Juro baixo compensa caminhão mais caro e sustentável

Quem financia o veículo mais moderno e mais limpo paga prestação menor do que aquele que se apressou para comprar o modelo mais barato.

Logo que souberam que uma lei de emissão de poluentes mais rígida entraria em vigor, em janeiro de 2012, muitos transportadores anteciparam as compras de caminhões para fugir do aumento de preços que viria com as mudanças tecnológicas. Mas a estratégia não valeu a pena. Embora o caminhão menos poluente tenha ficado mais caro, a redução nos juros do Finame, linha de crédito mais usada no setor, compensou o reajuste. Quem agora financia o veículo mais moderno e mais limpo paga prestação menor do que aquele que se apressou para comprar o modelo mais barato, da geração anterior e mais poluente.

Em 2011, a taxa do Finame variava de 7,83% a 10,56% ao ano. Quem financiou um caminhão de R$ 200 mil na época pagou taxas mensais de 0,63% a 0,84%, que equivalem a parcelas de R$ 4.013 a R$ 4.260 num plano de 60 meses. Quando o ano virou e a nova legislação entrou em vigor, os preços dos veículos subiram 10%, em média. As vendas começaram a cair, num reflexo da antecipação das compras no ano anterior. Foi quando o governo decidiu dar uma mãozinha.
 
Em setembro de 2012, a taxa do Finame foi reduzida para 2,5% ao ano. A queda nos juros começou a compensar a elevação nos preços. O caminhão que passou a custar R$ 220 mil era financiado em 60 parcelas de R$ 3.190 no segundo semestre de 2012. Este ano, os juros do Finame subiram ligeiramente, para 3%. Mas a prestação continua mais atraente. Na nova taxa, de 0,25% ao mês, a mensalidade está em R$ 3.960 no mesmo plano de 60 meses.
 
"Nunca nesse país se comprou caminhão pagando juros de 3% ao ano", afirma Roberto Cortes, presidente da MAN. A taxa será mantida em 3% até julho. No segundo semestre subirá para 4%, mas ainda é vista como vantajosa, principalmente por permitir uma programação de encomendas.
 
Na longa e polêmica história da mudança na legislação de emissões, a redução dos juros foi uma reivindicação do setor, que por meses enviou representantes a Brasília para tentar convencer o governo a facilitar a compra dos veículos menos poluentes. Cortes não atribui o incentivo a essa mobilização: "o governo tinha interesse que a economia andasse e, por isso, abriu as portas".
 
O custo do crédito tem peso importante nas projeções otimistas da indústria, que projeta crescimento de vendas entre 7% e 10% em 2013. Mas essa expectativa também se reforça com a super safra e a perspectiva de crescimento da economia.
 
Além disso, a nova geração de caminhões também agrada ao transportador, segundo as montadoras, porque é mais eficiente. "No início parecia lorota de fabricante, mas nas conversas com os clientes, eles nos contam que têm conseguido economia de até 10%", diz o diretor-geral de vendas da Scania, Roberto Leoncini.
 
"Além de mais econômicos, os novos caminhões têm mais potência e permitem reduzir o tempo de viagem", afirma Oswaldo Jardim, diretor de operações de caminhões da Ford na América do Sul. A diretora de vendas da Mercedes-Benz, Tânia Silvestre, diz, que com "velocidade média mais estável também perde-se menos tempo nas subidas". Para obter mais eficiência, o motorista precisa, no entanto, ficar atento a mudanças na forma de dirigir. As novas orientações foram exaustivamente passadas aos caminhoneiros ao longo de meses. Somente a Mercedes-Benz colocou mil veículos exclusivamente para essas demonstrações, informa Tânia Silvestre.
 
Passado mais de um ano da mudança na lei, acabou também a preocupação com o abastecimento. Ninguém tem se queixado da falta do S-50, o diesel mais puro, imprescindível para os novos motores funcionarem bem. Até presidentes das montadoras, como Cortes, da MAN, reuniram-se com a direção da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para ter certeza de que o novo combustível não faltaria nos postos.
 
Além disso, o transportador deixou de achar esquisito falar Arla 32, nome da solução de ureia aplicada no sistema de escape para diminuir a poluição emitida pelo veículo. Arla 32 é hoje um nome familiar para os transportadores. Tanto que a JSL, empresa de logística e um dos maiores clientes da Scania, pediu à montadora para garantir o produto em algum ponto da Argentina, facilitando o abastecimento de caminhões que circulam pelo Mercosul.
 
Mas nem tudo é perfeito. Ao receber reclamações sobre o desempenho dos novos caminhões, a Volvo analisou os produtos usados e descobriu que parte do Arla vendido no mercado estava fora das especificações. "Isso pode deteriorar o catalisador", diz o diretor de vendas da Volvo, Bernardo Fedalto. Segundo ele, a empresa está empenhada numa campanha para que o Arla homologado pelo Inmetro receba um selo. O produto fora das especificações custa a metade do outro. O Arla recomendado pode aumentar o custo do abastecimento, mas fabricantes garantem que a eficiência compensa.
 
Se a eficiência no consumo se confirmar como ponto favorável à expansão das vendas, o mercado brasileiro começará a experimentar uma renovação de frota natural. Sem uma lei de inspeção rigorosa, veículos velhos continuam rodando e o país convive hoje com dois extremos. De um lado, as velharias fumacentas, que remetem a uma época em que o Brasil era visto como um país atrasado. De outro, a nova lei de emissões coloca nas ruas veículos modernos, com eficiência e economia compatíveis a países desenvolvidos.
 
Até agora, rodam pelo país cerca de 170 mil caminhões que atendem à fase 7 do Proconve (Programa de controle da poluição do ar por veículos), a versão brasileira do que o mercado já se habituou a chamar pelo nome europeu de Euro 5. É muito pouco numa frota que chega a 1,5 milhão. Nove anos e dez meses é a idade média da frota nacional de caminhões. Mas, como qualquer um que viaja pelo país já notou, há casos de veículos com 20 e até 30 anos de estrada.
 
As vendas acumuladas em 2013 dão a falsa impressão de que não houve recuperação. Depois do tombo de 19% em 2012, o mercado de caminhões este ano ainda registra retração em torno de 8% na comparação com o mesmo período do ano passado. Isso se deve a uma comparação com uma época em que o ritmo de vendas estava acelerado. A mudança de legislação permitiu a venda dos estoques da geração de veículos anterior, a chamada Euro 3, durante o primeiro trimestre de 2012.
 
Leoncini, da Scania diz que muitos transportadores não trocaram a frota ainda para ganhar tempo e entender a mudança de tecnologia, além de comprovar a disponibilidade de combustível. Ele espera que esses clientes apareçam agora. Mas nem todos estão tão otimistas. Oswaldo Jardim, da Ford, diz que a demanda se concentra mais no segmento de extra-pesados, favorecidos pela safra recorde. "Não percebemos o mesmo ritmo em veículos destinados a outros setores", diz.
 
Por Marli Olmos/ Valor Econômico