por Wesley Sa Teles Guerra    |   06/12/2022

Empreendedorismo internacional digital, o home office globalizado

Pequenas nações tais como a Estônia e Portugal, já aprovaram projetos de cidadania digital, no intuito de atrair investimentos e mão de obra qualificada, sem o impacto social e nos gastos públicos ine

Mesmo que Elon Musk tenha eliminado o home office após a aquisição do Twitter, a tendência é que esta modalidade de trabalho aumente e conquiste o mundo.

A pandemia causada pela Covid-19 acelerou um processo que até então era exclusivo de algumas empresas e setores, usado muitas vezes como uma vantagem competitiva laboral e como forma de atrair os melhores candidatos, e que sem dúvidas se comprovou ser um método eficiente em tempos de necessidade.

Certo é que são muitas as melhorias necessárias, mas também o impulso que obteve setores tais como as telecomunicações, segurança digital, virtualização e realidade aumentada, IOT, entre outros... Porém, quais são os motivos que me levam a acreditar que esta será uma modalidade cada vez mais comum?

A globalização fomentou um aumento da interdependência entre as nações e das cadeias de produção e uma inerente competitividade multidimensionada e complexa, promovendo uma concentração das atividades destinadas a gestão desses processos em determinados pontos do planeta e uma maior integração da chamada comunidade internacional e do mercado global.

Pequenas nações, tais como a Estônia e Portugal, já aprovaram projetos de cidadania digital, no intuito de atrair investimentos e mão de obra qualificada, sem o impacto social e nos gastos públicos inerentes dos processos migratórios.

A Estônia oferece um programa de Cidadania Digital. Imagem: Reprodução.

O home office em escala global permite a pequenas Nações ter acesso a mão de obra qualificada e competir com nações de maior volume, reduzindo o impacto da migração não desejada e seus reflexos nas contas públicas e nos processos sociais dos países, auxiliando as nações a ter maior controle em relação a movimentação da mão de obra e ao paradoxo da migração, que por um lado é necessária para suprir as demandas produtivas e demográficas, mas que por outro lado geram problemas e necessidade de integração e hibridação cultural, que muitas vezes produzem tensões sociais e polarizações políticas.

Sem embargo, não somente pequenas nações são beneficiadas pelo home office. Países de grandes dimensões tais como o Brasil ou até mesmo os Estados Unidos, se caracterizam pela concentração das atividades econômicas e das oportunidades em determinadas cidades, produzindo uma crescente assimetria no desenvolvimento dessas nações, porém o home office pode ajudar a homogeneizar o mercado laboral e suas atividades, promovendo uma descentralização dos núcleos urbanos e reduzindo até mesmo o êxodo rural em determinadas regiões, assim mesmo oferecendo vantagens competitivas devido a um maior alcance por parte das organizações que podem estar presentes em determinados nichos ou mercados sem todo o processo de movimentação estrutural ou de abrir uma filial.

O Metaverso, o avanço da realidade aumentada e da IoT (internet das coisas) e o incremento da virtualização das atividades humanas, sejam estas gerenciais, produtivas, educativas e etc., abrem um novo horizonte de possibilidades, diante de uma crescente descentralização dos centros de controle, consumo, formação e produção...

O próprio processo demográfico pode utilizar esta modalidade como forma de gerenciar a perda de população, fuga de cérebros ou a dificuldade de ter acesso à mão de obra, já que não existem barreiras nem fronteiras, salvo as definidas pelas próprias organizações.

Por outro lado, o setor público pode ser beneficiar do home office já seja na prestação de serviços como também no aumento da arrecadação de impostos e taxas, servindo como porto-seguro e zonas de estabilidade para uma empresa.

Os países que avançam nesse sentido estão se transformando em paraísos digitais para startups, empreendedores e empresas do setor TIC.

Por outro lado, o trabalhador ou empreendedor, possui acesso a novos mercados e novas realidades, sem os elevados custos e riscos operacionais das modalidades tradicionais, além de permitir um aumento na qualidade de vida.

