Fonte: Enovolverde - 01/11/07
O embrião da integração do mercado global de carbono começou a tomar forma em Portugal, sob uma chuva de críticas à rejeição do governo norte-americano de George W. Bush às metas impostas a comunidade mundial para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Os chefes das 14 delegações governamentais assinaram em Lisboa um documento que estabelece a cooperação e o desenvolvimento de ações concretas nesta sensível matéria ambiental, bem como o intercâmbio de experiências e informação tecnológica entre os signatários.
Alemanha, Espanha, França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Itália, Noruega, Nova Zelândia, os Estados norte-americanos de Califórnia, Nova Jersey e Nova Yorque, bem com a província canadense de Columbia Britânica, deram vida e força à Associação Internacional para a Ação contra o Carbono (ICAP). Esta nova associação é uma forma de pressão sobre os países que ainda não ratificaram o Protocolo de Kyoto, assinado nesta cidade japonesa em 1997 no âmbito da Convenção sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas de 1992, e no qual se fixa o compromisso de redução de gases causadores do efeito estufa.
Nesse convênio, que entrou em vigor em fevereiro de 2005, se estabeleceu que as nações industrializadas devem reduzir, até 2012, as emissões desses gases, considerados responsáveis pelo aquecimento global, a volumes 5,2% inferiores aos de 1990. O principal gás contaminante é o dióxido de carbono (CO²). Nesse contexto nasceu o mercado de carbono, destinado a facilitar a vida dos países ricos obrigados pelo Protocolo de Kyoto a atingirem seus objetivos de redução de gases por meio de investimentos em projetos limpos em outras nações. Os Estados Unidos e a Austrália são as únicas nações industrializadas que não assinaram este documento. Brasil, China e Índia, três grandes emissores desses gases, não estão obrigados a cumprir o compromisso por seu status de países em desenvolvimento.
As críticas mais ácidas a Bush aconteceram na videoconferência do governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, ambos do Partido Republicano, que havia confirmado sua vagem à Lisboa mas que precisou suspendê-la devido aos incêndios registrados em seu Estado. “Só porque Washington não está liderando o processo das alterações climáticas, isso não significa que os norte-americanos não tenham uma grande participação no combate a este problema”, afirmou o ator agora político, que continua usando seus dotes histriônicos para lançar uma mensagem dura e que pretende ser convincente.
A reunião de segunda-feira na capital portuguesa foi qualificada pelo governador de “passo histórico”, lembrando que a Califórnia “criou o primeiro mercado de carvão do mundo”, exemplo que, afirmou, “já foi seguido por outros 26 Estados norte-americanos”, o que o incentiva a prosseguir “na linha de frente” na luta contra o aquecimento global. Na sala, ouviram com atenção o presidente semestral da União Européia e primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates; o titular da Comissão Européia (braço executivo do bloco), o também português José Manuel Durão Barroso; o comissário comunitário de Meio Ambiente, Stavros Dimas, bem como ministros ou seus representantes e governadores estaduais.
Em sua intervenção, Sócrates disse que “o mercado e o meio ambiente não têm motivo para serem inimigos, pelo contrário, podem ser adversários de um inimigo comum: as alterações climáticas”, destacando que essa é a mensagem que a União Européia quer passar ao resto do mundo. A ICAP permitirá aos países ultrapassarem as cotas de produção de gás causador do efeito estufa e negociar direitos de emissão com outros Estados, o que reduziria o custo das reduções nas emissões. Cálculos do Banco Mundial divulgados no começo deste ano indicam que nos primeiros nove meses de 2006 o mercado de carbono chegou a US$ 22 bilhões, valor que duplicou em relação ao ano anterior.
