Fonte: Envolverde - 31/07/07
O auge dos biocombustíveis elevou os preços dos produtos agrícolas, com sérias conseqüências para os países que dependem da ajuda alimentar para combater a fome, alertam especialistas. Em Washington, muitos só enxergam nos biocombustíveis uma fonte limpa e renovável de energia, capaz de tirar os Estados Unidos de sua dependência dos preços elevados do petróleo e da instabilidade no Oriente Médio. Também os vêem como uma forma de revitalizar a deprimida agroindústria dos Estados do Meio Oeste desse país, a região produtora de cereais por excelência. Por estas razões, muitos políticos propõem os biocombustíveis como uma alternativa para as importações de petróleo.
O aumento na produção de etanol fez disparar o preço do milho, que praticamente duplicou no último ano. Os especialistas alertam que a demanda norte-americana por biocombustíveis seguramente se estenderá a países da América do Sul e do sudeste da Ásia, regiões produtoras de cana-de-açúcar e óleo de palma e capazes de produzir etanol e biodiesel de forma mais eficiente do que os métodos norte-americanos baseados no milho. O Brasil é o país que lidera esta tendência. Segundo os índices de preços elaborados pelo Banco Mundial, as matérias-primas agrícolas agora custam 21% mais do que em 2005, embora os cereais e o óleo tenham aumentado mais de 30%.
A diretora-executiva do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas, Josette Sheeran, se referiu ao impacto dos biocombustíveis na alta dos preços dos alimentos em uma entrevista publicada este mês pelo jornal britânico Financial Times. Sheeran disse que essas altas já estavam afetando os programas desenvolvidos pelo PMA. “Nos conscientizamos de que enfrentamos um novo tipo de desafio”, declarou. Os preços aumentaram no último ano por várias razões, entre elas a crescente demanda da China e as más condições climáticas.
Porém, o auge dos biocombustíveis nos Estados Unidos e na União Européia podem causar sérias conseqüências ambientais e econômicas. A Comissão Européia, órgão executivo do bloco europeu, discute uma proposta que, se for aprovada, obrigará a adição de 10% de biodiesel à gasolina e ao diesel. “No caso dos países em desenvolvimento onde a cana-de-açúcar e o óleo de palma são fontes eficientes de biocombustível, veremos um grande crescimento na produção de etanol e biodiesel”, disse à IPS o presidente do Earth Policy Institute, Lester Brown. “Isto levará a um rápido desmatamento se ninguém intervir para detê-lo. Provocará um importante desmonte na Amazônia, Indonésia e Malásia”, acrescentou.
O Brasil já anunciou que proibirá novas plantações de cana na Amazônia e no Pantanal, mas os analistas estão preocupados com o impacto que a febre da produção de biocombustíveis terá nas regiões equatoriais. “Estávamos acostumados a ter um setor alimentar e um setor energético, mas agora eles estão se fundindo. Já não poderemos traçar uma linha divisória entre ambos”, disse Brown. “O preço internacional dos cereais subiu, para seu valor equivalente em petróleo”, acrescentou. Sem uma barreira entre o preço dos alimentos e o do petróleo, a instabilidade política e econômica terá um impacto maior no valor dos produtos agrícolas.
O PMA foi forçado a reduzir seus programas de ajuda alimentar. Entretanto, alertou que a tendência à alta dos preços dos alimentos o obrigaria eventualmente a reduzir alguns dos planos se os países doadores não fornecerem fundos adicionais. Os biocombustíveis “são uma alternativa perigosa, por causa de seu impacto no preço dos alimentos e na estabilidade política. Pode gerar um grau de instabilidade capaz de alterar o progresso econômico. Se querem saber o que acontecerá com o preço dos alimentos, basta olhar para o preço do petróleo”, afirmou Brown.
Os países em desenvolvimento são a fonte mais importante de biocombustíveis e, ao mesmo tempo, os principais receptores de ajuda alimentar. O maior impacto da indústria dos biocombustíveis, bem como de suas conseqüências econômicas e ambientais, será sentido nessas empobrecidas regiões, previu o especialista.