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Se conseguir andar pelo centro de Turim, na Itália, é possível encontrar construído sobre uma avenida, um prédio em estilo modernista parcialmente envidraçado, daqueles construídos durante o “milagre italiano” dos anos 1950. Este é o Palazzo Lancia, construído para abrigar a empresa centenária de mesmo nome que já foi um dos símbolos da indústria automotiva italiana. Ele está abandonado desde a década de 1990, curiosamente o mesmo período quando ela abandonou de vez o mundo das competições. Entre entusiastas ao redor do mundo, o nome Lancia se traduz em carros arrojados e empolgantes de conduzir, cria uma certa nostalgia sobre os dias de glória do automobilismo.
A Lancia ergueu seu nome ao participar de grandes corridas, sobretudo no mundo do rally após entrar com o Fulvia, o primeiro carro produzido em massa com motor V4, em 1965. Porém, foi após ser vendida em 1969 para a sua rival Fiat, em decorrência do acúmulo de dívidas, que a marca atingiu seu auge. Através do trio Stratos, 037, e Delta, a fabricante conquistou suas maiores vitórias na época do Grupo B. E mesmo quando este teve um fim triste em 1986, a marca se manteve no esporte por mais alguns anos, cultivando a fama que perdura até hoje.
Mas perto da virada do século a Lancia tornou a mudar seus rumos. Mesmo com a imagem consolidada entre o público, decidiram que carros empolgantes de pilotar não eram mais atraentes, e que dedicar sua produção para o mercado de carros premium era bem mais lucrativo. Isso faz todo sentido, entretanto, ao invés de reforçar seu apelo tradicional nesse novo segmento, resolveram focar somente em requinte e conforto para criar uma nova identidade, como no caso dos sedãs Dedra e Kappa.
A estratégia funcionou durante um breve período, pois a marca vendeu bem mais nesta época, apesar de abandonar seu velho charme. Porém, após a crise econômica de 2008, a empresa sofreu um baque terrível, digno daqueles após um soco do Mike Tyson. Justo na mesma época, o Delta retornava como um hatch médio de família, fabricado então sobre a plataforma do Fiat Bravo. Em 2011, com a formação do grupo FCA após a fusão entre Fiat e Chrysler, a marca passou a vender modelos rebatizados da americana, estratégia que obviamente não deu certo, já que estes eram incompatíveis com as preferências do público europeu. É como usar as roupas usadas do seu irmão mais velho por estar no aperto, mas como possuem preferências e gostos muito distintos, você é obrigado a usar a camiseta do Renato Russo, quando você queria mesmo é uma do Red Hot Chilli Peppers. Pior do que isso, só a Aston Martin quando vendeu um Toyota iQ.
Não é surpresa que a popularidade da italiana venha seguindo ladeira abaixo. Segundo o balanço do site Car Sales Base, a marca que registrou 120 mil emplacamentos em 2009 sofreu uma queda de mais de 50% nas suas vendas em uma década.
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Atualmente, a Lancia encolheu tanto que fechou suas filiais estrangeiras, operando exclusivamente na Itália desde 2014, como decidido pelo ex-CEO da Fiat, Sergio Marchionne, a fim de enxugar as dívidas. Apenas um modelo é produzido pela marca, o compacto Ypsilon, montado sobre a mesma plataforma do Fiat 500. Após a morte Marchionne em 2018, o ítalo-americano John Elkann assumiu o comando, reafirmando a aliança FCA, mas este ainda não se manifestou sobre qual o futuro da Lancia, que até agora segue no limbo.
Segundo o site autonews.com, em 2018, o empresário chinês Li Shufu, dono das montadoras Geely e Volvo, demonstrou interesse em adquirir parte do grupo FCA após um encontro com Elkann e membros da família Agnelli. Apesar de as negociações não terem continuado, mesmo que a Lancia fosse comprada exclusivamente na época (como foi o caso da britânica MG Rover em 2005), a nova direção distorce a imagem da marca, desvinculando-a totalmente de seu legado histórico. Sinceramente, colocar seu nome na grade frontal de um carro chinês é torturar o espírito do falecido Vincenzo Lancia, seu criador. De qualquer modo, somente o fato da guerra comercial entre EUA e China após as medidas adotadas pelo governo Donald Trump, faria este plano ir por água abaixo, ainda bem.
Embora todo o cenário aponte para o fim da fabricante, algo temido pelos fãs ultimamente, mas plenamente aceito pela ausência de esperança, a estratégia de “reagrupamento” parece estar surtindo algum resultado. O Ypsilon tem estancado a sangria nos últimos anos, segundo afirma a imprensa italiana no site motori.news, o que tem ajudado a dar alguma sobrevida à marca nesta situação turbulenta.
Seguindo a ideia de “males que vem para o bem”, com a ascensão dos carros híbridos e elétricos, corre o boato de que o Ypsilon ganhará versões nesse formato, principalmente com a política de incentivos da União Europeia para promover automóveis ecologicamente corretos (o chamado “EcoTax”), conforme dito pelo portal italiano Mole24. Tal estratégia traria fôlego e alavancaria as vendas do modelo, que se encaixa dentro do segmento de veículos urbanos, mas nada foi confirmado pelo grupo FCA.
No cenário atual, uma das saídas para a Lancia seria passar por uma reforma de identidade que revigorasse o nome da companhia, voltar às raízes esportivas poderia dar um novo impulso, assim como vem acontecendo na Alfa Romeo nos últimos anos através de modelos como o Quadrifoglio. Entretanto, isto entraria em conflito com outras fabricantes da casa, como a Maserati que já disputam o setor, embora também esteja em decadência. O mundo do rally seria uma boa alternativa, mas por estar há décadas longe dos circuitos, isto exigiria anos de trabalho e investimento da FCA até os primeiros frutos serem colhidos.
Do lado de fora, economistas e cientistas políticos preveem uma nova crise mundial em consequência da pandemia de Covid-19, que já está atingindo toda a indústria automotiva. Ao final dessa matéria, o caminho da Lancia continua a ser um nevoeiro de dúvidas, boatos e incertezas, a marca se encontra entre a cruz e a espada neste momento. Tudo que resta é torcer para que a marca tenha como resistir ao amanhã, enquanto busca uma saída, que de preferência, traga o brilho que um dia já ostentou em seu nome.
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