Não há dúvidas de que o alívio visto no mercado de câmbio na sexta-feira (23) foi reflexo direto do anúncio do programa de intervenções do Banco Central. Mas a reação teve a ver muito mais com a sinalização que o BC deixou com essa medida do que com a venda em si de contratos de swap cambial e linhas cambiais que virão. Afinal, na prática, a definição de um cronograma reduz a intensidade das atuações - somente na semana passada, o BC ofertou US$ 6 bilhões em swap cambial tradicional, além de US$ 4 bilhões em um leilão de linha, enquanto o novo programa prevê a venda de US$ 3 bilhões por semana, entre as duas operações.
O dólar comercial teve expressiva depreciação de 3,25% na sexta, indo a R$ 2,353. Foi a maior queda percentual diária desde 23 de setembro de 2011, quando a moeda terminou em baixa de 3,48%.
Para o diretor de pesquisas para América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, o programa de leilões anunciado pelo BC pode diminuir a volatilidade dentro do próprio dia, mas dificilmente impedirá a contínua pressão sobre o câmbio. "O que o BC fez foi eliminar do cenário o jogo especulativo em torno do momento das intervenções. Isso tem algum impacto", afirma.
O BC anunciou na quinta passada que irá, até o fim do ano, ofertar US$ 500 milhões diários (de segunda a quinta) em swaps cambiais tradicionais - contratos cuja colocação equivale à venda de dólares no mercado futuro. Além disso, às sextas-feiras disponibilizará até US$ 1 bilhão por meio de leilões de linhas, modalidade na qual o BC vende dólares ao mercado com compromisso de recompra em determinada data.
Essa estratégia, já utilizada pelo BC em 2002 e 2008, tem dois grandes benefícios: a transparência e o compromisso com uma cartilha mais amigável com o mercado. Ao estabelecer uma ordem para a sua forma de agir, o BC elimina os ruídos em torno de qual seria, afinal, sua estratégia de intervenção, dúvida que amplia as pressões sobre a taxa de câmbio. Basta lembrar que, nas últimas semanas, era acalorado o debate entre agentes a respeito da intenção do BC ao ofertar swap cambial. Estaria o BC interessado em segurar a cotação do dólar, apenas dar "hedge" (proteção) às instituições, suprir liquidez ou corrigir distorções de preço em relação ao mercado externo?
Além disso, o BC reafirmou, ao fazer o anúncio, que sua política não vai enveredar por um caminho mais heterodoxo para lidar com a pressão cambial. Tal receio é sempre um ingrediente de tensão nos momentos de volatilidade.
"Dificilmente veremos o dólar operar na casa de R$ 2,10, mas, com o mercado seguro de que vai ter "hedge", acho bem possível voltarmos para algo entre R$ 2,25 e R$ 2,30 até o fim do ano", diz o gestor da Appia Capital Jorge Knauer.
O efeito das vendas diárias, entretanto, pode não ser comparável ao que se viu em 2002 e 2008. Nas duas situações, o BC lidava com um nervosismo que deveria chegar ao ápice em momentos específicos. Em 2002, era a eleição presidencial e, em 2008, a quebra do Lehman Brothers. Agora, o processo de ajuste de preços no mundo está apenas começando.
Por causa dessa incerteza, o mercado não descarta que novas ações tenham de ser adotadas. A medida anunciada na quinta é considerada adequada, mas certamente não é suficiente para responder, sozinha, às pressões globais. Em tese, o próximo passo seria a venda de dólares no mercado à vista. Mas isso só faria sentido se houvesse um movimento claro de saída de recursos.
Ações paralelas à política cambial, como uma puxada na taxa de juros, não podem ser descartadas. Mas, por ora, a leitura é de que o BC esfria a hipótese de um ritmo mais intenso de aperto monetário na reunião do Copom desta semana. A lógica é que, se o BC será mais firme agora nas intervenções no câmbio, é porque pretende manter o ritmo atual de aperto monetário, pelo menos por enquanto.
Mas tudo vai depender do cenário internacional. O que poderia dar um fôlego mais consistente ao mercado seria algum anúncio de ordem fiscal. Existe alguma expectativa em relação ao anúncio do orçamento de 2014. Mas, até lá, o mercado não parece disposto a dar o benefício da dúvida ao governo.
Por Lucinda Pinto/ Valor Econômico