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Ao escândalo das emissões da Volkswagen, revelado em setembro passado, seguiu-se uma avalanche de tragédias corporativas: mais de 16 bilhões de euros em despesas para financiar o recall de milhões de carros e ações judiciais; a saída do ex-CEO global, Martin Winterkorn, e do presidente da empresa nos Estados Unidos, Michael Horn; além de um prejuízo líquido de 1.58 bilhão de euros em 2015, em comparação com o lucro líquido de 10.85 bilhões de euros no ano anterior.
A notícia da adulteração do software de motores a diesel para fazê-los parecer menos poluentes também veio acompanhada de um escrutínio público ferrenho. Diante do descrédito dos consumidores e das agências governamentais, a montadora alemã confronta, agora, o desafio de buscar mais transparência e sustentabilidade para suas operações. E ela não está sozinha — esses imperativos se estendem para toda a indústria automotiva, sob risco de sofrer com penalidades crescentes.
É o que indica um relatório que analisa a exposição das 15 maiores fabricantes de automóveis do mundo (representando mais de 90% das vendas globais) ao endurecimento das regulações ambientais e a sofisticação dos mecanismos de controle de emissões de gases poluentes na esteira do "dieselgate" da Volks.
O estudo produzido pelo CDP, organização internacional que atua junto a investidores e empresas na mitigação das mudanças climáticas e no reporte de emissões, mostra que seis delas — General Motors, Ford, Hyundai, Honda, BMW e Daimler — enfrentam risco potencial de sofrer penalidades somadas de até 4,8 bilhões de dólares (da União Europeia e dos Estados Unidos combinadas).
As duas gigantes americanas General Motors e Ford estão expostas às maiores perdas, de US$ 1,8 bilhão e US$ 1,2 bilhão, respectivamente, à medida que as leis e regulamentos de emissões enrijecem, levando a pesadas multas monetárias, sanções legais até mesmo prejuízo de reputação.
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(E)missão impossível?
Em entrevista a Eame.com, Juliana Lopes, diretora do CDP para a América Latina, contou que a entidade já havia sinalizado para o problema, em estudos anteriores, antes do escândalo da Volks vir à tona. “O caso da VW evidenciou que as empresas não estão adotando os cuidados necessários para se prevenir dos riscos de penalidades e sanções de regulações mais restritivas em relação às emissões”, afirma a especialista.
O relatório também destaca que as metas de emissão da frota de veículos de passageiros aplicadas ao setor não estão alinhadas aos esforços para limitar o aumento da temperatura global a 2 graus Celsius, a fim de se evitar mudanças climáticas perigosas. “Na prática, isso significa que podemos esperar limites mais severos no futuro, especialmente após a assinatura do Acordo de Paris”, diz Juliana, referindo-se ao primeiro marco jurídico global de combate às mudanças climáticas que demandará reduções profundas nas emissões globais a fim de alcançar seu objetivo final.
Em seu mais recente relatório sobre o setor, o CDP criou um ranking das fabricantes mais preparadas para lidar com as questões climáticas. A Volkswagen despencou do sexto lugar na edição 2015 da pesquisa para o décimo primeiro lugar em 2016. A montadora alemã recebeu uma nota 'E' para as emissões da frota, na sequência do escândalo de emissões; mas no lado positivo, alcança nota 'A' para veículos avançados e critérios de emissões no processo de fabricação.
Cerca de 20% das emissões da indústria vêm da fase de fabricação. Além da Volkswagen, também se destacam positivamente nesse quesito a BMW, Daimler e FCA. “As emissões de produção, tanto das montadoras quanto de seus fornecedores, podem ser um bom indicador para avaliar a eficiência de fabricação dos carros. Ações para reduzi-las vão da substituição de materiais ao uso de unidades de recuperação de calor de resíduos”, explica James Hulse, Head de Investors do CDP.
“De uma perspectiva de custo operacional, essas medidas podem resultar em poupanças significativas. Além disso, as montadoras que começam a se envolver com seus fornecedores em questões de eficiência de fabricação são consideradas mais bem preparadas e mais resistentes a uma transição de baixo carbono”, avalia.
Segundo James, os fatores ambientais são cada vez mais determinantes para o sucesso de uma empresa. “Eles impactam o valor de mercado das montadoras e os investidores estão levando isso em consideração”, afirma.
