"Vou estudar engenharia". Essa frase ainda é mais comum entre os homens, porém público feminino já representa uma parcela significativa entre os estudantes de engenharia e entre profissionais do setor metalmecânico.
Quando, em 1973, Monica Ferreira do Amaral Porto decidiu cursar engenharia civil na Escola Politécnica (Poli) da USP, ela era uma das 14 meninas em um universo de 150 alunos. Nestes 40 anos, Monica, que atualmente é vice-chefe do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Poli-USP, nota um aumento significativo da presença feminina nos cursos de engenharia.
Os dados comprovam isso. Segundo o Anuário Estatístico da USP, em 2011 as mulheres representavam 17% dos alunos de graduação de engenharia da Escola Politécnica. Monica afirma que nunca teve qualquer tipo de obstáculo por parte de colegas e professores ao estudar engenharia civil. Em 2005, Monica foi a primeira professora titular do curso na Poli. Em 2011, as mulheres correspondiam a 11% do corpo docente da instituição.
"Posso contar nos dedos de uma mão as vezes que sofri qualquer tipo de preconceito pelo fato de ser mulher", comenta a engenheira. Ela defende que a complementariedade de visões é muito interessante, em qualquer campo. "As mulheres têm facilidade para ter uma visão mais ampla do problema, elas tendem a ser mais multidisciplinares. Já os homens costumam apresentar uma visão mais focada. Essas duas visões em conjunto são muito importantes na engenharia ou em qualquer outro segmento", diz.
Monica acredita que há profissões que naturalmente têm um maior encaminhamento de homens ou mulheres, o que não deve ser julgado como certo ou errado. "O tratamento precisa ser igual, independentemente de ser homem ou mulher, mas os números de cada um não precisam necessariamente ser os mesmos", avalia.
Nos cursos de pós-graduação de engenharia da USP, as mulheres correspondem a 25% dos alunos. A professora de engenharia civil, Monica Porto, explica que o número de mulheres cresce em relação aos cursos de graduação graças à visão mais multidisciplinar e também porque a maioria dos alunos de pós-graduação estão na faixa entre 25 e 35 anos, época que mulheres costumam engravidar. "Assim, elas aproveitam esse período para buscar a especialização, em uma atividade não tão desgastante", afirma Monica.
Profissionais
O Recrutando.com, portal de recrutamento especializado em engenharia e TI, está em funcionamento há um ano e também traduz a tendência de um número mais significativo de mulheres. "Cerca de 20% dos cadastros de currículos na área de engenharia são de mulheres. Mas como o número de engenheiros do sexo masculino ainda é bem maior, as empresas naturalmente acabam recebendo mais currículos de candidatos homens", explica o diretor de operações do site, Luiz Pagnez.
O sócio e diretor comercial da Search Consultoria em Recursos Humanos, Renato Maleckas, atuou por 16 anos na indústria de autopeças e automobilística. Maleckas afirma que mesmo em uma indústria tão tradicional, como é a automotiva, as mulheres já conquistaram seu espaço.
"As mulheres de um modo geral têm características importantes para esse segmento. Elas tendem a ser mais comprometidas, seguir mais os procedimentos dentro da empresa e tem uma sensibilidade mais apurada, o que é importante em setores que exigem mais cuidado, nos quais a peça não pode ter qualquer tipo de risco ou dano, por exemplo", explica. O sócio da Search diz que as mulheres apresentam um índice de perda de peça 5% menor que o dos homens e são muito requisitadas em setores que trabalham com material de precisão, como é o caso da estamparia e corte fino.
Maleckas acredita que é saudável essa união de homens e mulheres dentro da indústria automotiva. "Penso que daqui uns cinco anos as mulheres estarão respondendo por 40% a 60% dos trabalhadores no segmento de metal-pesado", avalia.
Na indústria de máquinas e ferramentas, a presença feminina também começa a ganhar corpo. A
OSG Sulamericana, fabricante de ferramentas de corte, conta com uma porcentagem de 10% de mulheres. Na unidade de Bragança Paulista, no setor técnico, elas ocupam 16% das vagas. Na área de produção, esse número cai para 7%.
Para a psicóloga do setor de RH da empresa, Suzimara Silva, as mulheres, em geral, têm algumas características essenciais para o setor. "Elas são mais detalhistas, tendo melhor desempenho nas atividades que exijam maior concentração. São mais disciplinadas, cumprem melhor as normas e regulamentos e também são mais estáveis, não trocam de emprego com frequência", comenta a psicóloga.
Entre os colaboradores da
Mitsui Motion Máquinas, cerca de 40% são mulheres, que estão distribuídas nos setores de vendas, engenharia, administrativo e RH. Uma dessas mulheres é Raquel Barberino, coordenadora do departamento comercial da empresa. O desejo pela área de engenharia já existia desde criança, quando desmontava computadores, controles remotos e brinquedos eletrônicos para entender como funcionavam. Mas o ingresso em um curso de engenharia não foi tão simples. Vinda de uma família humilde, Raquel tinha que acordar às 4h da manhã para ir a um cursinho preparatório. Após dois anos de estudos, ingressou no curso Processos de Produção Mecânica da Faculdade Pública de São Paulo (FATEC-SP).
"De 80 alunos na sala, tínhamos seis mulheres. Destas, duas desistiram nos primeiros semestres", conta a coordenadora comercial. Depois, Raquel ainda cursou Engenharia de Produção Mecânica. Agora, após oito anos de experiência na área, Raquel, que já passou por três empresas da área de máquinas (Ergomat, Okuma e, atualmente, na Mitsui Motion), percebe um crescimento no número de mulheres no setor. "Trabalho em algumas feiras, nas quais expomos nossos produtos, e cada vez mais o número de mulheres, profissionais da área, vem aumentando e a tendência é que isso aconteça nos demais setores", afirma.
Para ela, o maior desafio de atuar em um segmento ainda composto majoritariamente por homens, é ter uma postura diferenciada e mais incisiva no convívio profissional. O presidente da Mitsui Motion Máquinas, Marcos Bastos, acredita que a presença feminina em setores, como o metalmecânico, não é apenas uma tendência, mas um necessidade das próprias empresas.
Salário
De acordo com pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, a diferença salarial entre homens e mulheres era de 25%. Em uma pesquisa da Mercer, divulgada em 2012, o operacional é o setor da empresa que mais reforça essa diferença salarial, no qual os homens costumam receber um salário 63% mais alto que as mulheres. Na presidência, o gap salarial é de 42%.
Para o sócio da Search Consultoria em RH, Renato Maleckas, essa diferença salarial vem diminuindo da indústria e a tendência é que haja um equilíbrio nos próximos anos.
Por Karine Wenzel/ Portal CIMM