou.
A divulgação do documento coincide com a apresentação no Congresso norte-americano, controlado pelo opositor Partido Democrata, de projetos para reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa em centrais de energia, fábricas e automóveis em até 60%, em relação aos índices atuais, até o ano de 2050. O estudo pretendeu cobrir o que Campbell considera uma falta “surpreendente e alarmante” de conhecimento sobre as conseqüências geopolíticas da mudança climática na comunidade vinculada à segurança nacional dos Estados Unidos.
O documento foi divulgado após o ex-vice-presidente Al Gore (1993-2001) e o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) eram os ganhadores do Nobel da Paz por seus esforços em conscientizar sobre esse fenômeno e suas possíveis conseqüências. O IPCC foi criado em 1988 pela Organização das Nações Unidas para avaliar as informações científica, técnica e sócio-econômica relevante na compreensão da mudança climática, seus efeitos excepcionais e as opções de adaptação e mitigação.
As últimas pesquisas divulgadas pelo IPCC em fevereiro sobre a relação entre a atividade humana e o aquecimento da Terra concluíram, com 90% de certeza, que desde 1950 as emissões de gases que provocam o efeito estufa é a principal causa do aumento da temperatura da atmosfera terrestre. Em um volumoso documento publicado dois meses depois pelo IPCC há informação detalhada das conseqüências da mudança climática em regiões especificas do mundo no próximo século. O segundo informe deste grupo coincidiu com a publicação de outro estudo elaborado por uma equipe de oficiais da reserva do exército dos Estados Unidos.
Nele se alerta, entre outras coisas, que a elevação do nível do mar e a escassez de água doce, especialmente no Oriente Médio, na África e Ásia meridional e sudeste asiático, “propiciaria condições para fomentar conflitos internos, extremismos e movimentos com ideologias cada vez mais autoritárias e radicais”. Para a elaboração deste último estudo foram consultados 50 cientistas e especialistas em política externa. Entre os que foram ouvidos estão o ex-asessor de segurança nacional de Al Gore, Leon Fuerth; o chefe da equipe da Casa Branca no governo Clinton, John Podesta; o prêmio Nobel de Economia Thomas Schelling; o presidente da Academia Nacional de Ciências, Ralph Cicerone, e o ex-diretor da Agência Central de Inteligência (CIA) e conhecido neoconservador James Woolsey.
O informe apresenta três situações “verossímeis” baseadas, em grande parte, no trabalho do IPCC: casos climáticos “esperados”, “graves” e “catastróficos”. Também resenha os principais desafios que deverão enfrentar os responsáveis pela segurança nacional em cada um deles, em capítulos separados. A situação “esperada” prevê aumento da temperatura global de 1,3 graus e do nível do mar em 0,23 metro nos próximos 30 anos. Para o contexto “grave” o prognóstico é de aumento da temperatura em 2,6 graus e do nível do mar em 0,52 metros no mesmo período. Por fim, a situação “catastrófica” projeta temperatura de 5,6 graus acima da atual e elevação do nível do mar em dois metros até 2110.
Em qualquer dos três casos, as migrações maciças constituem, “talvez, os problemas mais preocupantes” que deverão enfrentar os responsáveis pela segurança nacional. “Nenhuma região corre tanto risco direto de sofrer emigrações como a Ásia meridional”, pois zonas de terras baixas com Bangladesh se tornarão cada vez mais inóspitas para se viver, segundo o caso “esperado”. A Índia terá de enfrentar um aumento de imigrantes, refugiados de seu vizinho do leste. Nesse contexto, a Nigéria, país mais povoado da África e maior produtor de petróleo, e a África oriental também podem sofrer situações de estresse.
A queda prevista na produção de alimentos e água doce, além das maiores possibilidades de conflitos internos e entre países, fomentará a emigração de mais africanos e asiáticos. Isso pode levar a um aumento da quantidade de imigrantes muçulmanos na Europa, diz o informe, segundo o qual esses processos podem causar tanto reações violentas dos europeus quanto a radicalização da população islâmica do continente. No caso “grave”, o continente americano também sofrerá imigrações em massa de habitantes de terras baixas do Caribe, da América Central, do México e países litorâneos da América do Sul em busca de terrenos mais altos dentro de seus países ou no estrangeiro, incluindo os Estados Unidos.
“A tensão acumulada devido à mudança climática grave pode levar a um colapso econômico e político sistemático na América Latina e na América Central”, diz o informe, assinalando que quase seguramente será preciso lidar com “o duro golpe que receberão os governos democráticos” da região. Já as conseqüências do contexto “catastrófico” seriam mais funestas, de acordo com esse estudo, no qual é citado um dos participantes que as comparou com a apocalíptica situação mostrada no filme “Mad Max”, só que mais quente, sem praias e, talvez, com maior caos.
O estudo ressalta que é preciso acabar com a ilusão dos dirigentes políticos em relação a dois mitos: que a mudança climática será “suave e gradual” e que terá impacto relativamente moderado nas nações industrializadas. “A mudança climática pode ser um dos maiores desafios a serem enfrentados por esta ou pelas próximas gerações de políticos em matéria de segurança nacional”, diz o informe.