Fonte: Envolverde (www.envolverde.com.br) - 09/03/07
A diplomacia do álcool, que o Brasil desenvolve há anos em vários continentes, colhe seu primeiro grande triunfo onde menos esperava. A visita do presidente norte-americano, George W. Bush, abre uma perspectiva tão grande que provoca tanto euforia quanto temores. A meta anunciada por Bush em janeiro, de reduzir em 20% o consumo de gasolina nos Estados Unidos no prazo de 10 anos, se for aprovada pelo Congresso abrirá um mercado de 132 milhões de litros anuais de etanol, 2,6 vezes a atual produção mundial e oito vezes a brasileira. Cedo ou tarde, boa parte desse mercado será ocupada por exportações brasileiras, as mais competitivas do planeta.
No momento, uma taxa de US$ 0,54 por galão (3,78 litros) limita o acesso brasileiro a esse mercado, porém, especialistas estimam que a produção de etanol a partir do milho nos Estados Unidos dificilmente irá superar os 50 bilhões de litros por ano. Além disso, é insustentável. O fato de os EUA destinarem 20% do milho colhido para alimentar a produção de biocombustível fez duplicar o preço desse grão no ano passado, desequilibrando o mercado internacional, pois esse país responde por dois terços do comércio mundial do milho.
A cana-de-açúcar, matéria-prima usada pelo Brasil, é muito mais produtiva e eficiente na geração de energia, apresentando, por isso, custos muito menores. O protecionismo norte-americano não impediu que em 2006 o Brasil vendesse aos Estados Unidos 1,6 bilhão de litros de álcool, seis vezes mais do que no ano anterior. Mas isso se deveu a um desequilíbrio conjuntural entre oferta e demanda, que causou uma alta de preços excepcional que não se manterá este ano. Segundo a União da Indústria da Cana de São Paulo (Unica), que reúne os maiores produtores brasileiros.
Por isso, a principal reclamação da Unica, e provável pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Bush na reunião que mantêm hoje em São Paulo, é que Washington elimine essa proteção, recentemente prorrogada por dois anos. Cotas de importação isentas de taxas ou redução das mesmas são as alternativas de uma transição. Mas é um tema que não poderá ser resolvido nesta visita de trabalho de Bush.
Porém, muitos fatores jogam a favor do Brasil, que conta com aliados importantes dentro dos Estados Unidos, como o próprio irmão do presidente, Jeb Bush, ex-governador da Flórida que co-preside a Comissão Interamericana de Etanol, criada em dezembro por empresários dos dois países mais o Banco Interamericano de Desenvolvimento. O acordo discutido entre Lula e Bush trata de promover um mercado internacional de etanol, com regras e normas técnicas, e estabelecer uma cooperação para o desenvolvimento de tecnologias de sua produção a partir de celulose e para incrementar a produção em outros países, especialmente centro-americanos e caribenhos.
Os Estados Unidos buscam, principalmente, reduzir a dependência do petróleo que importa de países com os quais mantêm péssimas relações, como Irã e Venezuela. Por isso, uma associação alcooleira de Washington com Brasília teria repercussões mais amplas, geopolíticas, comerciais e agrícolas. Por outro lado, a questão ambiental se tornou uma mola propulsora decisiva dessas negociações, diante da gravidade do quadro global refletido no informe do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, divulgado no dia 2 de fevereiro. Para o Brasil, trata-se de obter os dividendos econômicos de ter sido pioneiro na produção de uso do álcool combustível. Além dos Estados Unidos, o Japão também aparece como um mercado promissor.
A Petrobras, que se autodefiniu como energética, negocia com bancos e firmas japonesas projetos para garantir a produção do etanol necessário para misturar à gasolina e gerar eletricidade no Japão. Essa associação já acertou investimento num total de US$ 6,5 bilhões. Batizada – numa referencia à Organização de Países Exportadores de Petróleo – de “Opep do etanol”, essa aliança encabeçada por Brasil e Estados Unidos ganhou uma instância global com o Fórum Internacional de Biocombustíveis criado na semana passada por China, Índia, África do Sul e União Européia, além dos dois maiores países americanos.
Mas trata-se de uma comparação enganosa. Ao contrário do petróleo, os biocombustíveis favorecem a paz e poderão “contribuir para a redução da tensão internacional”, disse à IPS Oswaldo Oliva Neto, chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da Presidência do Brasil, que realizou amplos estudos sobre agroenergia nos últimos anos. A maior parte da África, América Latina e Oceania tem possibilidades de produzir etanol a partir da cana-de-açúcar, reduzindo a concentração da produção de combustíveis no Oriente Médio, “região de elevada tensão e freqüência de conflitos militares”, argumentou.
Essa descentralização oferece “maior segurança de fornecimento e menor dependência”, em comparação com o petróleo exportado por poucos países, acrescentou Neto. Além disso, o Brasil, situado na “zona mais desarmada do mundo e que não se envolve em conflitos militares desde a Segunda Guerra Mundial”, pode ser o maior produtor de etanol, capaz de substituir 5% de toda a gasolina consumida no mundo. Reduzir a demanda de petróleo, ampliando o tempo de exploração das atuais reservas e, dessa forma, atenuando a alta de seu preço, também contribui para abrandar as tensões, segundo Neto, que é coronel do Exército.
Em sua opinião, os biocombustíveis fornecem “um conceito de maior harmonia a respeito do meio ambiente e maior contribuição ao desenvolvimento social”, ao oferecer segurança de abastecimento, redução dos gases causadores do efeito estufa, “abertura de novos mercados para países pobres” e possibilidade de aumentar o crescimento econômico mundial em novas bases. Mas também existem temores. Ambientalistas temem que a febre dos biocombustíveis fomente novas pressões para desmatar, especialmente na Amazônia, diante da necessidade de expandir a área cultivada.
O Movimento dos Sem-Terra divulgou um manifesto condenando a expansão da agroenergia que a aliança Brasil-Estados Unidos busca fomentar. Trata-se de abastecer automóveis “às custas de estômagos vazios”, expandir ainda mais as monoculturas, o monopólio das sementes geneticamente modificadas e o “modelo colonial” da apropriação de terras, recursos naturais e força de trabalho por uns poucos, afirmou o MST.