O relatório identificou que cerca de metade dos fabricantes de automóveis são ligeiramente favoráveis à regulação de baixo carbono. Por outro lado, as empresas que promovem a obstrução de políticas de mudanças climáticas estão mais expostas aos ricos de choques regulatórios.
“Algumas empresas podem fazer pressão contra a regulação do clima para o ganho de curto prazo, mas ao mesmo tempo elas podem estar se preparando para uma mudança de longo prazo para uma economia de baixo carbono”, observa o especialista.
Carros verdes
Segundo o CDP, o escândalo da Volkswagen criou um cenário fértil para as montadoras “pisarem fundo” no desenvolvimento de modelos verdes ou, como diz a consultoria, "veículos avançados", que incluem os carros elétricos a bateria, elétricos e híbridos plug-in (versão em que a bateria também pode ser recarregada em uma fonte externa de energia) e veículos a célula de combustível (alimentados por combustível hidrogênio, por exemplo). Quem está cantando pneu nessa seara é a fabricante japonesa Nissan — o seu compacto LEAF é o mais vendido em todo o mundo, ao lado do Chevrolet Volt, segundo o relatório.
Em um mundo assombrado por catástrofes relacionadas às mudanças climáticas e previsões de escassez de petróleo em prazo relativamente curto, pouco a pouco, os verdinhos se revelam uma espécie de ‘tábua de salvação’. A Alemanha iniciou no mês de maio um programa de incentivos fiscais para promoção de carros verdes: o país quer aumentar sua frota dos atuais 50 000 carros elétricos nas estradas para 1 milhão, dentro de quatro anos.
Com a investida, o governo alemão espera impulsionar o segmento de modelos verdes a ponto de torná-los um "mercado de massa”. A iniciativa também ajudaria a frear os efeitos comerciais e ambientais do escândalo de manipulação dos testes de emissão nos modelos a diesel da Volkswagen.
Países como a Noruega e a Holanda já usam sistemas de incentivos para encorajar o a expansão dos carros elétricos e é justamente nesses lugares que a mobilidade elétrica mais cresce.
O desafio de atender às regulações mais severas, seja as de combate à poluição ou às mudanças climáticas, não se aplica apenas às montadoras. Se os governos quiserem evitar um novo escândalo de emissões, eles precisarão abordar as divergências que existem entre os testes de laboratório e o desempenho real dos carros nas estradas.
“O que existe de conhecimento sobre performance das emissões automotoras vem de estatísticas de laboratório, não de testes em condições de estrada, que geram resultados bem diferentes. Por isso, atualmente, os governos não podem dizer que possuem dados consistentes sobre o inventário de emissões do transporte em seus países. Não dá para fazer política pública efetiva sem isso. Os governos precisam de um sistema de MRV (Monitorar, Reportar, Verificar) capaz de quantificar as emissões”, analisa Guilherme Gonçalves, diretor de projetos para o Brasil e América Latina da Impact Global Emission Solutions (IGES).
A empresa britânica, que assessora governos e o setor privado na definição de políticas e melhoria de projetos para redução das emissões, está empenhada em implementar no Brasil o primeiro monitoramento com desempenho real dos carros nas estradas. Segundo Gonçalves, equipamentos de medição instalados em vias estratégicas podem medir as emissões dos carros que passam por ali, detectar o tipo de poluente e cruzar essas informações com a placa do veículo, a velocidade e a própria qualidade do ar na região.
“Ao cruzarmos esses dados, não distorcemos a medição e conseguimos informações consistentes. Com isso, é possível montar um inventário de emissões com dados reais e identificar os grandes emissores do setor de transporte”, explica o especialista, que lamenta o ritmo de avanço vagaroso do projeto devido “ao momento político instável do país”.
No ano passado, a empresa implementou um projeto piloto em Gana, na África, que mostra que em média as emissões veiculares nas estradas são 50% maiores do que as emissões reportadas pelas montadoras ou dos testes de laboratório. Eles também descobriram que apenas uma pequena parcela da frota é responsável pela maior parte da emissão.
“Em Gana, 5% da frota causava 50% da emissão de CO2. Só em identificar esses altos emissores, temos condições de criar iniciativas e programas de controle que ataquem esse problema. Se pensarmos nos custos absurdos da poluição para a saúde e o meio ambiente, a adoção de um sistema de controle real de emissões só traz benefícios”, diz Guilherme.
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