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Pesquisadores brasileiros vêm colaborando cada vez mais no desenvolvimento de materiais para utilização na construção civil a partir de resíduos sólidos. Essa nomenclatura serve para todos os materiais descartados que chegaram ao fim da sua vida útil, produzidos por residências, comércio, indústria, entre outros. Devido às limitações, principalmente de espaço, e de destinação final para os resíduos, as campanhas e iniciativas visando reduzir a quantidade de lixo produzido, estimular a reutilização e a reciclagem, vêm crescendo em todo o mundo. A iniciativa vem sendo considerada fundamental diante das consequências decorrentes do descarte inadequado, como as poluições do solo, água e ar, além da possibilidade de atrair vetores de doenças e afetar a saúde da população.
O Laboratório de Materiais Avançados do Centro de Ciência e Tecnologia (Lamav) da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) há anos vem se dedicando às pesquisas de materiais que utilizam resíduos em sua composição.
O coordenador do Programa de Pós-Graduação e doutor em Engenharia e Ciência dos Materiais da Uenf, Carlos Mauricio Fontes Vieira, e sua equipe de mais de 20 pesquisadores e discentes, incluindo pesquisador visitante emérito, pós-doutorandos, doutorandos, mestrandos, alunos de iniciação científica e técnico de nível médio, muitos deles apoiados pela FAPERJ, vêm desenvolvendo pesquisas em rochas artificiais ou engenheiradas, cerâmica vermelha e compósitos poliméricos reforçados por fibras naturais e materiais álcali-ativados, como os geopolímeros.
Fontes Vieira e sua bolsista de pós-doutorado sênior da Fundação, Elaine Aparecida Santos Carvalho Costa, vêm se dedicando ao projeto “Influência da resina epóxi sintetizada a partir de óleo vegetal residual e resina poliuretano comercial no desenvolvimento de rocha artificial sustentável”. O objetivo do estudo é oferecer mais uma alternativa para o aproveitamento e redução do impacto dos resíduos sólidos no meio ambiente. O engenheiro de materiais explica que a rocha artificial pode substituir várias rochas naturais, entre elas granito, mármore, quartizito e ardósia, entre outras, com a vantagem de possibilitar maior variedade de design e colorações, oferecer maior resistência ao desgaste, às manchas e ao ataque químico, bem como menor porosidade e consequente menor absorção de água.
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Na produção da rocha engenheirada (nomenclatura técnica), segundo o pesquisador, podem ser utilizados vários tipos de resíduos, como pó de brita resultante das pedreiras e resíduos de siderúrgicas como escórias, pó de balão (retido no filtro da chaminé) e a lama do alto-forno (materiais mais finos que são obtidos quando misturados à água). “O aço é um dos materiais mais utilizados em todo o mundo, mas na produção de uma tonelada de aço são gerados cerca de 600 kg de resíduos sólidos”, esclarece Fontes Vieira. O Brasil produz cerca de 36 milhões de toneladas de aço por ano, gerando cerca de 20 milhões de toneladas de resíduos, e a China, maior produtor mundial, produziu em 2021 mais de um bilhão de toneladas, informa o pesquisador.
Elaine Carvalho, que também contou com bolsa da FAPERJ no pós-doutorado nota 10, trabalha no setor de materiais e meio ambiente do LAMAV, orienta alunos de Iniciação Científica e colabora na orientação de alunos de mestrado e doutorado. “Junto com alunos da pós-graduação venho trabalhando na síntese de resina à base de óleo de cozinha e resíduos de borracha de pneu, vidro de garrafa, quartzito, também utilizando a resina poliuretano derivada de óleo de mamona, na busca de um trabalho com apelo sustentável para o desenvolvimento da rocha artificial”, esclarece a doutora em Engenharia e Ciência dos Materiais. O estudo já rendeu alguns artigos em revistas internacionais, capítulos de livro e participações em vários congressos, incluindo um congresso internacional nos Estados Unidos, do qual ela mesma participou.
Em mais uma frente de pesquisa, ela e os alunos de IC e pós-graduação trabalham com outros tipos de resíduo, como siderúrgico, finos de brita e de beneficiamento de rocha natural, utilizando o método que a indústria de rocha artificial adota, vibração, compressão e vácuo, mas em escala laboratorial. “Buscamos adotar todos os tipos de resíduos que possam ser utilizados em rocha artificial e que tragam propriedades que sejam superiores às rochas naturais, com mármore e granito”, explica Elaine.
