Algumas montadoras começam a perceber que seus atuais projetos de expansão no Brasil poderiam ter sido maiores. A Renault inaugura hoje (20) em São José dos Pinhais (PR) uma obra de ampliação que acrescentará a produção de 100 mil carros por ano, volume que equivale a praticamente uma nova fábrica. Mas isso não representa nenhum alívio. A linha continuará a operar na capacidade máxima, em três turnos. O diretor mundial da região Américas, Denis Barbier, que veio ao país para essa inauguração, concorda que a situação já leva a companhia a pensar numa futura expansão. Mas isso só deve ocorrer a partir de 2016. Até lá, a montadora pretende elevar a participação no mercado interno dos atuais 6,6% para 8%.
A razão da viagem do diretor da região Américas de Paris a São José dos Pinhais é de longe mais agradável do que o motivo que há seis anos levou seu chefe, Carlos Ghosn, o presidente da companhia, a fazer o mesmo percurso. Ghosn acabara de assumir a presidência executiva da Renault quando decidiu visitar a fábrica brasileira. O clima foi de desalento. A capacidade ociosa que ele encontrou no Paraná, de 70%, superou a da Nissan, que estava em 50% na época em que ele mesmo foi escalado para salvar a montadora japonesa da falência, em 1999. Com apenas um turno de trabalho, o clima no Paraná era de fim de expediente durante mais da metade do dia. Para piorar, o executivo recebeu os resultados de uma pesquisa com consumidores brasileiros: metade deles não sabia que a Renault tinha uma fábrica no Brasil. Naquele dia, Ghosn prometeu uma reviravolta.
Inaugurada em dezembro de 1998, a Renault do Brasil parece ter ficado em compasso de espera durante boa parte de sua história de atividade industrial no país. No início, foram anos sucessivos de resultados financeiros ruins, como o prejuízo de R$ 1,4 bilhão em 2002. O primeiro lucro, de R$ 169,5 milhões, apareceu somente no balanço de 2007 e, mesmo assim, os dois anos seguintes foram ruins, com quase nenhum lucro em 2008 e mais prejuízo, de R$ 262,3 milhões, em 2009. A partir de então, a empresa fechou com lucro de R$ 232,8 milhões em 2010 e R$ 215,7 milhões em 2011, segundo o anuário "Valor 1000".
Agora, o cenário é outro. Segundo o balanço da companhia, em 2012, a alta de 9% nas vendas fora da Europa compensou a queda de 18% no continente europeu. Hoje, metade das vendas de veículos da marca é realizada fora dos mercados europeus. Mas essa fatia tende a aumentar, diz Barbier, que trabalha na Renault desde 1984 e assumiu a direção das Américas há três anos. Em suas mãos está o comando da região com um dos maiores potenciais de crescimento da marca no mundo. Segundo ele, as vendas na região Américas dobraram em três anos. Como a marca não atua nos Estados Unidos, o Brasil lidera essa região, que soma 450 mil veículos por ano. Em 2011, o Brasil ultrapassou a Alemanha e passou a ser o maior mercado para a Renault fora da França.
Se naquela visita, há seis anos, Carlos Ghosn voltou para a França preocupado com o que viu em São José dos Pinhais, Barbier desta vez deverá se animar com o clima da festa nas novas instalações. Quase não foram feitas obras de construção civil porque 60% dos 2,5 milhões de metros quadrados do terreno onde está a montadora são de mata preservada. Mas, internamente, foram muitas modificações estruturais em setores importantes e estratégicos, como linha de montagem e cabine de pintura. A fábrica recebeu novos robôs e desde 2001 foram abertos mais 1,2 mil empregos, o que elevou o quadro para 6,5 mil trabalhadores.
A expansão elevará o volume anual de produção de 280 mil para 380 mil veículos. Saber que a montadora continuará a operar a plena capacidade mesmo com a ampliação ainda não é motivo de preocupação, segundo o presidente da Renault do Brasil, Olivier Murguet. Ele diz contar com um fôlego adicional, embora pequeno, até 2015, quando terminará o atual plano de investimentos, de R$ 1,5 bilhão. Somente a reforma da fábrica consumiu R$ 500 milhões. O restante do programa de investimentos, iniciado em 2010, inclui renovação de produtos e lançamentos. "Pensamos em aumentar a oferta de modelos em segmentos onde ainda não estamos presentes", afirma Barbier.
Eventual falta de capacidade também poderá ser resolvida de outra forma. Mesmo que a direção da empresa evite tratar do assunto em detalhes, existe a possibilidade de a Renault passar a utilizar toda a capacidade da fábrica de comerciais leves que hoje compartilha com a parceira Nissan. Trata-se de uma instalação vizinha à linha dos automóveis. Nesse prédio são produzidos os modelos Master, da Renault, e Livina e Frontier, da Nissan. A produção da Nissan pode até ser transferida para Resende (RJ), quando a fábrica da marca japonesa ficar pronta em 2014. Já se cogitou também o aproveitamento da aliança entre as duas marcas. Isso incluiria operações da Renault na fábrica da Nissan no Rio. Barbier admite aproveitar sinergias da aliança no Brasil, mas prefere não se estender nos comentários sobre as hipóteses.
Por enquanto, o executivo francês comemora a expansão da região que está sob seu comando e se satisfaz com a disposição do governo brasileiro em dar mais benefícios para empresas que produzirem no país. "Algumas medidas nos fazem evoluir", diz. O Inovar-Auto, nome do regime automotivo que prevê impostos maiores para veículos importados ou montados aqui com baixos índices de nacionalização, ajuda a empresa a alinhar a estratégia de crescimento internacional. Como outras montadoras, a Renault elegeu a atividade industrial no bloco Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) como o caminho para compensar as perdas que tem sofrido por ter passado muitos anos excessivamente dependente de seu mercado de origem.
Barbier sabe, porém, que no Brasil a disputa se dará no mercado interno. Já faz tempo que as montadoras têm perdido antigos contratos de exportação para fábricas de outros países. A própria Renault brasileira já não exporta para o México porque a filial colombiana se mostrou mais competitiva na venda do modelo Sandero, também produzido no Brasil. "De fato, infelizmente hoje os elevados custos no Brasil não nos permitem exportar para os mercados da parte norte das Américas", afirma Barbier.
Com volume anual de 3,8 milhões de veículos, o mercado brasileiro, o quarto maior do mundo, ainda é grande o suficiente para absorver a produção da indústria automobilística local. Barbier reconhece que, com a entrada de novos competidores, a briga não será fácil. Mas lições do passado, que a empresa aprendeu na tentativa frustrada de entrar no mercado dos Estados Unidos, servirão para essa nova fase de competição no Brasil, segundo o executivo. "É preciso estudar, envolver-se mais na vida dos brasileiros para entender seus desejos de consumo. O mercado brasileiro é exigente. O diferencial entre as marcas será a qualidade dos serviços e a capacidade de conseguir fazer produtos ao gosto do consumidor. Os que não atenderem a isso não terão lugar nesse mercado".
Por Marli Olmos/ Valor Econômico