Fonte: Envolverde - 19/09/07
Quando a central nuclear de Rheinsberg foi fechada há 20 anos, os ambientalistas esperavam que a flora e a fauna do vizinho lago Stechlin se reconstituísse e sobrevivesse sem maiores danos. A central atômica, 75 quilômetros ao norte de Berlim, no que então era a República Democrática Alemã, funcionou entre 1966 e 1988. A cada dia utilizava 300 mil metros cúbicos de água para esfriar o reator e voltava a despejá-la no lago, a uma temperatura 10 graus mais alta. Antes que a usina começasse a funcionar os cientistas consideravam que a água do lago era “a mais pura da Alemanha”, disse o bioquímico Peter Casper, do Instituto Leibniz.
Não havia razão para duvidar desse julgamento. O lago está rodeado por florestas e não existem explorações agrícolas. A região é escassamente povoada, por isso não há esgoto sendo despejado em suas águas. Mas, pouco depois de ter início seu funcionamento, os cientistas detectaram mudanças, disse Casper à IPS. “As algas e os microorganismos começaram a crescer rapidamente” e a fauna começou a degenerar, assegurou. “É o que chamamos desenvolvimento divergente da cadeia alimentar. Nem todos os organismos vivos no lago reagiram com a mesma velocidade às mudanças ambientais”, acrescentou.
“As algas e outros microorganismos cresceram mais rápido, mas seu ciclo vital também se fez mais curto. Isto significa que os peixes, que se alimentam de algas, não crescem na mesma velocidade e se vêem privados de seu alimento em uma fase critica para seu desenvolvimento”, explicou Casper. Este desajuste da cadeia alimentar altera a relação biológica da flora e fauna do lago. Mas, “sua estrutura bioquímica nunca se saturou, cremos, por causa do alto grau de pureza que tinha a água no começo”. Quando a central nuclear deixou de funcionar em 1988, os cientistas pensaram que a biodiversidade do lago retornaria ao seu estado original. Mas, não foi assim.
As mudanças na composição da água e sua temperatura, do mesmo modo que na flora e fauna, permanecem até hoje. “Provavelmente, nunca se recuperará”, disse Casper. “O aumento da temperatura devido ao aquecimento global perpetua as mudanças provocadas pela usina nuclear”, afirmou. As análises do Instituto Leibniz são de grande valor cientifico, dada a continuação e continuidade do estudo. “Consideramos que as mudanças que registramos no lago se correspondem com o que ocorre em maior escala nos oceanos devido ao aquecimento do planeta”, afirmou à IPS o diretor do instituto, Rainer Koschel. Biólogos marinhos detectaram modificações nos períodos de crescimento de algas e outras plantas marinhas por causa deste fenômeno.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática - uma rede da Organização das Nações Unidas formada por milhares de cientistas - 80% do aquecimento do planeta são absorvidos pela água marinha, o que aumenta sua temperatura, entre outras conseqüências. No mar do Norte, fora das costas de Alemanha e Holanda, biólogos do Instituto Alfred Wegener para a Pesquisa Polar e Oceânica estabeleceram que a elevação da temperatura, devido ao inverno tardio e à primavera antecipada do Hemisfério Norte, adiantou o florescimento das algas, especialmente as do tipo diatomea, o que distorceu a cadeia alimentar. Um quarto da biomassa da Terra é formado por diatomeas, alimento de peixes e outras espécies marinhas. Se diminuem prematuramente, a fauna que depende delas também sofre redução.
Outra conseqüência do aumento da temperatura do mar é a desaceleração da massa aquática. Em circunstâncias normais, a água quente tende a situar-se sobre a fria. Se a esta desaceleração for somado o aumento da temperatura da superfície oceânica, a mistura das diferentes massas de água se reduz. Isso, por sua vez, aumenta a concentração de água quente na superfície e da fria mais abaixo, onde diminui a oxigenação, o que leva à morte da fauna.
Alguns peixes e outros organismos marinhos só podem viver em águas de temperatura moderada. A truta marrom, por exemplo, não sobrevive a mais de 20 graus, e acima de 22 seus ovos morrem. Em 2003 e 2006, a temperatura dos rios da Alemanha ficou bastante acima desse limite. A truta migra para regiões de águas mais frias, mas, ao fazê-lo invade o habitat de outros peixes e altera as relações biológicas e a cadeia alimentar do lugar para onde se traslada, explicou Casper.