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Irineu de Brito Junior | 14/04/2020
Notícias
Artigo aponta algumas consequências da correria desnecessária por produtos nos mercados
Com a chegada da pandemia de coronavírus ao Brasil, estamos observando uma correria a supermercados, compras em grandes volumes de produtos e um certo pânico na população. Ao analisarmos essa situação e seus efeitos nas cadeias de suprimentos, podemos resumi-los em dois aspectos.
O primeiro aspecto refere-se ao impacto na cadeia de suprimentos e na estrutura logística para controle da pandemia e o atendimento às vítimas, como os medicamentos, equipamentos e materiais médicos.
Nesse sentido, as capacidades dos fabricantes desses produtos e dos prestadores de serviços, como transporte, necessitam ser incrementados de maneira súbita, inclusive de necessidades diferenciadas, como a denominada “cadeia do frio”, que é utilizada para abastecimento de vacinas e outros produtos que requerem condições específicas para armazenagem e transporte. A situação pode requerer dessas organizações um aumento da necessidade de mão de obra nos setores produtivos e logísticos para atendimento a essa necessidade. Essa mão de obra é, em sua maioria, presencial, o que vai em contradição com as recomendações de “home office” adotadas por várias empresas para se evitar a propagação e aumentar o contágio.
A literatura científica sobre o assunto recomenda uma preparação adequada para essas situações, porém, não somente no Brasil, mas como em inúmeros outros países, essa pandemia ocorreu de maneira súbita sem que os órgãos responsáveis tivessem tempo hábil para preparação adequada. Nesse caso, a resposta à pandemia irá demandar maiores esforços dos envolvidos e um estresse operacional causados pela própria situação e por pressões políticas e de mídia.
Outro aspecto é o impacto nas cadeias de abastecimento de bens de consumo. O professor Steven Taylor do Departamento de Psiquiatria da University of British Columbia e autor do livro A psicologia das pandemias (atualmente esgotado na Amazon) concedeu uma entrevista ao jornal The Independent onde explica alguns motivos que podem estar por trás desse aumento súbito de demanda para produtos como o papel higiênico, levando a população a uma situação de pânico generalizado. Um dos motivos alegados é a ligação entre o medo de ser infectado e a repulsa, e o uso do papel higiênico seria uma maneira de eliminar o material infectado, ou ainda, outro motivo levantado seria que, em alguns países, existiria a possibilidade de falta de matéria-prima, que seria importada da Ásia ou de outros países. Esse argumento não faz sentido algum no Brasil, afinal, nossa matéria-prima é produzida localmente. O autor denomina essas compras de “efeito manada” e, também, cita alguns exemplos de corrida por certos produtos ocorridos em outras epidemias, como por "Vick Vaporub" durante a Gripe Espanhola, em 1918.
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A médio prazo, um dos efeitos dessa demanda súbita é o fenômeno denominado “efeito chicote”, que possui esse nome porque as cadeias de suprimentos se comportam da mesma forma que em um chicote, onde uma pequena variação numa extremidade provoca uma variação de grande amplitude na outra.
Aplicando este conceito, por exemplo, numa cadeia de suprimentos de papel higiênico, a variação da demanda ocorrida no varejo vai sendo amplificada para o atacadista, o distribuidor, o fabricante até o produtor dos insumos básicos utilizados na fabricação do produto, ou seja, quanto mais longe do início da cadeia maior o impacto. Nessa situação o fornecedor de matérias-primas é quem terá dificuldades operacionais maiores. Num primeiro momento, ele sofrerá um grande aumento de demanda e, posteriormente, essa demanda irá se reduzir a níveis anteriores a pandemia e, em alguns casos, até menores.
No caso específico do papel higiênico, trata-se de um produto com baixa elasticidade de demanda. Isso significa que, de maneira diferente de outros produtos, como as roupas, as pessoas não vão consumir mais papel higiênico caso os preços baixem. No período após a pandemia esses produtos comprados durante o momento de pânico estarão estocados nas residências e serão consumidos ao longo do tempo. Isso fará com que a “chicotada” esteja num ponto inferior e os varejistas, visualizando a redução de demanda dos consumidores, adquiram menos dos atacadistas; os atacadistas encomendem menos dos fabricantes; e os fabricantes encomendem menos de seus fornecedores. E assim por diante. Novamente, os fornecedores de matérias primas, especialmente os de pequeno porte, podem ter maiores dificuldades, agora também financeiras causadas pela redução de pedidos.
Como reduzir esse problema e seus efeitos? Não deixar-se influenciar pelo pânico geral e continuar adquirindo o produto conforme seu consumo normal, seria a solução mais óbvia e prática.
Esse fenômeno é comum em cadeias de suprimentos humanitárias, como em locais que possuem estações extremamente chuvosas e que inviabilizam o transporte dos suprimentos durante o período, requerendo um envio antecipado aos armazéns durante a estação seca. Essa situação provoca uma antecipação de demanda e consequente efeito chicote. Também ocorre para atendimento em epidemias localizadas, por exemplo, ebola; ou ainda em campanhas para redução de malária e aquisição e distribuição de grandes quantidades de redes mosquiteiros.
Uma outra grande preocupação no setor humanitário é a dificuldade de atendimento e de suprimento de materiais em caso da ocorrência da pandemia em grandes campos de refugiados, como os que acolhem os Rohingyas em Bangladesh, onde, aproximadamente, 900 mil pessoas vivem em tendas e num espaço concentrado, o que propicia um fácil alastramento do vírus. Também haveria esse tipo de dificuldade nos locais com estações chuvosas e fechamento de estradas. Nesses casos, o abastecimento necessita ser realizado, em grande parte, por transporte aéreo.
No Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp, no câmpus de São José dos Campos, na disciplina de graduação Gestão de Desastres e Operações Humanitárias, nossos alunos têm essa noção do efeito chicote de maneira prática. Durante uma das aulas, é aplicado o Beer Game (jogo da cerveja), no qual o conceito é ministrado e o jogo simula o efeito do fenômeno, proporcionando ao aluno vivenciar as dificuldades e visualizar os efeitos que podem ocorrer numa cadeia de suprimentos real.
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Irineu de Brito Junior
professor do ICT, na Unesp em São Jose dos Campos. O docente tem graduação e doutorado em Engenharia de Produção e experiência ministrando cursos de extensão a profissionais que atuam em campos de refugiados do UN WFP (Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas), no Sudão do Sul e Bangladesh
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