A criação de um mercado de carbono “é a melhor forma de combater o flagelo das alterações climáticas”, disse Sócrates, explicando que somente dessa forma “começaremos a ter custos para a poluição, que é o melhor estímulo para a mudança de consciências e inovação tecnológica”, bem como mais eficiente e econômica para enfrentar as mudanças climáticas. “Enquanto mais transações tivermos, melhores resultados obteremos”, disse o governante português, que qualificou o mercado de carbono de muito relevante para ajudar os países do Sul do mundo no combate à mudança climática, “e não por caridade, mas para exportar desenvolvimento sustentável”.
Durão Barroso, por sua vez, qualificou o documento de “sinal” para outras nações, especialmente os industrializados como os Estados Unidos, que ao terem “uma responsabilidade especial”, já que respondem por mais de 20% das emissões de gases causadores do efeito estufa no mundo, deveriam assumir a liderança da redução das emissões. “Fixar um preço ao carbono é o impulso vital necessário para garantir um saudável mercado de tecnologias limpas, é uma das prioridades para a inovação, a criação de mercados e a atividade futura”, disse o presidente da comissão da União Européia.
“Estamos desiludidos porque nosso governo federal não está aqui”, disse, por sua vez, Eliot Spitzer, governador de Nova Yorque, que, entretanto, se mostrou otimista sobre o futuro, já que confessou “não ter dúvidas” de que o sucessor de Bush adotará uma postura diferente e assumirá “a enormidade” do problema das mudança climática. O Protocolo de Kyoto foi assinado pelo então presidente Bill Clinton (1993-2001), do hoje opositor Partido Democrata, mas Bush retirou a assinatura pouco depois de assumir a presidência. A mudança climática, disse Spitzer a uma consulta da IPS, “talvez seja o maior desafio global que enfrentamos”, porque tratar do problema “é uma obrigação moral”.
Linda Adams, diretora da Agência de Proteção do Meio Ambiente da Califórnia, representanto Schwarzenegger, advertiu que, caso não sejam tomadas medidas, nesse Estado o cenário será tão dramático no final do século que a temperatura poderá aumentar 10 graus, com gravíssimas conseqüências, especialmente para o abastecimento de água. o denominador comum de todos os participantes foi a absoluta necessidade da participação dos Estados Unidos em um mercado global de carbono. “Espero que a presença de governadores dos Estados Unidos signifique que podemos trabalhar juntos para a criação desse mercado global de emissões de carbono”, disse, por sua vez, o comissário Dimas, deplorando “a postura negativa” de Bush em relação ao Protocolo de Kyoto.
O ministro português do Meio Ambiente, Francisco da Graça Nunes correia, disse “que essa ação da ICAP demonstra que a política climática não é unicamente um imperativo moral, mas também uma boa política econômica” e ressaltou que só um futuro de baixo carbono pode evitar um desastre de conseqüências econômicas, de segurança e humanitárias. Correia lembrou que a UE decidiu na última primavera boreal reduzir em até 20% suas emissões contaminantes e até 30%, se outros países industrializados assumirem igual compromisso.
Ontem, Correia presidiu em Luxemburgo um conselho com seus pares da União Européia, destinado a preparar a posição comum dos 27 países do bloco para a conferência de Bali, onde representantes de todo o mundo se reunirão entre os dias 3 e 14 de dezembro para tentar um novo acordo global sobre aquecimento do planeta em substituição ao Protocolo de Kyoto.
A organização não-governamental ambientalista Qercus, em declarações aos jornalistas à margem da conferência, aplaudiu a reunia de Lisboa qualificando-a de “primeiro passo” a favor da criação de um mercado global de carbono e “uma forma de pressão sobre os Estados Unidos, que ainda não ratificaram o Protocolo”. Francisco Ferreira, presidente da Quercus, disse que é “uma mensagem mundial, porque a Europa já tem um mercado de carbono e as grandes empresas já compram e vende direitos de emissão de carbonho”. Agora, trata-se de exercer uma pressão cada vez maior sobre Washington “para que a futura administração possa adotar este sistema global”, concluiu o ativista.