Com a escalada protecionista no mercado automotivo, um grande número de marcas que vinham explorando o crescimento do consumo brasileiro de veículos com produtos importados anunciou planos de construir fábricas no país. Era a saída para manter a competitividade no quarto maior mercado de carros do mundo depois que o governo decidiu sobretaxar - com 30 pontos percentuais extras no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - os veículos de baixo conteúdo local. Porém, passado mais de um ano da entrada em vigor dessa medida, pouca coisa saiu do papel.
Das montadoras asiáticas que manifestaram a intenção de se instalar no Brasil, quase nenhuma deu início às obras, exceção feita a duas marcas chinesas: Chery, cuja fábrica está sendo erguida em Jacareí, no interior paulista, e a JAC Motors, que investe ao redor de R$ 1 bilhão para produzir carros e caminhões em Camaçari (BA).
No conjunto, os projetos encalhados somam quase R$ 4 bilhões em investimentos e uma capacidade de produção anual superior a 300 mil veículos de marcas, em sua maioria, chinesas. Muitas delas mandaram representantes das matrizes na China para apresentar seus planos a governos estaduais e assinar com eles protocolos de intenção visando à construção de fábricas.
Porém, a taxação dos veículos importados, derrubando as vendas desde o ano passado, e, depois, a indefinição sobre como seria a flexibilização dessa barreira a marcas que estão chegando ao país - confirmada apenas em outubro - fizeram com que esses projetos permanecessem, pelo menos até agora, apenas na intenção.
Se tudo saísse como foi anunciado inicialmente, caminhões da Shacman começariam a ser produzidos em Caruaru (PE) no fim deste ano. Também estariam a todo vapor as obras das fábricas dos utilitários Towner, em Linhares (ES), e da Sinotruk - de caminhões - em Lages (SC).
A realidade, porém, é bem diferente. O projeto da Shacman foi transferido, há um mês, para Tatuí, no interior paulista, com seu orçamento reduzido de R$ 1 bilhão para R$ 400 milhões por não incluir mais um parque de fornecedores no entorno da linha de produção. Já nos casos da Towner, marca da montadora chinesa Hafei, e da Sinotruk, não foram iniciados nem os trabalhos de terraplenagem. A mesma situação acontece nos projetos da montadora de caminhões Foton, que ainda não definiu a sede de sua fábrica, e das marcas Changan e Ssangyong.
A Lifan, fabricante do subcompacto 320, similar ao Mini Cooper, também chegou a planejar uma fábrica brasileira no âmbito de uma joint venture com um parceiro local. Mas congelou o projeto após desfazer a parceria e concentra-se agora na expansão de sua linha de montagem no Uruguai. A produção no Brasil ficou para outro momento.
Quase todos esses empreendimentos estão sendo conduzidos por representantes comerciais das marcas. É um modelo semelhante ao adotado pela Hyundai, que muito antes de investir, por conta própria, numa fábrica de carros em Piracicaba (SP), autorizou um parceiro local - o grupo Caoa - a produzir utilitários da marca em Goiás.
Os atrasos no cronograma são atribuídos pelas empresas a vicissitudes da política automotiva
Em geral, os atrasos no cronograma são atribuídos por esses representantes a vicissitudes da nova politica automotiva. Primeiro, a sobretaxa do IPI afetou o desenvolvimento das marcas importadas no mercado brasileiro. Depois disso, a regulamentação do novo regime automotivo, editada no início de outubro, confirmou o abatimento do IPI extra para as montadoras que investem no país, mas impôs a elas regras de nacionalização que fecharam as portas para quem pretendia apenas montar carros com peças importadas. Muitos projetos tiveram, então, de ser redimensionados para atender às exigências, o que significou um aumento da previsão de investimentos.
No momento, as marcas esperam as regulamentações complementares do novo regime automotivo, editadas a conta-gotas pelo governo federal. Ainda falta definir, por exemplo, como será o rastreamento das autopeças compradas pelas montadoras, o que também vai indicar quais tipos de componentes os fabricantes poderão importar. Esse tipo de resolução também é aguardado por montadoras como Audi, Land Rover e Mercedes-Benz. As três estudam fábricas no Brasil, mas são altamente dependentes de tecnologias importadas.
Apesar de conceder níveis de nacionalização mais confortáveis para fábricas com baixa escala de produção, caso das montadoras de luxo, a Audi calcula em nada desprezíveis 53% o índice de peças locais que seus carros teriam de atingir no Brasil.
Por fim, antes de levar adiante seus projetos, as montadoras aguardam uma resolução sobre a reforma do ICMS em discussão no Congresso. A unificação da alíquota desse tributo poderá ter reflexo nos incentivos que estão sendo discutidos com os Estados para a realização do investimento.
Por Eduardo Laguna/ Valor Econômico