Logística reversa e parceria com os geradores de resíduos são fundamentais para viabilizar os projetos e fazer com que os produtos cheguem ao mercado. “Muito importante também são as políticas públicas visando a coleta seletiva de lixo, a fim de facilitar o recolhimento e a reciclagem dos diversos materiais”, enfatiza o pesquisador.
No caso do Lamav, foi firmada parceria com a ArcelorMital, siderúrgica localizada em Tubarão, na Grande Vitória (ES), para o fornecimento dos resíduos da siderúrgica. Há também uma parceria com uma fabricante de rochas artificiais para o fornecimento da carga mineral industrial. O pesquisador explica que a substituição da carga mineral na produção da rocha artificial pode chegar a 100%, acrescida de 15 a 20% de resina.
Atualmente o Lamav vem testando o uso de 100% de resíduo de vidro como carga particulada para a obtenção da rocha artificial. O grupo de pesquisa também vem atuando também no desenvolvimento de resinas naturais a partir de biomassas renováveis e de resíduos como a mamona e óleo de cozinha usado. Fontes Vieira destaca ainda o potencial dos materiais álcali-ativados como os geopolímeros, obtidos a partir de resíduos como cinzas, dentre outros e materiais naturais como rochas e minerais, em substituição do cimento.
Com a utilização de técnicas de reações álcali-ativadas obtêm-se materiais com propriedades semelhantes aos materiais tradicionais sem a necessidade de processamento térmico em alta temperatura ou menos poluentes que os materiais cimentícios, o que pode acarretar uma melhor eficiência energética do processo de produção, além de minimizar os impactos ambientais. As pesquisas com materiais álcali-ativados visam o desenvolvimento de materiais de construção como blocos, telhas e pavimentos, além de materiais ligantes. O engenheiro conta que o material remonta à antiguidade, e foi usado, inclusive, na construção do Coliseu de Roma como ligante, dentre muitas outras construções. “A redescoberta desses materiais com propriedades cimentícias pode acarretar no desenvolvimento de materiais muito mais sustentáveis que os cimentos convencionais”, diz o pesquisador.
Um projeto anterior, e por isso mais consolidado, é o da produção de cerâmica vermelha (tijolos, telhas, pavimentos intertravados e revestimentos rústicos) a partir de resíduos. Nesse caso, podem entrar na composição do produto diferentes resíduos, preferencialmente na forma de pós ou lamas (para redução do custo), com destaque para lama de alto-forno, lodo da indústria de papel, vidros triturados em geral, além de subprodutos da produção ou de origem agrícola como bagaço de cana, borra de café, resíduo de vinícolas, esterco de vaca; e até bituca de cigarro.
O pesquisador explica que, no caso da cerâmica vermelha, mais que substituir a argila, que é um recurso natural não renovável, resíduos orgânicos proporcionam grande economia de combustível na etapa de queima – que para algumas cerâmicas corresponde ao segundo maior item do custo de produção. No município de Campos dos Goytacazes algumas cerâmicas utilizam resíduo da indústria de papel. O reaproveitamento desse resíduo acarretou uma redução aproximada de 2/3 no custo de disposição para o gerador, além de proporcionar aproximadamente uma economia de combustível para as cerâmicas de cerca de 10% na etapa de queima com incorporações na massa argilosa em teores de cerca de 5% em massa. “Está aí um exemplo da pesquisa aplicada”, ressalta o pesquisador.
Já as mais de 20 cerâmicas que utilizam lama de alto-forno estão localizadas, em maioria, no estado do Espírito Santo, o que facilita a logística, devido à proximidade com as siderúrgicas. Mas Fontes Vieira destaca o potencial de uso desse resíduo também no estado do Rio, onde se localizam a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), em Itaguaí, e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda. O pesquisador ressalta uma importante vantagem da lama de alto-forno: seu alto teor de carbono (de 25% a 30%), com poder calorífico capaz de reduzir em até 15% o custo na etapa da queima da cerâmica com incorporações máximas também de 5% em massa.
Outro produto inovador para uso urbano são os pavimentos intertravados (também conhecidos como bloquetes no caso de materiais cimentícios) de argila, que podem ganhar a coloração natural da argila, passando dos tons de ocre e mostarda aos tons terracotas e esverdeados. A manufatura aditiva, impressão 3D, também está presente nas pesquisas de cerâmica vermelha do grupo, possibilitando a obtenção de uma diversidade de geometrias e de combinação de cores, além do desenvolvimento de cerâmicas com porosidade controlada para o cultivo de gramídias e plantas decorativas por hidroponia.
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