Fonte: Envolverde - 05/11/07
O bioquerosene tem potencial para decolar no mercado internacional numa velocidade maior do que outros combustíveis alternativos, embora seja o mais novo e o que enfrenta exigências de qualidade mais extremas, por se destinar à aviação. Os aviões têm uma vida útil de 30 a 40 anos, e seus fabricantes querem que haja combustível até o final, explica ao Terramérica o engenheiro químico Expedito Parente, que há quase três décadas inventou o biodiesel e o bioquerosene, ambos refinados a partir de plantas oleaginosas.
Antes de os aviões novos ficarem fora de uso, o petróleo pode desaparecer ou custar muito caro para operações comerciais de grande consumo de combustível. Por isso não deveriam faltar investimentos para desenvolver, aperfeiçoar e produzir o querosene vegetal, estimulados também pela pressão das mudanças climáticas. O auge dos combustíveis destilados de vegetais – milho, cana-de-açúcar, palmas e soja, entre outros – se deve ao fato de liberarem menos gases causadores do efeito estufa do que os derivados de petróleo, e também pelo esgotamento cada mais próximo deste.
O querosene vegetal está sendo testado “em toda cadeia do transporte aéreo, incluindo fabricantes de aviões, turbinas e acessórios e a rede de distribuição de combustíveis aeronáuticos”, afirma Parente. Em dois anos deverá ser confirmado como alternativa válida para o querosene obtido a partir do petróleo, prevê o engenheiro. O processo envolve “todo o universo interessado”, destaca Parente, evitando citar a norte-americana Boeing, maior fabricante mundial de aviões que assinou um acordo de cooperação com a Tecbio, a empresa que Parente fundou em 2001 para impulsionar seus projetos. ‘O convênio inicial foi ampliado aos demais atores”, explica.
Sua ênfase responde à uma visão que o cientista e empresário explica com a didática do professor universitário, ante a pergunta sobre o futuro comercial do bioquerosene e da possibilidade de haver barreiras protecionistas como as que travam as exportações do etanol brasileiro para países industrializados. O etanol “tem seu mundo próprio, o do transporte individual de motores pequenos”, o biodiesel se destina “ao transporte coletivo, a motores e veículos grandes como caminhões, ônibus, tratores, trens e navios”, e ambos se distinguem do bioquerosene porque movimentam o transporte terrestre e marinho, ressalta Parente.
Ao contrário do biodiesel que se pretende para consumo local, aproveitando as matérias-primas do lugar, o bioquerosene de aviação “tem de ser internacional, compartilhado”, de uso transfronteiriço e afastado de protecionismos nacionais. Exige “trabalho em rede”, como está sendo feito com os testes, afirma Parente. Além disso, a aviação não conta com a alternativa do motor elétrico, que os veículos terrestres têm, o que obriga a concentrar esforços no bioquerosene, acrescenta.
O engenheiro patenteou suas duas inovações em 1980. Porém, devido ao longo tempo sem uso, as patentes caíram e o biodiesel e o bioquerosene passaram a ser de domínio público. Agora ganham força devido à ameaça das mudanças climáticas. No Brasil o biodiesel só será misturado obrigatoriamente com o diesel de petróleo a partir de janeiro, na proporção de 2%, com atraso de três anos em relação à Europa. Parente começou a se dedicar aos biocombustíveis no final dos anos 70, como professor da Universidade Federal do Ceará, no Nordeste do Brasil, longe dos centros dinâmicos do país.
Seu sonho foi frustrado pelo desinteresse oficial na produção desse combustível e do bioquerosene, provado com êxito em 1983 em um vôo de quase mil quilômetros, em um avião de fabricação nacional. Na época “havia uma miopia cerebral”, segundo o especialista, que agora teme “um astigmatismo” que deforme a visão sobre os biocombustíveis. A energia procedente de biomasa se distingue da do petróleo por ser outro modelo e por cumprir três missões, afirma em suas palestras. Além da ambiental, tem uma missão social, pois deve melhorar as condições de vida rural, “valorizando o ser humano”, e outra estratégica, a de preparar a “era solar” que sucederá à do petróleo, prevê Parente.
Aos 67 anos, este especialista renova seu entusiasmo anunciando para maio a inauguração da primeira unidade “semi-industrial” para refinar óleo de palma de babaçu (Orbignya phalerata Martins), abundante em 18 milhões de hectares do Nordeste e da Amazônia oriental, além de um centro de referência em pesquisas de bioquerosene. É necessária uma boa produção, porque um avião exige pelo menos dez mil litros de combustível para decolar, explica. O óleo láurico, produzido pelas palmas, é a matéria-prima de seu querosene vegetal para aviões. “Há outra fonte alternativa’, mas que ainda exige muitos estudos e é “um segredo a se guardar”, afirma.
A indústria aeronáutica vive uma situação singular diante das pressões ambientais e do fim do petróleo, o que obriga a fortes investimentos em biocombustíveis, única alternativa que parece viável, reconhece Delcio Rodrigues, especialista em Energia da organização não-governamental Vitae Civilis, com ativismo no problema climático. O transporte aéreo é um dos setores de maior expansão e é alvo de numerosos informes sobre emissões de gases causadores do efeito estufa. Substituir a querosene fóssil é difícil, porque os aviões exigem combustíveis de “grande intensidade energética” para manter longas autonomias de vôo sem aumentar o peso a ser transportado, explicou Rodrigues ao Terramérica.
Não servem alternativas como o etanol dos automóveis, que requer um consumo maior do que o de gasolina, acrescenta Rodrigues. No Brasil, o avião agrícola Ipanema voa utilizando álcool combustível. Modelo criado pela Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), uma das maiores fabricantes de aeronaves pequenas e médias, é o primeiro certificado, desde 2004, para consumir etanol. Mas é pequeno e não percorre as longas distâncias dos vôos comerciais.