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“Não tem mais dinheiro para loucuras. Acabou.” Assim José Luiz Gandini, presidente da Kia Motors do Brasil, define o momento atual dos importadores de veículos no País. “É a pior crise já vivida pelo setor aqui, não tenho dúvida disso. Depois dos 30 pontos de IPI (sobretaxação a carros importados imposta pelo governo brasileiro desde 2012), o dólar a R$ 4 praticamente acaba com o negócio”, afirmou o empresário em reunião com alguns jornalistas. Com o cenário de taxa de câmbio nas alturas, Gandini projeta para 2016 um ano ainda mais difícil do que tem sido os últimos quatro, quando as vendas da Kia mergulharam de 85,8 mil unidades em 2011 (pico histórico da marca coreana por aqui) para 23,8 mil em 2014. Mas ainda existem no horizonte duas esperanças: a primeira, mais concreta, é a importação de uma cota da fábrica que a Kia constrói no México com isenção dos 35% de alíquota de importação; a outra, bem menos segura, seria o fim da sobretaxa de IPI, possibilidade que segundo Gandini é vista com simpatia por membros do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
Com o argumento de preservar a indústria nacional e frear o crescimento acelerado das importações no País, desde 2012 o governo sobretaxa com 30 pontos porcentuais adicionais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos importados de fora do Mercosul e México ou com baixo conteúdo de peças nacionais. Essa sobretaxação foi estendida para o Inovar-Auto, política industrial desenhada para o setor automotivo de 2013 a 2017, mas foi concedida uma cota com teto de 4,8 mil unidades isentas do imposto maior para os importadores que concordassem em atender metas de eficiência energética, etiquetagem veicular e investimento em pesquisa e desenvolvimento local. “Na época eu era presidente da Abeiva (associação dos importadores de veículos, hoje Abeifa, que reúne fabricantes também) e levei ao então ministro Fernando Pimentel (do MDIC) a ideia de uma cota com base na média de vendas de três anos. Saí de lá aliviado porque aceitaram minha proposta, mas aí colocaram o teto, que no caso da Kia equivalia a menos de 10% da nossa média de três anos, que era de quase 52 mil. Com isso nosso desempenho despencou”, lembra Gandini.
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“Com o câmbio no nível em que está ninguém mais pode importar fora da cota, pois é impraticável pagar 30 pontos de IPI com o dólar a mais de R$ 4, é impossível repassar. Por isso ninguém que eu conheça está trazendo carros além da cota”, destaca o importador da Kia no Brasil, que em 2012 chegou a importar oito vezes mais do que o teto permitido sem sobretaxação. Ele afirma que está desenhando seu planejamento para 2016 para trazer da Coreia o máximo de 4,8 mil unidades permitidas sem pagamento de IPI extra, que torna o carro importado 32% mais caro em comparação com os que não pagam o tributo, segundo cálculos da Kia. Volumes adicionais serão trazidos da fábrica do México, que começa a operar ano que vem, e do Uruguai, onde é montado em CKD o minicaminhão Bongo, cujas vendas são de cerca de 5 mil unidades/ano.
Se nada mudar em relação aos 30 pontos e ao câmbio, somando todas as fontes de importação Gandini projeta 2016 com vendas ainda menores do que os quase 24 mil modelos Kia que, ele estima, deverão ser emplacados no País este ano – volume idêntico ao de 2014, que foi 18% menor que o de 2013. Mas o desempenho atual sugere dificuldades adicionais: de janeiro a agosto passado foram licenciados 11,4 mil veículos da marca, em retração de 26,5% sobre o mesmo período de 2014.
Com isso, Gandini acredita ser “bastante provável” nova redução de sua rede, que caiu de 180 concessionárias em 2011 para 135 agora. “Mantivemos a rede viva até agora graças aos serviços de pós-vendas para atender a uma frota de Kia que já chega a 350 mil veículos rodando no País, e também com a revenda de usados”, explica. “Já será bom se mantivermos o mesmo número de lojas em 2016.”
Esperanças brasileira e mexicana
Para não ser obrigado a reduzir volumes e o tamanho de sua operação em 2016, Gandini foca esperanças em dois fatores: a fábrica mexicana da Kia e o fim dos 30 pontos extras de IPI. Essa segunda parte parece ser improvável antes do fim da primeira fase do Inovar-Auto, que termina em 2017 e está baseado justamente nas concessões de benefícios fiscais gerados pela sobretaxação, isentando dos 30 pontos o valor das compras de peças nacionais e quem investe em produção no País. Esta semana representante do MDIC admitiu que o governo pode pôr fim ao imposto extra, mas só na segunda fase do programa.
