"É preciso andar mais rápido", diz presidente da Airbus Brasil sobre qualificação dos trabalhadores da indústria

Gilberto Peralta recomenda maior velocidade e esforço conjunto na qualificação profissional em meio a revoluções tecnológicas, em entrevista realizada pela Revista Indústria Brasileira.

As mudanças provocadas pelas novas tecnologias exigem que a qualificação dos trabalhadores seja constantemente aperfeiçoada, diz Gilberto Peralta, presidente da Airbus Brasil e líder do do Grupo de Trabalho Educação Profissional e Tecnológica (GT-EPT) da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI).

“Sempre foi [uma necessidade] permanente, mas nunca percebemos isso porque as modificações ocorriam com uma velocidade menor. Hoje, a rapidez é muito maior. O técnico em informática de 15 anos atrás vai ter que ser requalificado para cuidar de inteligência artificial”, comenta.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como você avalia a necessidade de o Brasil qualificar 9,6 milhões de trabalhadores até 2025?

GILBERTO PERALTA - Acho que temos pela frente um desafio, mas também temos a oportunidade de mostrar que podemos vencer essa dificuldade. As novas tecnologias estão introduzindo novas áreas de trabalho e a indústria e o governo têm de cuidar disso juntos. Não é só a indústria diretamente; também a agricultura e todos os outros setores da sociedade civil precisam se preparar para essas grandes modificações. É um grande desafio, mas é possível vencê-lo trabalhando em conjunto. Nós temos soluções e como andar para frente. Não é só formar 10 milhões de pessoas. Temos que levar em consideração que formaremos trabalhadores novos que estão entrando ou que entrarão no mercado de trabalho, mas precisamos requalificar os que já estão nele. É trocar o pneu com o carro andando. 

RIB - Quais são as principais tendências para o mercado de trabalho da indústria nos próximos anos? 

GP - A tecnologia avança muito rápido. Estamos na indústria 4.0, mas ela já é meia história. Já estamos preparando a 5.0, com inteligência artificial atuando e tudo o mais, independentemente de intervenção do ser humano. Mas os técnicos, para operar a nova tecnologia, precisam se adaptar. A indústria também tem que se adequar e fomentar a estrutura de formação do jovem para que ele esteja qualificado para isso.


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Temos que andar de mãos dadas com o governo para direcionar os recursos que existem. Eles são finitos e é preciso destiná-los da melhor maneira possível para atender às necessidades do mercado de trabalho brasileiro. Aqui eu insisto e falo pela indústria porque eu venho da indústria, mas isso não é só indústria, é o setor agropecuário. Se olhar na agroindústria, as máquinas hoje já operam por GPS. O operador fica ali dentro só para casos de necessidade e tudo é automatizado. Precisamos das pessoas que vão cuidar dessas máquinas e desenvolver esses softwares. Toda a sociedade necessita disso.

Temos que olhar com uma visão bem aberta para toda a necessidade do país e da indústria. 

RIB - O Mapa do Trabalho Industrial pode indicar esse caminho?

GP - É um bom pontapé inicial. Começamos por aí, mas acho que podemos melhorar. É um trabalho em evolução constante. Os negócios vão sempre se atualizando. Eu costumo olhar o exemplo da pessoa que servia café há 30 anos. Tinha que pôr o coador, o copo. Hoje, a máquina mói o grão, coloca no recipiente, faz e coa o café. A pessoa precisa saber operar a máquina. Não tem mais que mexer com nada, só saber operar. As capacitações mudaram muito e continuam mudando. Tudo está indo para frente. Toda a indústria tem que estar atenta. 

RIB - Pode citar algum exemplo de capacitação que não existia e que tenha feito vocês precisarem qualificar profissionais para atender à demanda? 

GP - Os aviões novos usam tecnologias de materiais compostos na fuselagem. Há 10 ou 15 anos, eram todos de alumínio. A tecnologia existente era rebite. Precisávamos de rebitadores, acabadores e dobradores de alumínio. Hoje, com os materiais compostos, as peças já vêm inteiras. Tivemos que desenvolver essa mão de obra. São os operadores das autoclaves que cozinham os materiais compostos. São pessoas que desenvolvem esses materiais compostos. É uma tecnologia nova, que é o futuro. 

RIB - Qual seria o papel do governo nesse processo de qualificação?

GP - Primeiro, garantir velocidade para acompanhar as mudanças e novas tecnologias. Não podemos continuar exigindo apresentação da carteira de identidade para entrar num lugar, enquanto todo mundo já usa reconhecimento facial, digital. O governo tem que ser rápido para acompanhar essas tecnologias. Uma vez que ele consiga acompanhar, o direcionamento de recursos tem que ser utilizado.

Quando falam “tem que colocar mais dinheiro na educação”, eu não sei se é isso. Temos que fazer o uso mais correto do dinheiro que temos. O Brasil não está longe no valor per capita de investimento em educação. Não estamos longe dos países da OCDE, mas talvez tenhamos que direcionar melhor o destino dessas verbas. É nesse momento que o governo entra porque gerencia isso, gerencia a verba de universidades e o direcionamento dos cursos de nível médio, primários e cursos básicos.