É importante ressaltar que as novas gerações, que foram criadas em ambientes integrados tecnologicamente e amplamente influenciados pelos apelos de um mercado de consumo global, a diferença das anteriores, não desejam passar suas vidas presos em um escritório, lugar ou nação, mas viajar, conhecer, aprender e consumir, nesse mundo que está constantemente lhe sendo publicitado, seja no Youtube, no cinema, televisão, internet, games, etc.

O Quiet Quitting é simplesmente um reflexo desse processo e de que aquela velha propaganda de trabalhar todos os dias, com a mesma rotina, preso no mesmo escritório somente para aproveitar a vida após a aposentadoria, já não convence.

O cidadão urbano e o cidadão rural hoje possuem demandas por produtos parecidos, porém capacidades e limitações geograficamente impostas... As grandes cidades que concentram e polarizam as decisões, o consumo e a geração de recursos, já não conseguem absorver de forma equânime as próprias dinâmicas sociais e mercadológicas, produzindo problemas tais como a pobreza laboral. Jovens que mesmo trabalhando são incapazes de ter acesso à moradia devido aos elevados preços de um disputado metro quadrado urbano, mas que não podem viver em outras cidades menores e mais afastadas devido à própria concentração herdada do século XX nas grandes cidades.

De modo que quando analisamos as potencialidades do home office, não falamos apenas do impacto na vida do trabalhador, mas na sociedade em geral e até mesmo na realidade de um país e sua capacidade de inovar e competir, atrair recursos, gerenciar os fluxos demográficos e até mesmo aumentar sua competitividade no cenário internacional.

Certo é que existem diferentes realidades, sendo talvez a mais conhecida as dos chamados nômades digitais, que impactam nos países receptores, sem embargo, o que de fato estabelece a diferença não é apenas o perfil e a relação laboral, e consequente tributária, do trabalhador digital, mas a preparação e a estrutura que possui cada país e sua forma de tirar proveito desse processo. Nas Ilhas Canárias (Espanha) o número de moradores aumentou consideravelmente graças aos trabalhadores digitais de outras nações como a Alemanha, impactando diretamente na economia local.

Os países que avançam na criação de uma legislação abrangente, capaz de refletir a realidade da cidadania digital e dos novos modelos laborais, possuem maiores vantagens frente aqueles que teimam em manter um modelo tradicional mesmo diante de uma série de desafios cada vez mais difíceis de resolver.

A Espanha e a Itália são ótimos exemplos de países que ainda não desenvolveram de forma eficiente uma legislação referente à cidadania digital e ao home office e que enfrentam, por um lado, a perda de indústria e população no interior do país, e, por outro, um incremento exponencial das demandas de uma crescente população urbana que vive em tensões e em disputas pelo espaço urbano e pelas oportunidades que existem, incrementado as assimetrias econômicas entre as diferentes regiões e os custos operacionais da manutenção de toda a maquinaria necessária para o funcionamento do Estado.

Outro problema bastante comum, e que enfrentam principalmente as nações emergentes, é a perda de capital intelectual, com a fuga de cérebros, que buscam melhores condições laborais, salariais e de vida, gerando um gasto durante seu período de formação, mas não havendo a contribuição social uma vez formados, já que o mesmo emigra para o exterior ou se muda para uma cidade que concentra já um elevado número de profissionais gerando uma precarização em determinados pontos e afetando a mobilidade social.

O abismo intergeracional é uma realidade global, estamos gerando jovens cada vez mais competentes porém mais empobrecidos, havendo algumas Nações que se especializaram nessa captação de capital intelectual e que sofrem com as tensões sociais e as desigualdades salariais, já que os jovens de fora, acostumam a cobrar menos que a mão de obra especializada nativa, entre outros problemas derivados de sua integração e interação social... o home office então surge como uma forma de equilibrar essa demanda e até mesmo como uma forma de universalizar o mercado de trabalho, promovendo uma maior distribuição sem necessariamente levar a uma mobilidade territorial.

 

Imagem de capa: Depositphotos

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Wesley Sa Teles Guerra

Perfil do autor

Internacionalista e Especialista Paradiplomacia e em Gestão e Planejamento de Smartcities. Autor dos livros: Cadernos de Paradiplomacia y Paradiplomacy Reviews. www.wesleysateles.com