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A segunda lei da termodinâmica prevê que a entropia de qualquer sistema isolado sempre aumente, até atingir um máximo. Em outras palavras: sem uma intervenção exterior, a desorganização tende a aumentar. Assim, por melhores que sejam os equipamentos elétricos, eles necessariamente aquecem, pois uma parte da energia que deveria ser convertida em trabalho mecânico é dissipada na forma de calor. E os objetos supostamente inanimados deterioram-se com o tempo, mas não se regeneram espontaneamente.
Porém, essa “verdade” aprendida nas experiências cotidianas não vale necessariamente no mundo microscópico. De modo que os físicos reinterpretaram a segunda lei da termodinâmica, atribuindo-lhe um caráter estatístico. Embora o aumento da entropia prevaleça, existe uma probabilidade não nula de que ela possa diminuir também. Por exemplo: ao invés de vez de fluir do corpo quente para o frio, como é usual, o calor também pode fluir do corpo frio para o quente em certas situações. Os teoremas de flutuação (FT, da expressão em inglês fluctuation theorems) quantificaram com precisão essa probabilidade. E isso não é desprovido de interesse prático quando se pensa na operação de máquinas em escala nano.
Os FT foram propostos pela primeira vez em artigo publicado em 1993 na revista Physical Review Letters. Seus autores foram os australianos Denis Evans e Gary Morriss e o holandês Ezechiel Cohen, que testaram um desses teoremas usando simulações computacionais. Um artigo publicado agora na mesma revista mostrou que uma consequência dos teoremas de flutuação são as chamadas relações de incerteza termodinâmicas (TURs, da expressão em inglês thermodynamic uncertainty relations), que se relacionam com flutuações dos valores de grandezas termodinâmicas como calor, trabalho e potência. O título do novo artigo é Thermodynamic uncertainty relations from exchange fluctuation theorems.
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O primeiro autor, André Timpanaro, é professor na Universidade Federal do ABC (UFABC). E o coordenador do estudo, Gabriel Landi, é professor no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Também participaram dois pesquisadores do Departamento de Física do Trinity College Dublin, da Irlanda: Giacomo Guarnieri e John Goold. O estudo foi apoiado pela FAPESP por meio de dois auxílios regulares à pesquisa concedidos a Landi: “Entropy production in non-equilibrium quantum processes: from foundations to quantum technologies” e “Termodinâmica e tecnologias de informação utilizando sistemas quânticos de variáveis contínuas”.
Relações de incerteza
“As origens físicas das relações de incerteza termodinâmicas eram, até o momento, obscuras. Nosso trabalho mostrou que elas podem ser derivadas dos teoremas de flutuação”, disse Landi à Agência FAPESP.
“Quando começamos a estudar termodinâmica, nos deparamos com grandezas como calor, trabalho e potência. Sempre atribuímos a essas grandezas valores fixos e nunca cogitamos que elas pudessem flutuar. Mas isso acontece e, no mundo microscópico, tais flutuações são relevantes e poderiam influenciar o eventual funcionamento de uma máquina na escala nano. As relações de incerteza termodinâmicas estabelecem limites inferiores para essas flutuações, relacionando-as com outras grandezas, como o tamanho do sistema, por exemplo”, comentou o pesquisador.
As relações de incerteza termodinâmicas foram descobertas em 2015 pelo grupo de pesquisadores coordenado por Udo Seifert na Universität Stuttgart, na Alemanha. André Cardoso Barato, um ex-aluno do IF-USP, atualmente professor na University of Houston, nos Estados Unidos, participou da descoberta.
Essas relações apresentam uma estrutura matemática semelhante àquela do Princípio de Incerteza, de Heisenberg. Mas não têm nada a ver com física quântica. São puramente termodinâmicas. “A natureza das relações de incerteza termodinâmicas nunca ficou muito clara. Nossa principal contribuição foi mostrar que elas decorrem dos teoremas de flutuação. Acreditamos que esses teoremas descrevam, de forma mais geral, a segunda lei da termodinâmica. E que as relações de incerteza termodinâmicas sejam consequência deles”, disse Landi.
Segundo o pesquisador, essa generalização da segunda lei da termodinâmica “olha” para as grandezas termodinâmicas como entidades que podem flutuar – mas não de maneira arbitrária. Devem obedecer a certas simetrias. “Há vários teoremas de flutuação. Nós encontramos uma classe especial deles e os enfocamos como casos de simetria matemática. Assim, nós transformamos nosso problema em um problema matemático. Nosso principal resultado foi um teorema de teoria de probabilidades”, afirmou.
O artigo Thermodynamic uncertainty relations from exchange fluctuation theorems pode ser acessado em Physical Review Letters e também na plataforma aberta arXiv.org.
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