Contribui para a queda dos 30 pontos o processo movido pela União Europeia na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o Brasil e a sobretaxação do Inovar-Auto, considerada ilegal pelos europeus por aplicar a bens importados tributação superior à máxima permitida de 35%. Esta semana o Japão também fez a mesma reclamação na OMC. Caso o governo perca a contenda e menos de dois anos, o que é pouco usual nos processos da entidade, seria a melhor chance de obrigar à revogação do tributo extra antes do fim do Inovar-Auto em 2017.
“Estive no recentemente MDIC e muitas pessoas lá são a favor de acabar com isso. Não tenho certeza de nada, mas pelo que ouvi estou confiante que os 30 pontos podem ser revogados ainda em 2016, porque isso foi feito em outro momento, quando o dólar estava cotado a R$ 1,60. Hoje não faz mais sentido”, avalia Gandini. Ele espera também sensibilizar o governo alertando que a diminuição do setor de importação eleva o desemprego no País e reduz investimentos em pesquisa e educação. O empresário estima que atualmente a operação brasileira da Kia tem 7 mil empregados, somando a importadora e as concessionárias. “Não é uma operação pequena, esse patrimônio precisa ser protegido também”, diz.
Além disso, para poder usar a cota do Inovar-Auto, a empresa deposita porcentual de seu faturamento em fundo de investimento destinado a fomentar pesquisa e desenvolvimento. “Em 2014 depositamos R$ 12,8 milhões, equivalente a 1% das receitas, este ano a obrigação sobe para 1,5%”, informa Gandini. “Estou depositando religiosamente o valor. Mas sei que tem gente que não está pagando nada”, alfineta.
Enquanto nada diferente acontece no Brasil, a maior oportunidade de aumentar as vendas com rentabilidade por aqui é trazer carros fabricados no México, país com o qual desde 2007 o Brasil mantém acordo de livre comércio bilateral de veículos leves, com isenção de imposto de importação, que também foi limitado por cotas a partir de 2012. A planta mexicana da Kia recebe investimentos de US$ 1 bilhão e terá capacidade para 300 mil unidades/ano, em operação que deve ser iniciada em maio próximo.
Gandini já fez seu pedido de importação do México, mas prefere não revelar a quantidade solicitada, porque não sabe ainda se será atendido. “Devemos trazer no segundo trimestre do ano que vem a nova geração do Cerato (sedã médio), que é o primeiro carro a ser fabricado lá. Depois, a partir de agosto, vem o novo Rio (hatch médio feito sob a mesma plataforma), mas estou fazendo de tudo para adiantar isso, para poder lançar o modelo junto com a Olimpíada do Rio 2016”, revela o empresário. “Mais adiante pode vir também o KX3, um SUV pequeno da Kia já vendido na China. Tem o mesmo motor 1.6 e a plataforma do Cerato. Acho que pode dar muito certo aqui também”, aposta.
Aumento de preços
Esperando para fechar uma operação de câmbio há mais de 15 dias, na esperança de ver a cotação do dólar baixar um pouco, Gandini avalia que os estragos feitos pela alta do dólar aos importadores ainda não chegou ao mercado. “Estou pagando hoje a produção na Coreia de outubro. São carros que só vão chegar ao Brasil em janeiro, aí sim com preços já totalmente afetados pela taxa de R$ 4”, alerta.
Com isso, ele avalia que o negócio de importação de veículos deve recuar ainda mais em 2016, especialmente para os que vendem carros mais baratos. “Pode esquecer qualquer carro abaixo de R$ 30 mil com esse câmbio”, diz, lembrando que o dólar também deve afetar o preço dos carros nacionais que têm componentes importados.
No atual cenário de curto prazo bastante nebuloso e volátil, Gandini estima que o mercado brasileiro de veículos leves mal chegue a 2,4 milhões de unidades vendidas este ano, mantendo o ritmo de 200 mil/mês. “A Anfavea fala em 2,6 milhões, mas eu não acredito.” Ainda assim, o empresário destaca que o Brasil segue sendo um dos maiores mercados de veículos do mundo: “Não se pode perder isso de vista”, resume.
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