US$ 77 bilhões saíram do País após rebaixamento

Estudo do banco Credit Suisse diz que o quadro pode se agravar com a demora das reformas.

Desde que o Brasil perdeu o status de grau de investimento dado pela agência Standard & Poor’s, em setembro de 2015, US$ 77 bilhões de investimentos em títulos de renda fixa e empréstimos a empresas deixaram o País, segundo estudo do banco Credit Suisse. O quadro só não foi pior porque o Brasil não apresentava as mesmas fragilidades que tinha na década de 90, por exemplo. Mas ainda pode se agravar, na avaliação dos economistas do banco, se houver demora muito grande na aprovação de reformas que poderiam equilibrar as contas públicas, principalmente a Previdenciária.

Para o banco, historicamente, crises fiscais estão relacionadas com fuga de recursos do País. A maior parte das vezes em que houve moratória da dívida interna nos países da América Latina, incluindo o Brasil, as moedas locais se depreciaram como consequência da saída dos investimentos estrangeiros, o que dificultou a capacidade de pagamento dos juros e da própria dívida.

A intensidade da fuga dos dólares foi influenciada pela situação das contas públicas e pela percepção dos investimentos sobre a capacidade de pagamento da dívida.

Na avaliação do Credit Suisse, um dos primeiros a prever a necessidade de mudança das metas fiscais de 2017 e 2018, a deterioração fiscal do País, rombos cada vez maiores podem afetar o crescimento de longo prazo e tornar mais frágil o real.

Imagem: Ellen Mathys/ NZZ

Reservas

O banco diz, porém, que as reservas internacionais em nível elevado – cerca de US$ 380 bilhões – e os recentes resultados positivos nas transações do Brasil com outros países – o superávit comercial já chegou a US$ 48 bilhões este ano – dão um pouco mais de tempo para o País tocar as reformas fiscais. “Dado esse cenário relativamente tranquilo, o Brasil ganha tempo, mas não sabemos quanto tempo”, diz Leonardo Fonseca, economista do banco.


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O resultado de todas as transações que o Brasil faz com outros países já ficou negativo ao equivalente a 4,3% do PIB em dezembro de 2014, mas agora fechou julho em 0,7% do PIB, na leitura em 12 meses.

“No momento, a posição externa mais robusta do Brasil frente a crises fiscais e externas anteriores reduz o risco de uma forte saída de capitais. Em parte, isso explica a suposta complacência dos investidores com os atuais resultados fiscais bastante negativos”, diz o estudo do banco que vai ser divulgado nesta segunda aos clientes.

Se o lado exterior é benigno, o cenário para as contas públicas não é dos mais animadores. Segundo o estudo do Credit Suisse, mesmo assumindo cenários com crescimento do PIB de 2,5% nos próximos anos (acima da estimativa do banco para o crescimento potencial do País), as contas só voltarão ao azul a partir de 2021 e a dívida bruta do governo em relação ao PIB só se estabilizaria entre 2023 e 2024.

No caso de baixo crescimento (0,5% ao ano), o governo apresentaria déficits primários (resultado das receitas menos as despesas, sem contar o pagamento dos juros da dívida) pelo menos nos próximos oito anos, e a dívida bruta atingiria 123% do PIB em 2025.

Hoje, a relação dívida/PIB está em cerca de 73% do PIB. A trajetória desse endividamento é um dos principais itens analisados pelas agências de classificação de risco na hora de determinar a nota de crédito de um país.

Neste momento, taxa de câmbio não é problema

Apesar da perspectiva negativa para as contas fiscais e da incerteza política elevada, a taxa de câmbio tem permanecido “bem-comportada” nos últimos meses como reflexo do aumento de liquidez com um cenário muito favorável para economia brasileira. Segundo o Credit Suisse, em função desse ambiente favorável, o real está entre as moedas que se apreciaram frente ao dólar em 2017. 

“Tentamos relacionar o momento fiscal do País com os resultados recentes piores do que o mercado imaginava, e de alguma forma não se traduziu na piora dos preços dos ativos brasileiros”, diz Paulo Coutinho, um dos autores do estudo. 

Segundo ele, o banco analisou episódios de crises externas no passado em vários países para ver como de forma o processo de contaminação ocorreu. Nas últimas décadas, houve 19 casos de moratória da dívida interna (a maior parte na América Latina) e esses casos mostraram que a crise fiscal estava associada a uma crise das contas externas. Num movimento tradicional, em que o mecanismo de contaminação acontece em sequência: primeiro redução da liquidez externa, seguida por saída de capital dos países emergentes, depreciação cambial e desequilíbrio fiscal. Por último, vem o default da dívida.

Para o economista do Credit Suisse Lucas Vilela, a situação atual em que esse mecanismo não aconteceu é muito nova não só para o Brasil, como também para o histórico dos outros países. Para ele, se não houver reformas fiscais amplas, como a reforma da Previdência, que está atualmente emperrada no Congresso, essa situação não é sustentável. “ Como não temos nenhum paralelo, não dá para colocar um tempo”, diz.