Conflito de interesses trava solução de mercado para crise automotiva

Crédito mais fácil, retomada nas exportações para a Argentina e, se possível, a manutenção dos descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) até o fim do ano. Essa era a receita das montadoras para levantar um setor que, desde janeiro, amarga queda superior a 13% na produção e de 5,5% nas vendas.

As notícias que chegam de Brasília esfriam, porém, a expectativa de uma saída da crise via liberação de crédito à compra de carros. Desde abril, o governo tenta articular com bancos uma solução de mercado para socorrer as montadoras, mas, até aqui, todas as alternativas colocadas na mesa esbarraram em questões de política monetária - dada a prioridade no controle da inflação - ou na falta de sintonia dos interesses da própria iniciativa privada.

Primeiro, aventou-se a criação de um fundo para cobrir parte dos prejuízos com calotes nos financiamentos de veículos. A premissa parecia certeira: ao se reduzir o risco da operação, haveria maior disposição dos bancos em financiar automóveis.

Contudo, os bancos esbarraram em problemas operacionais para viabilizar o fundo. Entre os entraves, as diferenças nas qualidades das carteiras de crédito, que variam de um banco a outro. Como algumas instituições têm índices de inadimplência muito menores do que outras, ficou difícil decidir quem pagaria a conta. Sem consenso, a proposta foi engavetada

Em seguida, as instituições financeiras tentaram criar outro fundo, de R$ 5 bilhões, para compra de carteiras dos bancos de montadoras. A teoria, novamente, parecia sem erro: diminuir o custo de captação dos bancos permitiria que eles concedessem crédito a juros mais baixos. Na prática, porém, a proposta esbarrou na resistência do Banco Central (BC) em liberar recursos do depósito compulsório para compor o patrimônio do fundo, além de divergências entre os próprios bancos sobre a efetividade da medida. Da mesma forma, o BC mostrou relutância em diminuir a exigência de provisão para empréstimos, conforme o tomador quitasse as parcelas.


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Uma terceira alternativa, essa mais consensual entre bancos, também tem sua cota de obstáculos. A possibilidade de mudar as regras de recuperação dos automóveis animou os banqueiros, que, já há algum tempo, pleiteiam agilidade nos processos de retomada do bem em casos de inadimplência. A solução, porém, não se viabiliza tão facilmente, já que depende de mudanças na legislação.

Fabricantes de automóveis e bancos têm, em geral, diagnósticos opostos sobre a derrocada no consumo de automóveis no país. Para os primeiros, o rigor bancário na análise de crédito, restringindo o acesso a esse mercado, está no cerne da crise. A Anfavea, entidade que representa os interesses das montadoras, cita com frequência que apenas algo em torno da metade das propostas de crédito encaminhadas para os bancos são aprovadas.

Já os banqueiros, como o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, avaliam que o problema está na demanda. Ou seja, mais endividadas e menos confiantes na economia, as famílias não estariam tão propensas a trocar de carro por mais permissivos que os bancos fossem. "Os carros nos pátios não podem ser explicados unicamente pelo canal do crédito", afirmou Trabuco no fim de abril.

Os bancos também argumentam que são eles que arcam com o prejuízo de aumentar a oferta de crédito para públicos com maior risco, com mais propensão a não pagar, e não as montadoras. Uma perda que está longe de ser desprezível, dado o alto custo de se retomar um veículo inadimplente.

Na quinta-feira, ao anunciar mais uma série de resultados negativos da indústria e um dia após o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dizer que o setor precisa aprender a "caminhar com as próprias pernas", a Anfavea jogou a toalha em relação à possibilidade de medidas de curto prazo para destravar o crédito. Luiz Moan, presidente da associação, disse que não as aguarda mais.

Com o fracasso, pelo menos até agora, da solução de mercado para os problemas da indústria automobilística, a "batata quente" volta ao governo, que tem até o fim do mês para definir como será a recomposição do IPI a partir de julho. Mantega já acenou que o imposto deve subir na virada do semestre, mas possivelmente sem retornar às alíquotas cheias cobradas antes de maio de 2012, como estava anteriormente previsto.

A decisão, porém, só deve sair no fim deste mês, aos "45 do segundo tempo", para não atrapalhar o movimento de antecipação de compras por quem não quer correr riscos de pagar um IPI mais caro a partir do mês que vem.

Apesar das perspectivas pouco animadoras sobre a retomada na demanda doméstica, o problema pelo lado das exportações pode começar a ser resolvido hoje numa reunião, em Buenos Aires, entre os governos do Brasil e da Argentina, destino de quatro em cada cinco carros exportados por montadoras brasileiras.

Como informou o Valor ontem (10), o Brasil aceita reduzir o teto do superávit nas trocas comerciais com o país vizinho, mas, em contrapartida, quer o compromisso de que o governo de Cristina Kirchner não vai mais restringir a entrada de veículos brasileiros. (Colaborou Daniel Rittner, de Brasília)