GM para de exportar carros do Brasil para o mercado argentino

Também deixou de importar os Chevrolet Agile e Sonic por fracas vendas.

A General Motors suspendeu a exportação de veículos produzidos no Brasil para a Argentina, segundo o presidente da GM na América do Sul, Jaime Ardila, em decorrência das restrições do país vizinho à liberação de dólares para importação. As montadoras tendem a sacrificar o embarque de veículos para dar prioridade ao envio de peças, já que suas fábricas argentinas dependem dos componentes fornecidos pelo Brasil.

Faz um mês que a indústria automobilística não consegue obter a moeda americana no Banco Central da Argentina, diz Ardila. Segundo executivos locais, as montadoras têm US$ 2,5 bilhões a receber. Fontes do Banco Central informaram que a situação do setor automotivo é particular e, por isso, as negociações estão a cargo do governo federal. A exposição cambial preocupa as empresas, sobretudo diante da perspectiva de novas desvalorizações do peso.

O presidente do grupo Fiat/Chrysler na América Latina, Cledorvino Belini, diz que a tendência é a indústria diminuir os volumes de exportações do Brasil e continuar a importar os carros fabricados na Argentina. Isso deve fazer com que o resultado da balança comercial do setor, tradicionalmente superavitária para o Brasil, se reverta em favor dos argentinos. Em 2013, as exportações de veículos e peças do Brasil para o mercado vizinho somaram US$ 11,2 bilhões e as importações, US$ 8,8 bilhões.

O Brasil perderá, portanto, encomendas do mercado que praticamente sustenta todas as suas exportações de veículos. É para a Argentina que seguem 85% das vendas externas da indústria automobilística, que hoje apresenta pouca competitividade para disputar outros mercados da própria América Latina.

Para Ardila, a situação é temporária. "As coisas devem se normalizar quando o problema com os 'holdouts' for solucionado ", diz o executivo, ao referir-se à batalha que a Argentina trava com credores. Diante da sentença da Justiça dos Estados Unidos favorável a um grupo de credores que se recusou a renegociar a dívida externa, a Argentina ficou impedida de continuar pagando aos que aceitaram a reestruturação.


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O país está em "default" e sem acesso aos mercados internacionais. Daí a necessidade de segurar as reservas, que hoje somam US$ 28,3 bilhões. O setor automotivo, que sustenta no intercâmbio comercial Brasil-Argentina toda a sua estratégia de manufatura na América do Sul, é o primeiro a sentir o impacto das restrições.

Os dirigentes do setor também querem evitar a exposição cambial. Em um mês, o dólar oficial subiu 1,5%. A moeda valia 8,29 pesos em 11 de agosto e ontem fechou em 8,42. Nesse ritmo, os importadores sempre pagarão pela moeda estrangeira mais do que quando o carro ou peça cruzaram a fronteira. "Isso é prejuízo diário que vai direto para os resultados", destaca Ardila.

Um executivo de outra montadora que prefere não ser identificado diz que para evitar o excesso de exposição cambial a tendência é que a produção seja reduzida nos dois países. "A quantidade de dólares diminuirá lentamente. Caberá a cada empresa definir o nível de exposição cambial que quer arriscar. Mas vai chegar um momento em que essa situação exposta nos balanços vai chamar as atenções das auditorias, que podem apontar os riscos de a empresa não receber aquele dinheiro", diz a fonte.

O impacto da falta de divisas será, porém, compensado pela retração nas vendas. Mesmo que o resultado passe a ser favorável aos argentinos, os volumes tanto de importação como de exportação vão cair em razão da forte retração da demanda. Ardila prevê quedas de 10% e 30% nas vendas de veículos no Brasil e Argentina em 2014, respectivamente. Assim como no Brasil, as fábricas argentinas reduziram as jornadas de trabalho.

Mesmo assim, a falta de carros será sentida pelo consumidor argentino entre o último trimestre e o início de 2015, segundo Dante Sica, diretor da Abeceb, uma das maiores consultorias de Buenos Aires. "Os estoques estão diminuindo por falta de importação e de peças para produzir", destaca.

A GM já deixou de enviar Onix, Prisma e a picape S-10, produzidos no Brasil. A fábrica de Rosário produz só o Corsa Classic. A Volkswagen brasileira fornece o Gol, carro mais vendido também na Argentina. A Toyota produz a picape Hilux em Zárate, mas para isso depende de peças do Brasil, de onde é também exportado o Corolla.

A Ford dividiu as linhas do Mercosul por tamanho de carro. Pequenos, como Fiesta, saem do Brasil. Já o Focus e a picape Ranger são feitos em General Pacheco, na Grande Buenos Aires. Hoje, a Fiat é a única que produz um mesmo modelo nos dois países - o Palio sai de Betim (MG) e de Córdoba.

Foi, aliás, decisão de Belini paralisar a produção em Córdoba na crise de 2001, data do último calote argentino. Ele lembra que na época o mercado local encolheu de 400 mil para 90 mil veículos por ano, um décimo do que foi em 2013. "Era inviável manter a linha", diz

Por isso, entre 2001 e 2004, apenas as áreas de manutenção e vigilância funcionaram em Córdoba. "Não fechamos a fábrica porque sabíamos que um dia a situação ia melhorar". É a mesma esperança que o executivo mantém hoje. E voltar a paralisar a produção em Córdoba está longe dos seus planos. "Já passamos por crises piores, nos dois lados", destaca.

Além das dificuldades para importar, os executivos do setor que estão na Argentina têm passado bom tempo em reuniões com o governo para responder a acusações. Na segunda-feira à noite, eles se reuniram com a presidente Cristina Kirchner, que os acusou publicamente de "esconder" carros populares que participam de um programa de crédito especial governamental.

Segundo informações de pessoas presentes à reunião de quase três horas, Cristina gastou uma hora e meia para exibir slides com números de crescimento do setor. E pediu a todos para começar a produzir, vender e exportar.

Ontem (10) houve reunião com o ministro da Economia, Axel Kicillof, que também vive irritado com o setor. Na terça-feira, ele disse que o setor automotivo "cresceu como nunca nos 200 anos de história da Argentina". O ministro talvez não saiba que a produção de veículos em série é mais recente, um invento de Henry Ford em 1913. Mas ao dar-se conta que havia exagerado, logo emendou: "É claro que não havia automóveis no início".