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Pela primeira vez em muitos anos, o assunto que domina totalmente as conversas nos corredores e estandes da Agrishow, maior feira de máquinas agrícolas do Brasil, são as taxas de juros. E os comentários não são muito otimistas.
O megaevento, que traz desde segunda-feira centenas de fabricantes para expor máquinas e implementos em uma área em Ribeirão Preto do tamanho de 44 campos de futebol, ocorre na esteira de uma série de mudanças e incertezas nas linhas de crédito oficiais que estão afujentando compradores e devem fazer o setor a fechar 2015 com queda nas vendas.
"Já estamos vivendo a nova taxa (de juros), que claramente está tirando um pouco a vontade dos produtores de continuarem investindo em mecanização", disse à Reuters o vice-presidente para a América Latina da New Holland, Alessandro Maritano. A empresa tem um dos maiores estandes de tratores e colheitadeiras na Agrishow deste ano.
Desde o fim de 2014, o panorama do financiamento disponível para produtores rurais mudou bastante no Brasil, com o aperto fiscal do governo desafiando os investimentos e a competitividade da economia do país.
Sob a liderança do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o governo mexeu no Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que oferecia até então as melhores linhas de crédito para aquisição de máquinas. Os recursos foram enxugados e os juros, que variavam de 4 a 8 por cento ao ano, subiram para até 11 por cento ao ano, dependendo do tipo de equipamento financiado.
Com isso, as atenções do mercado voltaram-se para o Moderfrota, um instrumento com juros subsidiados criado na virada do século, que também sofreu ajustes, mas ainda assim apresenta juros melhores que o PSI.
Na prática, foi o fim de uma era de juros muito baixos aos quais os compradores ficaram acostumados nos últimos anos.
"Quando você dá uma droga estimulante ao mercado e depois tira essa droga, tem sempre um período em que sente falta", avaliou Maritano, da New Holland, uma empresa do grupo italiano CNH Industrial.
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Mais um ano ruim
As novas taxas de juros, junto com outros fatores importantes, como a queda nos preços das commodities e as incertezas sobre o futuro da economia brasileira, deverão fazer a indústria de máquinas agrícolas amargar um segundo ano consecutivo de encolhimento em 2015, segundo importantes executivos.
No primeiro trimestre, as vendas de colheitadeiras no Brasil desabaram 42 por cento na comparação com o mesmo período de 2014. Esse segmento já fechou o ano passado com diminuição de 26 por cento ante 2013.
Já as vendas de tratores de rodas, que recuaram 14,5 por cento em 2014, acumulam percentual semelhante de retração entre janeiro a março, segundo dados da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos (Anfavea).
"Nós prevemos que ficará neste patamar pelo resto do ano", disse o vice-presidente para América do Sul e América do Norte da AGCO, fabricante das marcas Massey Ferguson e Valtra, Robert Crain.
"O ano caminha para ser menor (em vendas) do que 2014", afirmou o presidente da John Deere no Brasil, Paulo Herrmann.
Além da questão dos juros nos financiamentos, produtores estão mais cautelosos em assumir novas dívidas com investimentos pela situação dos preços das commodities e o câmbio.
Produtos como soja, milho, açúcar e café, entre os mais importantes da matriz agrícola brasileira, têm registrado quedas nos valores.
E a compra dos insumos para o plantio 2015/16 --muitos deles importados, como fertilizantes e defensivos-- já está ocorrendo com o novo patamar do câmbio.
"O problema tem sido a volatilidade. O pessoal no campo fica meio maluco para tentar encontrar o melhor ponto para vender o produto e comprar o insumo", avaliou o diretor comercial do banco Itaú BBA Alexandre Figliolino.
Economia brasileira
As menores compras de máquinas agrícolas em 2015 acompanham uma queda nos investimentos em geral no país que ameaçam deprimir ainda mais a economia brasileira no futuro, segundo avaliação da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
A Formação Bruta de Capital Fixo --uma medida dos investimentos no país-- teve baixa de 4,4 por cento em 2014, contra alta de 6,1 por cento no ano anterior.
"O que nós vendemos representa boa parte do que o país investe. Se nós deixamos de vender, o país deixa de investir", disse o presidente da Abimaq, Carlos Pastoriza, um dos organizadores da Agrishow.
Os efeitos dos baixos investimentos, segundo ele, são depressão do Produto Interno Bruto (PIB) e uma desindustrialização do país, com maior desemprego.
Plano safra
Logo na abertura da Agrishow, a ministra da Agricultura Kátia Abreu foi cercada por quase 20 jornalistas. O principal questionamento: como serão os juros e os volumes de recursos disponíveis no Plano Safra 2015/16.
A ministra deu poucos detalhes. Limitou-se a dizer que "o custeio agrícola não deverá ter nenhuma redução" e que "teremos também um juro proximamente de neutro", indicando uma alta.
As dúvidas do setor produtivo, especialmente sobre as linhas para financiar investimentos, continuam grandes.
"Juros e volume de recursos para agricultura empresarial, realmente não sabemos. É uma incógnita", reclamou o diretor da Tatu Marchesan, uma das maiores fabricantes de implementos agrícolas do país, João Carlos Marchesan.
Segundo empresários, não há indicativos claros, por exemplo, sobre os recursos e os termos para o Moderfrota no novo Plano Safra, vigente a partir da metade do ano.
O anúncio do plano para 15/16 está marcado para 19 de maio.
Perspectivas de médio prazo
Um visitante menos atento, ao observar a opulência dos estandes da Agrishow e o grande número de novos lançamentos, nunca diria que o setor vive um período difícil.
De fato, é sólida a confiança das empresas em uma recuperação em breve, impulsionada mais pela fé no agronegócio global do que pela confiança nos rumos da economia brasileira.
"Se você olhar para o histórico da agricultura brasileira, a maior parte deles nunca caiu mais do que dois anos seguidos nos últimos 25 anos. E este é o segundo ano. O próximo ano não será nada maravilhoso, não vai às alturas, mas há possibilidade de ser melhor que este", previu Crain, da AGCO. "Nós vamos continuar investindo."
Segundo os executivos, os fundamentos para um crescimento do setor no médio prazo não deixaram de existir: a demanda global por alimentos continuará crescendo e o Brasil é um dos poucos países que pode ampliar sua produção, tanto com novas áreas quanto com ganhos de eficiência.
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